quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Coluna de Dezembro de 2017 para o jornal Portal

Devemos ir! A música me ensinou ou através dela aprendi. Sabe quando estamos quase acabando de fazer uma tarefa e alguém nos chama, o telefone toca ou o relógio avisa e temos que ir?
Dá uma agonia imensa deixar algo por fazer, mas devemos ir para vida. Nela, estão as respostas, as melhorias e as sacadas. No nosso trabalho não remunerado, onde não “ganhamos” nada. Naquela arrumação, brincar ou estudar com os filhos, fazer compras ou fazer o jantar.
Quando deixamos que façam essas coisas por nós, porque são coisas menores, não são nobres como nosso trabalho, nos afastamos da vida. Nessas tarefas estão nossas famílias, amigos e as gratas surpresas.
Na música, na poesia ou na prosa, onde as sutilezas fazem diferença, às vezes é preciso abandonar o que estamos fazendo, esquecer um pouco aquilo que está nos rondando, mas não está agradando e mergulhar na vida, para, depois, retomar o trabalho renovado.
Para que isso aconteça, não é necessário que tenhamos uma experiência inédita, inacreditável ou maravilhosa. Mas, apenas, um novo dia e, com ele, um novo bom dia para o vizinho, uma nova ida ao mercado e, assim, novas experiências, novos sabores e novas possibilidades.
Como diz o ditado: “Um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio“, porque o rio não é mais o mesmo. Mas, um rio não banharia duas vezes um mesmo homem, porque o homem, também, não é mais o mesmo.
Na coluna de Abril deste ano, falei sobre o fato da percepção ser uma espécie de tradutora, que contextualiza e relaciona sentidos paralelos, permitindo que sabores se juntem a cheiros, acordes, imagens e texturas.
Essa forma análoga de processar as informações, permite que possamos nos manter focados em algo que estamos querendo ou precisando terminar, mesmo sem estar, naquele momento, com as mãos na massa. Mas apenas relacionando, com ele, o outro trabalho que tivemos que fazer naquela hora.
Vários compositores contam que, numa determinada situação, encontravam-se travados, sem perspectiva de conseguir terminar uma melodia ou letra, de chegar a uma imagem mais próxima à que pensaram e de repente, chega de um lugar inesperado, uma palavra, frase, bordão, ideia ou ponto de vista que encaixa ou que traduz o que ele queria dizer.
Alguns preferem pensar que foi a maior coincidência, tudo bem. Eu prefiro culpar aquele percentual que não usamos da mente, e dizer que somos capazes de criar analogias inacreditáveis.
Não é preciso que a analogia seja genial, apenas que o artista entenda que, para ele, é uma novidade ou representa, de fato, o que ele pretendia expressar. Pode ter estado a vida toda a sua frente, mas até aquele momento, aquela altura, nunca havia feito nexo, não havia dado o estalo.
Por isso, entendo que não devemos fugir das coisas menores, chatas ou pequenas. Mas é preciso estar atento, vigilante, com a “visão além do alcance” acionada. E, assim, não deixar o instante passar, olhando a hora ou resmungando.
Para isso acontecer, temos que buscar recuperar aquela capacidade infantil de nos impressionarmos com as coisas da vida, afinal, são milagres!
Olha o sol! Olha a plantinha! Olha a lua! Olha o bichinho! Olha a água! Olha o céu! Olhas as estrelas...
Viva a vida! E a possibilidade de nos reinventarmos! Feliz Natal!
Até a próxima!

Coluna de Novembro de 2017 para o jornal Portal

Em alusão ao dia dos mestres, apesar de não ter nenhum controle sobre como você, leitor, irá interpretar, quero tentar, através desse texto, trazer um novo prisma, que para mim, é o único possível, sobre o autodidatismo.
Toda vez que ouço alguém dizendo que não estudou para fazer algo, pois é autodidata, confesso que tenho náuseas. Pois isso afeta, muito, crianças e jovens que ouvem tal discurso e que, erradamente, querem fazer igual.
Todos somos autodidatas, ou seja, capazes de aprender observando ou, ainda, deduzir - chegar a conclusões, sem ter visto alguém fazer. A diferença é que, para cada um, será mais fácil determinado assunto ou tarefa, de acordo com sua maturidade, habilidade ou ambiente.
O fato é que ninguém consegue render e despontar numa atividade sem muito treino, prática e estudo. O que dizer então em várias... O refinamento vem da repetição correta, com técnica, cuidado e paciência. A vontade e a facilidade, de se aperfeiçoar dessa forma, é chamada de vocação.
Mas nem a vocação, nem o autodidatismo podem fazer ninguém chegar ao ápice, sem muito esforço. Então, essa postura de “mamãe sou gênio”, serve apenas de mau exemplo para as novas gerações, que já pensam que as coisas caem do céu.
Na grande maioria das vezes, esse discurso é uma forma brasileira de se mostrar superior, pois existe, infelizmente, na nossa malandragem, além do lado bacana de encararmos a vida sorrindo, o lado filho da puta de deixar que outros façam as nossas obrigações, já que somos merecedores.
Então, primeiramente, saibamos que existem os autodidatas e os que se dizem autodidatas. Depois, temos que pensar sobre o que é o autodidatismo no sentido citado. Aprender sozinho? Sem estudar? Sem estudar com alguém? Sem a ajuda de ninguém? Sem consultar livros? Difícil, né?
Ser autodidata, não é “não ter professor” e, sim, a capacidade de ter vários professores, de aprender com tudo e todos que nos cercam. A própria sociedade nos ensina, coisas boas e ruins, por isso, Vygotsky chegou a sua expressão: “O homem é produto do meio.” Contrapondo esta ideia, Piaget dizia que as bases biológicas são muito importantes e que a maturidade cognitiva de cada um, influencia no aprendizado.
É a maturidade, que nos dará a capacidade de observar, sobre vários prismas, um mesmo assunto. Compreender as entrelinhas de textos e os contextos de situações. Afinal, o conhecimento é uma espiral, onde sempre voltamos aos assuntos antigos, sob novo prisma.
Podemos aprender sozinhos, ter insights e sacadas. Mas isso aconteceria com um instrumento? O sujeito quer muito, de repente, enquanto passava numa ponte - Pum! O conhecimento o atinge? E o vocabulário? Como pode alguém que nunca estudou, dizer que a escala é uma Lídio b7?
Seria a partenogênese do conhecimento? A capacidade que algumas fêmeas possuem de se procriar, sem precisar de machos para fecundá-las? Ele simplesmente aparece? Não dá gente...
Quem é autodidata, só não tem aula formal. Mas tem família, amigos, colegas que dividem o mesmo gosto por um assunto e, assim, estudam com maior ou menor frequência e facilidade. Os livros também são grandes fontes de pesquisa e conhecimento, apesar de não serem professores.
Vamos valorizar seus autores, citar seus nomes, indicar suas obras. Valorizar os professores, os amigos mais experientes que nos dão dicas maravilhosas, os colegas de estudo, com quem partilhamos a aprendizagem. Na interpretação do outro, sempre vemos algo que não veríamos sozinhos.
Os grandes inimigos do conhecimento, nos dias de hoje, são o excesso de informação, e a falta de didática, geradas pela desvalorização do ensino. E neste mundo onde os professores não são necessários, os assuntos não tem ordem, progressão, nem importância. Muito menos, abordagens que facilitem e estimulem a discussão, a compreensão e a assimilação.
Hoje, não tenho professor e sinto muita falta, mas sempre procuro os debates saudáveis e enriquecedores. Todos aqueles que passam em minha vida e, com amor, tentam me ajudar, orientar e alertar, considero mestres. Acredito que só as novas perspectivas, podem nos testar e fazer crescer.
Parabéns aos mestres! E aos meus mestres formais, mestres da vida e amigos que tanto me ensinam!
Até a próxima!!!

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Coluna de Outubro de 2017 para o Jornal Portal:

Fui ao RIR nesta edição 2017. Fui porque minha filha insistiu - Pai, eu nunca fui! E eu tentava me defender - Eu também não! Foi minha primeira vez, aos 41. Prefiro lugares menores, mais controláveis, se é que isso existe. Gosto muito de gente, mas todas juntas, empolgadas e doidonas, evito ao máximo.

Foi bem organizado, em relação ao acesso, aos banheiros, filas pequenas para itens mais necessários e algumas maiores para coisas mais superfluas como tirar foto ou marcar hora para brinquedos. Essa organização é o habitual lá fora. Por isso, me questiono: Será que aprendemos? Ou isso se deve apenas a presença de artistas internacionais? Por que só uma franquia consegue mobilizar tanto público e tantos segmentos da sociedade? Por que é tão sazonal? Por que tem ares de tão grandioso, faz parte do marketing?

Isso prova que é possível fazer eventos, com adesão, em solos Tupiniquins. Mas quais são os motivos para não acontecerem? Parte do problema é a falta de vontade política, e isso é bem claro. Mas existe um cabresto, que nos puxa e os antolhos, que nos apontam qual direção seguir, qual artista ou gênero é superior. Isso sempre ocorreu. Mas ouçam um segredo - Podemos gostar de todos! Nacional, internacional, urbano, rural, novo, antigo, sofisticado ou rústico. Não existe o melhor do mundo. Isso é uma besteira! Existem afinidades e encaixes.

Uma música complexa, assim como um texto, se afasta do grande público. E, ainda assim, tem seu nicho. A música mais simples, pode ser ruim, mas não porque é simples. Existem diversas músicas difíceis que são intragáveis, assim como fáceis que são maravilhosas. Isso tem a ver com a experiência humana, nosso gosto, nossas memórias e afetos e, também, com o momento vivido.

Um bom show tem vários fatores, entre eles: a sonorização, os efeitos visuais, o repertório, o artista e, até, a música. Tenham certeza de que muito pouco tem a ver com seu estudo. Alguns estilos e instrumentos, exigem muito. Um virtuose, pode ser considerado ouro olímpico de guitarra, campeão do mundo de bateria, mas isso não garante um bom espetáculo. Já a sua relação com o público...

Existem espetáculos mais performáticos, com dança, trocas de roupa, rapel, tirolesa, etc. Existem os mais contemplativos, onde ficamos viajando. Os mais participativos que nos colocam para cantar junto, dançar ou pedir música. Existem os que têm um repertório inteiro de sucessos, que podemos cantar, pois conhecemos tudo. Existem os mais românticos e os mais explosivos, etc.

Para cada gosto, ou melhor, para cada demanda, existe um tipo. O que é feio e pega mal, é quando o público e o artista não se entendem. O artista quer falar e o público, dançar. O artista quer mostrar o novo disco e o público, cantar os antigos sucessos e por aí vai. Às vezes, a equipe de vendas força uma barra, às vezes a produção erra na divulgação... Muitos podem ser os desencontros.

Por isso, é importante que o público saiba, de verdade, do que se trata aquela turnê. Que o artista tenha a sensibilidade de divulgar a intenção real. Que os produtores dos contratantes, saibam qual tipo de show estão vendendo, pois estes fatores são determinantes. Assim, uma concepção mais equilibrada, que tem repertório novo misturado com antigo, que procura entender o perfil do evento, se artístico ou de entretenimento, e a faixa etária do público, acaba beneficiada.

Num mundo onde temos sempre saudade do que vivemos, onde queremos sempre relembrar, existem duas coisas que fazem a diferença, em termos artísticos: A atitude de bancar a sua arte, ainda que haja queda de vendas por estar fazendo algo novo e não relembrando o passado, e o carisma, de conseguir trazer seu público para dentro dessa onda, num transe, encantando a serpente. 

Aqui, ainda nos faltam espaços, que poderiam ser menores do que o parque olímpico, com menos concentração de pessoas, mais variação de artistas, segmentos da arte e locais de eventos, capazes de fazer circular cultura, feita com dignidade, respeito e zelo, em diversas camadas sociais. Criando um público, que pudesse se nutrir de variados aspectos da cutura e, em contrapartida, adquirisse mais consciência do seu papel e lugar no mundo.

As pessoas, que são esse público, precisam saber que o mercado transforma tudo em produto. E que vive de criar a necessidade de vendê-los, a qualquer custo. Esta estrutura gigante, anti natural e autofágica, sempre, estará fadada ao fim e precisa se reinventar, absorvendo as novidades que vão dando certo. O discurso da inclusão é sempre bonito, mas, depois, a história se repete.

Se a vida começasse agora, diria que ainda nos falta educação, para sabermos que existe um momento para cada tipo de música e que devemos saber como nos portar. Que nos falta cultura, para absorvermos e termos, em nossas atitudes, a capacidade de ouvir e respeitar a imensa diversidade cultural que nos rodeia. E que falta incentivo, para que todas as crianças tenham acesso a ela e, assim, possam desenvolver a capacidade de, sozinhas, formarem seus gostos e opiniões. Não impostas, mas vivenciadas, saboreando essa liberdade. E isso as tornaria libertadoras também. E a gente não pararia mais de cantar e de viver.
Até a próxima!

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Coluna de Setembro de 2017 para o jornal Portal

No palco, basta fechar os olhos e as coisas vão acontecendo. Independente de nós. É claro, que o que se toca, se pratica e se interessa, está presente e possibilita que esse transe aconteça, mas tudo se desenrola num plano paralelo.
Como se nos tornássemos uma ponte entre o inconsciente e o mundo. E, nesse momento, não há dúvida de que este insconsciente é coletivo e que fazer esta conexão é a nossa função no formigueiro.
É curioso como as ideias parecem vir ditadas, as palavras saem da boca, mas são faladas por uma legião. Têm o peso da história, a força de conselho e a verdade de testemunho. A fonte da qual emana essa vibração, é do tamanho do cosmos, contém e está contida nele.
Os acordes, melodias e letras, simplesmente fluem. Se tentarmos lembrar ou pensar, erramos. Não é possível obstruir seu caminho sem atrapalhar, por isso, nos colocamos de lado, abrindo passagem. Como se fosse a voz do compositor, que também não era dele e ,sim, dessa energia.
A emoção toma conta, as mensagens que são mandadas arrepiam. E, por alguns momentos, tudo faz sentido. A vida, as dificuldades, os dilemas. Tudo se explica, se justifica. Estamos na hora e no lugar certo. Como é bom ter seguido este caminho, que se apresentou quando ainda não sabíamos o que seríamos na vida.
Qualquer profissão que nos escolhe é boa e pode dar esse prazer, é claro. Lutar pela sobrevivência, não nos impede de sentir realização e felicidade, mesmo que sejam caminhos paralelos, em algum momento poderemos escolher.
Às vezes, temos a sensação que ninguém presta atenção, mas isso pode ser sabotagem do ego, um artifício do lado negro para desconectar e quebrar a corrente, pois basta que a mensagem atinja um, como foi conosco.
Talvez, tenha sido o Grajaú, a pedra, as árvores e a terra. A mãe d’água, secular, que já banhou escravos, matou a sede de muitas gerações de plantas, bichos e gente. Ela... Ela pode nos ter despertado. Como a água, a “Força” é fonte que jorra noite e dia.
Dela vem o carisma, o encanto, a beleza e a comunhão com o público. O estudo, a técnica, o virtuosismo e o dom se esvaziam sem sua presença. Por isso, o artista precisa de concentração, para que este mundo venha ao seu encontro e suas habilidades se tornem passagem destas vibrações, que são a língua mais antiga do mundo, o elo entre o mundo e nós.
O ego muitas vezes tenta mudar a mensagem, atrapalhando sua passagem. Mas, o compositor é apenas um veículo com o qual o próprio universo se comunica com a humanidade. Por isso, cada canção, poema ou letra inspirados devem ser valorizados.
Somos antenas parabólicas, estamos conectados ao chão. A Terra nos conecta e a gravidade conecta todo o universo. Somos ligados pelo chão e o ritmo e a vibração mais fundamental. A fonte flui através de nós.

Até a próxima!

sábado, 19 de agosto de 2017

Coluna de Julho/ 2017 para o Jornal Portal

Se pensarmos que Mozart, aos seis anos de idade já fazia concertos e, na adolecência, já tinha uma série de sinfonias, é muito curioso observar que na música popular, existam tantos artistas que carregam a alcunha de “rei” ou “maior de todos os tempos”, sem terem feito um décimo do que ele fez.
Um músico como ele, possui uma extensa lista de atributos que o tornam completo: Técnica, Ritmo, Expressividade, Domínio do seu instrumento, Leitura à primeira vista, Domínio de Progressão e Condução Harmônica, Levadas, conhecimento de Harmonia e Contraponto, Orquestração, Arranjo, Composição e Improvisação, além de um bom Repertório.
No entanto, o que faz um músico ser tão querido, não é o fato de ser bom ou não, mas o efeito que sua música causa no público, ou ainda, o carisma que tem. Elementos subjetivos que fazem com que ultrapasse o estilo ou gênero que o alavancou. Sobrepujando a gravidade e tornando-se astro.
Tom Jobim, Paco de Lucia, Bobby Marley, Freddy Mercury, John Lennon, Jimmy Hendrix etc... São artistas que saíram do seu métier e viraram cidadãos do mundo, usando a música como meio de expressão, inquestionáveis e tidos como deuses. Passando a não importar, de verdade, se cumpriam a tabela de atributos, pois atingiram um status de lenda.
Não havia necessidade de Jackson do pandeiro - o rei do ritmo, ter todos os atributos da lista, sua musicalidade e carisma eram indiscutíveis. Luiz Gonzaga - o rei do baião, teve suas músicas aclamadas antes do título, os feitos antes da fama, num misto de mito e verdade inerente a nós.
Essa atmosfera surreal, mexe com sonhos e fantasias, com a inocência circence, infantil e guardada em nosso íntimo, protegida das mazelas da vida adulta, mas que projeta e deseja o fantástico e fica vulnerável, podendo ser alvo de manipulações e truques.
É intrigante que existam músicos que possuem toda a lista de atributos e que, no entanto, não são conhecidos, seja por sua falta de interesse, de carisma ou de propaganda, mas que alguns artistas que não possuem nada, nem mesmo carisma, estejam bombando. Um farsante pode ficar famoso, rico e bem conceituado hoje em dia, pois é permitido e estimulado que um título, um rosto ou uma bunda, seja um motivo relevante para a venda de shows, discos e para estar nas rádios, TVs e na mídia em geral.
Certa vez, Ariano Suassuna contou numa palestra, que havia lido numa matéria de um Jornal de SP, que Ximbinha, guitarrista da banda Calipso, era genial. Então disse, sem fazer juízo de valor, que ele era um escritor e que a língua portuguesa era sua matéria prima, por isso, tomava cuidado com a proporção das palavras. Se ele usasse um adjetivo como genial para Ximbinha, o que poderia dizer sobre Beethoven?
Nesta lista de atributos de um músico completo, acrescentaria mais um. Este, até mesmo alguns gênios não têm - a didática. Capacidade de compreender o que cada assunto representa, sua extensão, como se relacionam, como relacioná-los numa linha lógica, como aplicá-los em cada demanda, qual a melhor forma de ensiná-los para cada aluno, etc.
Pois, para duas pessoas, as “fichas” caem em épocas diferentes e o mesmo fato desencadeia reações distintas. Assim é a natureza humana, se fossemos iguais, seria patológico ou robótico. É a magia do ensino.
A didática é, acima de tudo, um ato de boa vontade. Plantar uma boa semente e esperar seus frutos. Fazer compreender que o conhecimento é uma espiral onde os antigos assuntos estão sempre retornando, com mais informações, mais camadas e mais profundidade, permitindo que vejamos sempre novidades em fatos já conhecidos.
A experiência de estudar e de ensinar nos mostra que, muitas vezes, desistimos do estudo rápido demais. Justamente nos momentos de hiato do aprendizado, momentos de latência, onde nos encontramos sem atingir o objetivo almejado e sem nos reconhecer mais, tal como éramos.
Na química, é um ponto de reestruturação das moléculas. Na psicologia, o Gestaltismo chama de teoria fisiológica da Psique, onde a antiga forma se quebra e, ao amadurecer, se reestrutura de maneira melhor que antes. 
Existe um ditado otimista que diz, mais ou menos, assim: quando estamos vendo mais desumanidade, não estamos nos tornando piores ou perdendo nossa humanidade e, sim, melhorando. Nos conscientizando e compreendendo que o que vemos e vivemos não pode mais ser ignorado, ou varrido para baixo do tapete.
Que possamos sempre crescer!!! Boas Férias!!! Até a próxima!!!

Coluna de Agosto/ 2017 para o Jornal Portal

No ano passado, comemoramos o centenário do primeiro samba gravado, chamado “Pelo telefone” de Donga. Seu parceiro, Pixinguinha é considerado o pai da música popular, entretanto, classificações de gênero separam Choro, Samba e MPB. Como o samba não é MPB, se é o mais P da MB? - pergunta Nei Lopes
Samba e Bossa Nova, são separados da mesma forma. E sempre que há uma entrevista de algum artista deste gênero, desdenham os da geração anterior, cuja música seria chata, melancólica e “dor de cotovelo”. Percebam que através dessa desqualificação, afirmam a leveza e alegria do que traziam de novo.
O fato de vivermos em nosso tempo, nos impede de perceber as transformações em vigor. Hoje, pelo afastamento histórico àquele período, fica claro que a Bossa Nova é uma forma de samba, com letras mais leves e dissonância. Isso traduzia os valores da geração que entrava e, é claro, negava os da que saía de cena. 
Depois, a própria Bossa Nova passou a ser taxada de ultrapassada, tornando óbvio, que a geração seguinte romperia com aquela estética. Ainda assim, estes artistas não perceberam a continuidade entre os movimentos, o rompimento natural de cada nova época e mantém a tônica de superioriedade em seu discurso.
No Ocidente, enxergamos o mundo sob o ponto de vista do dualismo, onde só há dois lados, que são opostos e, cabe a nós, estar do lado “certo”. Assim, discutimos, inflamadamente, com o “lado errado”, como bêbados de torcidas rivais, esquecendo que, na dialética, a ideia de oposição é fundamental, pois sugere que a tese, deve ser rebatida por uma antítese, para que evoluam à síntese.
A dinâmica da cultura é constante, por isso, a sensação de estar em posição favorável e querer manter o “status quo” é tão falsa, quanto a inércia que pensa se encontrar, alguém mal sucedido. Vinícius de Moraes, afirmou que os Afro-Sambas feitos com Baden Powell, eram a evolução da Bossa Nova. Um retorno ao samba mais percussivo (afro), com as sofisticações harmônicas incorporadas.
O Oriente possui outra compreensão da vida: de que a impermanência é a única certeza. As forças não possuem, apenas, cargas opostas, mas, estão em constante movimento, equilíbrio e, acima de tudo, comunhão. Uma ótica de unidade e harmonia. Onde o modernismo e a tradição, são pontas de uma mesma corda.
A tradição e a preservação, são fontes de referência, pesquisa e estudo. Embora seja uma ilusão pensar que se pode manter uma cultura descontaminada ou hermeticamente fechada, é possível investigar e tentar se aproximar ao máximo da atmosfera vivida numa época, como um ator que entra na personagem.
Hoje, também contamos com a tecnologia de gravação, que há pouco mais de um século não existia. Assim, é possível ser mais acertivo. Apesar do nosso olhar ser influenciado pelos valores da sociedade em que vivemos e da nossa compreensão “atualizar” conceitos e adaptar aos que podemos compreender.
Apesar dos esforços, temos que aceitar que não é possível estar na pele de um artista do passado e ter real ideia de seus medos, paixões e frustrações. Pois, este é um impedimento natural, como o de perpetuar uma obra tal qual foi concebida ou de interpretá-la, perfeitamente, segundo seu estilo de época.
Talvez, perceber que isso é inevitável, faça os satisfeitos tentarem parar o tempo e os incomodados, apressá-lo e desprezá-lo. E, daí, surjam posicionamentos tão radicais e utópicos, já que não é possível abandonar completamente o passado que foi vivido, nem desistir do futuro que temos pela frente.
Assim, a arte se transforma. Espelhando cada geração e assumindo suas características. Mesmo que tenha sido concebida noutra época e que mantenha suas questões seculares, sua forma, interpretação e estilo se contextualizam e evoluem. Essa evolução não significa melhora e, sim, adaptação.
Todas as formas antropológicas de defesa de uma cultura são válidas, quando não permitem que outra lhe seja imposta, por ser considerada melhor. Não existe comparação entre elas. E esse posicionamento patriota, ufanista e xenófobo, pode se tornar bilateral e isso não é construtivo. Lembram dos Nazistas?
Apesar do extremismo ser resultado de momentos da história onde se queria abrir mão do passado ou do futuro, o confronto comum se dá, mormente, por diferença de gôsto, o que não é bom. Salve as diferenças! Isso deveria ser motivo de mais arte, cultura, entretenimento e mercado. Por isso, a visão separatista é imatura e vai contra a diversidade cultural e a natureza das relações sociais.
O novo é resultado das influências sofridas, fruto das sementes que conseguiram vingar. O mercado sempre tenta influenciar, mas, também, sem ele conheceríamos os Beatles? Portanto, é importante revelar o que é novo e que, naturalmente, não poderia ser alçado a grandes públicos, mas que possua significado para geração que entende aquelas dores.
Resgatar o que é antigo, mesmo sabendo que será influenciado pelo que experimentamos no presente, é essencial. Da mesma forma, saber que ir contra a evolução das ideias, é ir contra a vida, que, natural e inexoravelmente, segue.
Até a próxima!

terça-feira, 27 de junho de 2017

Coluna de Junho/ 2017 para o jornal Portal

1º Ato: O colunista faz uma maratona de Woody Allen, assistindo vários de seus filmes que estão disponíveis no Netflix. E, devido à variedade de tramas, conduções e desfechos, fica com vontade de falar sobre algo que está presente em quase toda forma de arte, que é o discurso.
O discurso, que está presente na retórica, poesia, literatura, cinema, teatro, dança e música, contém um tema, que é o quê se quer dizer sobre; um mote, que é o modo de dizer e um contexto, que sustentará todos os argumentos. Mesmo o mais simples discurso, carrega a noção de início, meio e fim e, para organizar as ideias, a ferramenta mais usada é o roteiro.
Syd Field, dizia que, para um roteiro de filme ser atraente, deveria ter 120 páginas, com filmagem de um minuto cada, dividido em 3 atos, e isto se tornou um paradigma. Mas a narrativa não deve seguir fórmulas, que transformariam a criação em mera repetição, por isso, o roteiro é um esboço de ideias que deve ser sempre questionado, melhorado e transcendido.
Em “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, o livro se inicia com o próprio escritor-narrador defunto contando seu fim. Músicas podem começar pela introdução ou pelo refrão, filmes pela cena final e, como numa recordação, nos levar a conhecer toda a história. Podem possuir uma linha cronológica fragmentada, de forma que, apenas no final, seja possível compreender a trama. São muitas as possibilidades...
2º Ato: Quanto mais o colunista pensa em arte, mais vê a semelhança entre seus discursos, mesmo se tratando de formas distintas de expressão... Assim como a humanidade do autor o leva a criar, colocando para fora seus sonhos, frustrações, alegrias e tristezas, esta mesma humanidade, presente em quem o aprecia, permite a identificação, mesmo que seja por enxergar em tal obra, algo que nem o criador enxergou.
Joseph Campbell estudou as semelhanças entre mitos e religiões de todo o mundo, buscando o DNA humano que as aproxima e escreveu vários livros sobre o assunto, entre eles “O herói de mil faces”, onde identificou um roteiro comum a todos os mitos, que chamou de “A jornada do herói”. Ela se divide em doze passos: Mundo comum; Chamado à aventura; Recusa ao chamado; Encontro com o mentor; Travessia do primeiro limiar; Testes, aliados e inimigos; Aproximação da caverna oculta; Provação suprema; Recompensa; Caminho de volta; Ressureição e Retorno com o elixir.
Como na música, o herói quer resolver os problemas que o tiraram da rotina e, então, voltar ao seu mundo comum ou acorde final (repouso). Os arquétipos de Herói, Sombra, entre outros, usados no livro, são de Carl Jung, ex-discípulo de Freud. Eles divergiram sobre o inconsciente, que para Freud, era individual e para Jung, coletivo. Só um inconsciente coletivo, torna a jornada do herói, passível de identificação e sentido para qualquer pessoa.
Christopher Vogler, escreveu um livro chamado “A jornada do escritor”, baseado no trabalho de Campbell e considerado uma leitura obrigatória para os roteiristas. Nele, o autor mostra várias semelhanças entre roteiros de filmes consagrados como “Star Wars, Rei Leão e Mágico de Oz”, quando comparados aos 12 passos da jornada do herói e ao paradigma de Syd Field. As duas ideias somadas, criam um útil croqui ou crivo para um bom roteiro.  
3º Ato: Por mais que o colunista não pense em roteiro ao ler, ouvir música ou ver um filme, afinal quer apenas se deixar levar, envolver e entrar em contato com a fonte, na maioria das vezes, se vê entre 8 ou 80, preso à teia de acontecimentos dos famosos enlatados, que levam ao melado “final feliz” ou ao amargo, trágico fim, apesar de haver tantos sabores entre eles.
Woody Allen, também roteirista e músico, explora muito bem outras sensações, finais não óbvios, sentimentos opostos pela mesma personagem, que nos cativa e depois desaponta. Inverte estereótipos, cria tensões que, depois, percebemos não serem bilaterais. Tudo, para fazer o espectador sair da zona de conforto.
Para o colunista ele lembra um regente conduzindo seu quarteto.
Inclusive, seu filme de quatro histórias, soa como tal: A melodia é a trama principal, que se movimenta mais; a segunda voz, contracena com ela; o baixo dá o chão (ou tira, com suas inversões) e a terceira voz (“tortinha” como diria Magro Waghabi), se movimenta menos, usando notas comuns e atalhos, jogando pro time e ficando menos aparente. Pode-se comparar o lapso temporal em algumas histórias, a uma rearmonização ou cânone.

Outro maestro, Schoenberg, em seu livro de harmonia, fala sobre a necessidade de buscar sempre novos cenários, aventurando o tema. Ele foi o criador do dodecafonismo, um dos sistemas que rompeu o roteiro de tensão e repouso do Tonalismo.
Mesmo depois de tudo que foi pensado e escrito pelo colunista, percebemos que, às vezes, o que não é clichê lhe causa grande estranheza e ele deseja, apenas, mais do mesmo. Então digita: “Até a próxima!” e enviar.
Fim

Coluna da Maio/ 2017 para o Jornal Portal

Esses dias, revendo o “Programa Ensaio” do Djavan, concebido e dirigido pelo Fernando Faro, onde o artista em foco, responde às perguntas que não ouvimos e que vão montando um mosaico da sua vida, me atentei a uma resposta que não tinha percebido antes, na qual dizia que seu álbum “Meu lado” tinha sido o de menor expressão e senti um tom de “ faz parte, temos altos e baixos.”
Fiquei impressionado, pois, em minha opinião, além de ser um dos melhores discos de sua carreira, é um dos melhores que já ouvi, em termos de repertório, levadas, arranjos, timbres e expressão de swing e brasilidade. Sempre foi, para mim, junto com seu outro álbum “Novena” uma referência de concepção de disco, um Norte para tudo que faço. Como explicar isso? Se eu pudesse me tornar o Djavan que gosto, seria um Djavan que, para ele mesmo, não deu muito certo.
Será que é verdade que é preciso vender milhões de cópias e tocar na rádio para dar certo? Todos os meus amigos músicos amam esse álbum. Só por isso, já não teria dado certo? Será que ele tem consciência disso? Talvez isso mudasse sua concepção sobre o disco. Isso me fez pensar sobre idiossincrasia.
Ter a consciência de que somos portadores de uma pequena fração da verdade é muito importante. A nossa verdade é fruto do que conseguimos enxergar, relacionar e, consequentemente, interpretar para reagir. Porém, nunca teremos consciência de sua plenitude, de toda influência que recebemos, nem que exercemos a nossa volta. Por isso, somos o parâmetro e os outros, o termômetro.
Estar atento a opiniões diferentes pode nos fazer crescer e expandir nossos horizontes e limites. Ao exercitar a empatia, nos colocando no lugar do outro e entendendo seus pontos de vista e motivações, podemos nos repensar e reestruturar. Assim, fortalecemos nossa visão anterior, se nada do que foi dito nos valer. Aprumamos nossa direção, se os equívocos do outro, forem usados como dicas de como não proceder. Tornamo-nos mais acertivos e confiantes em nossa caminhada, se percebemos que dividimos muitas ideias semelhantes com alguém que já atingiu um objetivo que buscamos. Ou, até, percebemos que estamos totalmente equivocados e que, a partir dali, será preciso reavaliar e recomeçar.
No entanto, devemos nos atentar, pois todos somos influenciados e influenciamos naturalmente, por isso, ouvir uma opinião - que muitas vezes vem sob a forma de crítica - não nos obriga a mudar ou aceitá-la. Trata-se apenas de conhecer fronteiras, de situar-se. Não devemos permitir que isso nos faça mal e, se esta opinião não for construtiva, nem dada de forma amigável, não devemos nem ouvi-la. Pois, na verdade, não deveria ter sido emitida, já que não visa agregar e, sim, ofender ou demonstrar uma superioridade irreal e mentirosa.
Muitas vezes, não existe no outro, o hábito de fazer o exercício da empatia. Apenas, foi concedido pela sociedade, ou por si mesmo, um título de portador da verdade que o permite ser babaca. Fernando Pessoa dizia: “ A renúncia é a libertação. Não querer é poder.”
Quando aprendemos a dizer não, para os outros e para nós, crescemos bastante. Dizer não a uma crítica e seguir adiante, é usá-la como alavanca. Dizer não a uma opinião contrária, pode ser uma forma de equilibrar o jogo e reposicionar as forças. Dizer não a um desejo fútil, nos torna mais fortes. Dizer não a quem não nos dá valor, nos valoriza - Não querer é poder! “Quando um não quer, dois não brigam”, mas, do seu mal uso, vem o fazer “doce” ou “cera”... A forma infantil de lidar com ele. Quando um não quer, dois não fazem nada!
Assim, como saber dizer “não” é importante, saber ouvi-lo também é. Podemos ouvi-lo como fim de tudo ou como um recomeço. Mas devemos sempre ter em mente que um “sim” ou um “não”, são frutos de uma opinião, de um contexto e de uma conjuntura, por isso, não expressam toda a pluralidade de uma situação, apenas, como disse antes, uma fração dela. Se já não é possível termos plena consciência da influência que recebemos e que podemos exercer em apenas um instante, imagine, com o decorrer do tempo. Hoje, quando usamos a expressão “viralizar”, temos uma breve noção do que chamam de sucesso e influência, mas, ao contrário, temos muita dificuldade para entender o que é “sororidade”. 
O “mercado” é algo que tem que ser medido aqui e agora, mas a influência de um trabalho faz curvas. Álbuns são redescobertos e viram referência em determinados assuntos que, na sua época, não se tinha interesse. Isso faz parte da vida, em diversas áreas, é uma questão de afinidade, identificação e momento.
Dave Brubeck, pianista e compositor que se interessou por compassos não usuais, no final da década de 1950, causou impacto com seus álbuns “Time out” e “Time further out”, mas sua influência vem aumentando, gradativamente, e chegou até o Choro carioca, cinco décadas depois em: “Choro ímpar” de Maurício Carrilho, de 2007. Ele era um visionário? Pode ser... Mas existe também um hiato de tempo para que as coisas sejam absorvidas e seu uso se torne comum.   
O disco “Meu lado” é primoroso. Influenciou e ainda influencia a muitos músicos. Talvez, isso não seja o que a indústria chame de sucesso, mas tenho o maior carinho em divulgá-lo aos alunos, amigos e, agora, para vocês. Para mim, foi bem sucedido e encontra-se entre os meus 10 prediletos. Então, eu pergunto: para um artista, o que é mais importante, estar entre os top 10 da Billboard ou nos top 10 de vários lares? Até a próxima!

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Coluna de Abril/17 para o Jornal Portal

Desde de quando comecei a tocar, nas mais variadas situações, ouço comentários do tipo: “Você é músico, claro que entende o que eu estou dizendo.” Ou então: “Vocês, músicos, têm mais sensibilidade.”
Curiosamente, esses dias, recebi, da minha querida amiga flautista e educadora Maria Antônia Lacerda, um vídeo documentário, que mostra o quanto nosso cérebro se “ilumina” quando é exposto a música, fator que mais fez aumentar a atividade cerebral, nos mapeamentos feitos por ressonância e tomografia, em voluntários nas mais diversas situações. 
Esse fato chamou a atenção dos neurocientistas, que resolveram fazer o experimento não apenas com ouvintes, mas também com músicos. Observando que tocar, faz com que o cérebro pareça um festival de fogos de artifício, exigindo uma total integração entre as diversas áreas do cortéx.
Para saber se isso significava ganhos generalizados, participantes que não eram músicos começaram a tocar e obtiveram melhoras nas atividades extra música, alcançadas pelo aumento da concentração, cooperação, memória, planejamento e estratégia. Para tocar, é preciso acessar várias camadas simultaneamente como: ritmo, melodia, harmonia, leitura, emoção, lembranças, memória, interpretação, criação, sensações e movimentos.
Na minha vivência, relaciono, ainda, o mundo dos músicos ao humor, com piadas, jogos e brincadeiras, às vezes ácidas, que exigem raciocínio rápido. Além de conhecer muitos que também são prodígios em outras áreas, ligadas a matemática, sendo quase impossível saber do que mais gostam.  
A percepção, apesar de estar ligada a todos os cinco sentidos, ultrapassa a cognição, que é a aferição das cores, tamanhos, formas, distâncias, texturas, sabores, temperaturas, ruídos e odores. Dando início ao processo de interpretação, relacionando as informações, memórias e afetos. E é a ferramenta principal do músico.
Ronaldo Paladini, meu “pai musical” - como se intitula - quando me recebe em sua casa, abre vários tipos de cerveja, vinhos, cigarros, pastinhas e aperitivos para tocarmos. A cada trago um comentário sobre aquele sabor, aroma, textura ou acorde, tudo no mesmo raciocínio. A música, além da profissão, nos permite perceber - observar, aprender, reconhecer e valorizar - as coisas boas da vida, através dos amigos e das experiências.
Perceber é contextualizar, criar relações. E como essas relações se dão entre planos paralelos, eu diria que perceber é uma forma de traduzir. Pois, permite que a mensagem chegue, como se estivesse na mesma língua e possa criar empatia. Do intra, para o interpessoal. Para isso, é fundamental saber o que o outro toca, o que o outro diz. O singular dá lugar ao plural, as coisas se misturam e se tornam pessoais, assumindo um novo lugar na vida de cada um. 
Para traduzir, nosso cérebro, através do inconsciente, faz analogias que chamamos de metáfora. Nos mitos e parábolas, frequentemente, se usa essa comparação que se adapta a cada tempo, pois a percepção contextualiza e traduz para uma cena mais contemporânea. Isso nos permite falar sobre temas mais difíceis de um jeito mais fácil, evitar algum tipo de censura e contar a mesma história para crianças e adultos.
Numa orquestra, seus instrumentos específicos, com diferentes timbres, movimentos e momentos de ataque, tocam simultaneamente, notas e frases distintas se complementando e cumprindo seu papel na metáfora da música. Mas poderíamos usar como analogia um corpo, cujos orgãos têm funções diferentes e contribuem para um mesmo objetivo. Ou, então, uma cidade, um planeta ou sistema solar... Tudo que se soma e se equilibra.
Essa forma de analisar e proceder, contextualizar e traduzir, possibilitou, para mim, um estilo musical de viver, buscando sempre a harmonia. Já que, em última análise, ela representa toda a simultaneidade da música. 
Assim, desde a cozinha, saindo da massa, do molho, do risoto e da água mineral, das cervejas que faço com meu amigo Lauro J. Oliveira da Silva, das texturas que se transformarão em paladares diferentes do ovo frito, cozido, quente, mexido ou pochê; tudo é coisa musical... Passando pela reforma da casa, procurando equilibrar o espaço, a temperatura, a limpeza, a economia, a praticidade, o conforto e a beleza; tudo é coisa musical... (Chá de panela - Guinga e Aldir Blanc)
Até a prova de física. Um dia resolvi uma questão sem ter estudado. Fazendo analogia musical. O filme: Ben-Hur, antes da corrida de bigas, o velho explica que o cavalo mais lento faz a curva por dentro para segurar o mais rápido. A questão: Duas chapas feitas de materiais distintos e diferentes coeficientes de dilatação, se esquentadas envergam para qual lado ou não se movem?

Até a próxima!

Coluna de Março/17 para o Jornal Portal

Você é músico? Mas, trabalha com o quê? Esta é a pergunta que mais ouvi na vida. E como sou um otimista, prefiro lembrar que já houve um tempo em que seria bem desconfortável respondê-la, por isso, sigo em frente e de cabeça erguida. A razão pela qual as pessoas são levadas a reagir a resposta, chateia mais do que a segunda pergunta.
Acredito que exista, na maioria das vezes, uma surpresa e que não haja a intenção de insinuações. Essa surpresa a que me refiro, é uma exclamação, proveniente da constatação de que é possível se viver de música e, mais profundamente, de que, tendo coragem, se pode fazer o que gosta.  
Existe uma grande incoerência relacionada a essa pergunta, obviamente, se o músico tem sua imagem conhecida ou relacionada a um artista renomado, sua vida ganha o atestado de normalidade e, até, permissão para ser excêntrico. Passando a ter credibilidade, para chancelar a qualidade de produtos, serviços e, até mesmo, de outros artistas. Ainda assim, há dúvidas sobre a profissão: trabalham ou se divertem? 
Se ele não é famoso, sua rotina é estranha, fora do quadrado. Ele não trabalha igual a todos, aliás, não há dúvidas: não trabalha! Ganha para tocar? Que bon vivant! Ninguém o conhece, portanto, ainda não lhe foi permitido ser diferente. Temos uma tendência a não reconhecer e a não valorizar o trabalho alheio.
Além disso, está enraizada em nós, talvez pela culpa católica, a dicotomia entre trabalho e satisfação, que não podem se misturar sem um enorme tormento. Já passou da hora de negligenciarmos isso. O trabalho não é nocivo e não existe a necessidade de se viver insatisfeito com ele.
Hoje, dizemos com veemência aos nossos filhos para não escolherem uma profissão onde não ganhem bem - isso é quase unânime. Essa escolha que só visa dinheiro, é a opção de não se realizar pessoal e profissionalmente e, também, a permissão para que este emprego seja a prioridade, mesmo que torturante, já que provém o sustento e o prazer (fora dele).
Trabalhar é transformar. Não é fuga, trampolim social e nem deveria ser o motivo de doenças. Falando nisso, um dos seus médicos, provavelmente, escolheu medicina por dinheiro, sabia? O médico deveria gostar de gente.
A necessidade explica, mas não justifica um mundo onde as vocações são desprezadas. Onde não se contabiliza a satisfação de quem trabalha. Não com as condições e ambiente de trabalho, mas com o exercício de sua profissão. É claro que uns optariam pelo dinheiro no lugar da vocação, outros demorariam para conhecê-la e outros se surpreenderiam com algo inesperado. Mas deveria ser norma, estimular as vocações naturais.
O advogado que toca cavaquinho, pode ter prazer em duas profissões. Somos plurais e não devemos sufocar nossos talentos, afinal são frutos que vêm de dentro de nós, espontaneamente. Muitos gênios da ciência e da arte tiveram várias profissões, pois sentiam-se capazes de exercê-las. Outros porém, sentiam-se incompreendidos, pois queriam trabalhar com o que amavam. 
Gostar de trabalhar é diferente de trabalhar com o que se gosta. Compreender que algo que fazemos com muito prazer, pode se tornar nosso ofício, é raro, pois, desde muito cedo, aprendemos a desvinculá-los. 
Gilberto Gil teve grande dificuldade de assumir a vida de músico: como trabalhar com algo que faria até de graça? Era músico amador. E essa palavra, apesar de desgastada pelo uso, significa: quem faz por amor. E, muitas vezes, faz com muito mais dedicação e zelo, do que os outros.
Preferiria que o mundo fosse dos amadores - dos que amam. Dos que se divertem fazendo o que amam e, porque amam, se dedicam e podem ser únicos no que se dispõe a fazer. Por isso, é muito bom ter em mente que emprego e trabalho são coisas distintas, que deveríamos tentar juntar.
O maior boicote que damos em nós mesmos, é sermos infelizes. Criando desculpas e barreiras para não nos permitirmos. Não falo de ter ou gastar, mas de SER. Ser quem somos!
Batendo papo com o vestibulando aqui de casa, sou categórico: Escolha trabalhar com o que gosta. Assim, nunca mais terá que trabalhar. É claro que isso não faz os problemas desaparecem, nem nos deixa imunes a ter que lidar com eles, para tentar resolvê-los, mas nos salva de uma vida triste, autômata e cinza.
Que tal colorir seus dias com sorrisos, dedicando-se ao que ama? 

Até a próxima!

Coluna de Fevereiro/17 para o Jornal Portal

Ouvi uma vez que só existiam dois tipos de música: a boa e a ruim. Mas não aprendi, nesta mesma oportunidade, a forma de distingui-las. Obviamente, cada um de nós sabe quais músicas e gêneros que mais nos agradam ou desagradam. Por isso, apesar de todos concordarmos com tal afirmação, devido a sua subjetividade, não é possível se definir através dela, qual é qual, para separarmos o joio do trigo.
O que é bom? É o que está na mídia? Não? Então, seria o que não está? Qualquer música que não está na mídia é boa? E as que estão, todas são ruins? Dizia um slogan do canal futura que não são as respostas que movem o homem e, sim, as perguntas. Então, ao invés de uma resposta, a forma mais segura de lidar com tais questões, é nos manter questionando.
Quem poderia nos dizer o que é bom? Um crítico? Será que ele teria condições técnicas de fazer essa avaliação? Um professor? O que mais deve agradar num artista é sua capacidade técnica? O que deveria ser avaliado? Emoção, afinação, beleza, vendagem, likes, carisma, atitudes, etc? Sua vida pessoal seria importante? Sua posição política e ideológica?
É difícil imaginar que alguém consiga nos agradar 100%. Às vezes, também, não gostamos de algo que várias pessoas a nossa volta gostam. Afinal, gosto é gosto. E a partir daí, passando pelo inevitável bordão: “É impossível agradar a todos”, chegamos à maior desconstrução histórica da arte e da cultura, onde, ao invés de se reinventar, artisticamente - de dentro para fora, pseudo-artistas passam a se modelar de fora para dentro.
A arte e o entretenimento, que trilhavam caminhos muito estreitos, e que se relacionavam e se confundiam nos primórdios da nossa civilização, passaram a caminhar paralelamente. Na Grécia, a arte era chamada de musa e servia para que o homem, um ser incompleto, pudesse sentir-se pleno, ao se conectar ao divino e, assim, tornar-se parte do todo.
Hoje, quando se preocupa demais em ser vendável ou com a audiência, ou, ao contrário, quando alguém se entende como uma unanimidade eterna (divindade) e pensa que pode fazer qualquer coisa, o artista quebra o contrato, que foi feito de forma tácita, onde o público lhe elegeu narrador de suas aventuras, contador de casos, causos e piadas, dançarino, intérprete, etc. Por sua forma original de fazer ou refazer algo, por sua singularidade, de onde vem sua arte e, por causa dela, a admiração de todos.
Como já escrevi outra vez, citando meu amigo Beto Silva: “O artista só é artista quando atua.” E essa atuação no dia-a-dia, vai além de criar e apresentar novidades, ela é toda sua rede, sua sede de saber, conhecer e experimentar, seja na vida acadêmica, teórica ou prática, somada ao seu interesse, não apenas de viver essas aventuras, mas principalmente, de dividi-las.
Ao questionar a vida e a si mesmo, reinventar frases, palavras e significados, assim como sua própria visão de mundo, “observando e absorvendo”, como diria Eduardo Marinho, o artista torna-se capaz de mudar de dentro para fora e, ainda assim, ser ele mesmo, afinal, isso é o próprio amadurecimento. E sua arte é seu fruto, fruto da sua experiência. E, acima de tudo, é genuína, legítima, autêntica e verdadeira.
Estes dois tipos de música, representam dois mundos paralelos em nossa arte, o primeiro, onde o artista é alguém que cria (mesmo quando copia) e segue seus impulsos e intuição, esteja ou não na mídia, sendo sempre alguém que produz e o segundo, onde o “artista” se esforça para atender as demandas do mercado e ser quem o público e a mídia quer, tornando-se um produto, que só tem valor enquanto se dispõe a estar à venda.
Há quem diga que já foi preciso escolher entre os prazeres mundanos da fama e a imortalidade da obra. Mas, creio que uma postura tão polarizada não seja mais necessária nos dias atuais. Quando se está começando, muitas vezes é preciso se fazer concessões, principalmente, quem já vive exclusivamente de arte, porém, quase sempre, é perceptível tanto para o público quanto para os colegas do meio, o seu esforço em andar com um pé em cada mundo.
Não é preciso escolher um dos lados, não é uma batalha. Mas é preciso estar sempre vigilante e questionando a si, as oportunidades e ao mundo. Lembrando que o amor é o melhor terreno para se construir qualquer coisa, pois é fértil e busca sempre o crescimento. Se essa constante inquietação andar de mãos dadas ao amor, buscaremos sempre um melhor caminho e um entendimento, fugindo do vazio e dos excessos do ego.
Aproveitem o carnaval com essa moderação!!! Até a próxima!!!

   

Coluna de Janeiro/17 para o Jornal Portal

Há algum tempo se pode viver da música. Desde que foi criada uma indústria, isso tornou-se possível. Mas nesta selva, a maioria das profissões que vive dela, não é a de músico e, sim, advogados, contadores, empresários... Uma gama imensa de profissionais que criam, investem, divulgam, vendem, consomem, recolhem e repassam direito autoral. O músico é só um pequeno pedaço deste enorme processo.
Não se trata de uma queixa, mas de uma constatação. As dinâmicas da sociedade se transformaram e criaram necessidades e espaço para profissões que se relacionam com a música, dependem dela, mas que são distantes dela e de seu dia-a-dia. Há um século, não havia radialistas, comentaristas, DJs, MCs, tampouco gerente de arrecadação de direito autoral... 
É bom que se diga que o músico não é o dono da Música, embora, em muitos casos, nos portemos como seus porta-vozes. Talvez, isso se dê, por fazermos a conexão entre o imaterial e o material e, por isso, nos sintamos no direito de defendê-la, apesar disso ser, de fato, muito subjetivo. 
Em nossa sociedade, há espaço para um publicitário, dizer para um músico, que a sua música não está boa, para um empresário decidir quem entra ou sai, quem toca ou não. Enquanto para alguns isso é lógico, faz parte das regras do mercado e da vida, para outros, viver para a música o seria.
Obviamente, viver para alguma coisa, sugere algo mais nobre. Uma atitude altruísta, de doação. Que só pode acontecer se questões muito básicas, relacionadas à dignidade, também acontecessem.
Para que alguém possa se dedicar, exclusivamente, a uma carreira, é preciso que sua mente esteja tranquila, sem preocupações sobre suas contas... A satisfação e a motivação para trabalhar, vêm, tantas vezes, de algo simples de se alcançar, longe do luxo, mas que muitos, não fazem ideia de que pode estar faltando a este ou àquele trabalhador.
A vida glamurosa que as TVs e revistas insistem em mostrar, retratam a realidade de uma minoria. Historicamente, o músico era alguém da tribo que além de seus afazeres, nas ocasiões festivas do calendário cantava ou tocava seu instrumento. A música já estava presente na vida do ser humano há milhares de anos.
Com o passar do tempo, o aumento da população, da concentração de renda e as especializações de cada profissão, os músicos passaram a atuar também nas cortes e palácios, onde eram pagos para serem músicos. Vale lembrar que, em sua maioria, este pagamento consistia apenas no sustento básico: moradia, alimentação e vestuário.
O patrocínio sempre teve grande importância no incentivo aos artistas. Posteriormente, através das instituições e criação de cargos públicos, eles passaram a receber salário e ter seus direitos. Apesar disso, muitos músicos conhecidos aqui no Brasil, não tiravam seu sustento da música. 
Por mais genial que fosse, nem sempre, o músico obtinha sucesso financeiro. Em sua maior parte, conseguiam fama, ou então, reconhecimento do trabalho ou da obra. Só depois dos Beatles, época da criação da indústria, já no século XX, é que foi possível, para alguns, fazer fortuna através dela.
Apesar das histórias sobre a boemia, traições e confusão, a maioria dos músicos vive uma vida comum, imerso nas partituras, nos compromissos e prazos da profissão. Só quem é, tem vizinho ou músico na família, sabe o quanto se estuda, para que um trecho que dura segundos, fique perfeito. 
Por isso, em alguns países, existe a prática de complementar a renda do músico, baseando-se no cachê que recebe no mês, assim o profissional consegue equilibrar suas contas e dedicar-se ao trabalho. Esta é uma forma de fomentar e estimular novos músicos a entrarem no mercado.
Essa discussão é análoga a quase todas as profissões e deveria acontecer em diversas esferas, afinal, o mercado tornou-se indústria e isso abrange tudo - desde o pão até a medicina. Tudo virou produto industrial. Com uma prática que, embrulha e manda, que afasta os profissionais do vínculo e do afeto. Estamos imersos nesta sociedade e, por isso, não conseguimos nos afastar o suficiente para entender de onde estamos vindo e para onde vamos. É, realmente, difícil!
Mas vamos ficar atentos e vamos dialogar! Cada um tem sua visão, mas a história que escrevemos é a mesma. Vamos ouvir, refletir e, principalmente, por em prática nossas palavras? Juntos!!!

Até a próxima e um 2017 de muita luz e mudanças!!!   

Coluna de Dezembro/16 para o Jornal Portal

Gostaria de agradecer imensamente a Renata Couto e ao Ricardo Malize, pelo sarau “Baú de cordas”, evento do jornal Portal, realizado no dia 18 de Novembro, no qual tive o prazer de mostrar junto com meu amigo, parceiro e irmão Vicente Paschoal, nossas composições.
Apesar de tocar, profissionalmente, há mais de 20 anos, ter feito apresentações em várias cidades do Brasil e, até, lá fora, mostrar o lado autoral não é fácil. Estava muito nervoso. E de lá para cá, tenho tentado elaborar alguma explicação: Será falta de prática, que gera falta de intimidade com as canções e a sensação de insegurança? Será o fato de expor demais minha intimidade ao expor uma canção autoral? Será que as composições são como filhos, que apesar de conhecermos seus limites, amamos incondicionalmente e não queremos ver ninguém desdenhar ou proferir qualquer julgamento? Espero conseguir respostas...
Queria agradecer também às pessoas que nos prestigiaram com sua presença e que se mantiveram atentas por mais de uma hora, nos emprestando seus ouvidos e corações, apesar de ser uma apresentação considerada difícil, sem músicas conhecidas, sem refrões e sem lalaiá... Tive a grata surpresa de perceber o quanto havia ali, pessoas disponíveis a desbravar o novo, tatear no escuro e conhecer o que para nós era um tesouro guardado no baú.
Nesses baús, guardamos lembranças que trazem e geram sentimentos comuns a todos e que são parte natural de nossas vidas. Mas, por algum motivo, alguns de nós nascem com uma inquietação constante. Um incômodo no peito e nas ideias que só se aquieta quando colocado para fora, como um grito ou um choro, algo que está preso na garganta e precisa se libertar. Uma necessidade, que por ser abstrata, pode fluir através de diversas formas de expressão como a música, a letra, a poesia, a pintura, o canto, interpretação cênica, etc. Até mesmo de um texto, como é o caso deste.
Também é interessante observar que, por ser natural, segue seus próprios caminhos, como a água que vai para o rio e dali para o mar. Por mais que passe por elaborações da nossa mente, formas consideradas boas ou não, toda essa inquietação tem um destino certo - O outro. E é tão importante poder mostrar e dividir, como, para o outro, ouvir, saber que existe, identificar-se com esta inquietação, pois muitas vezes, é através de alguém, que conseguimos manifestar nossas angústias ou então, não conseguiríamos.
Digo isso porque na maioria das vezes eu sou o outro e, embora nem sempre tenha tido o prazer de conhecer pessoalmente os responsáveis, tive a sorte de conhecer suas obras e experimentar a sensação de gratidão, pois vivendo e compartilhando sua arte me fizeram sentir; disseram o que eu precisava ouvir ou, até mesmo, me ajudaram a verbalizar o que sentia e precisava dizer em muitas situações.
Tive muitos professores na arte, professores de música e de vida, artistas que não conheci, mas que me ensinaram através do seu olhar, como proceder, como reagir, o que vale a pena, o que não, etc. A arte nos conecta e auxilia. Além destes mestres, outra forma de conexão e aprendizado também acontece através dos parceiros e artistas contemporâneos que são referências, onde é possível haver um espelhamento: Se o artista que admiro, reconhece o que eu faço e me reconhece como um artista, então eu sou um artista.
Sendo assim, agradeço também aos meus parceiros, que me fizeram compositor ao me reconhecerem como tal: Vicente Paschoal, Dario Tavares, Sergio Machado, Nanando Silva, Marcelo Biar e Ricardo Dias, através dos quais faço representar a todos os outros que não poderei citar, pois tornaria a leitura enfadonha.
Vou aceitando devagar e humildemente essa missão, pensando, também, que, talvez, seja uma forma de ser menos egoísta e mais generoso. Se não for porque acho o que faço maravilhoso e imprescindível, que seja porque entendo que outros se reconhecerão e poderão extravasar seus fantasmas, através dessa minha contribuição. O que para uns é trivial, para outros pode ser um belo insight.
Meu amigo Beto Silva, artista plástico e ator, sempre me disse que artista só é artista enquanto está exercendo, seja no palco ou na calçada, não importa. Antes e depois disso ele não é nada. Creio que isso encerre essa elaboração. Temos que seguir essa vocação: missão dada, missão cumprida! Não depende mais de nós, trata-se da própria vida que urge.

Obrigado e até a próxima!

Coluna de Novembro/16 para o Jornal Portal

Esses dias, no facebook, vi uma foto de uma fita cassete com uma frase mais ou menos assim: “Era com esse pendrive que nossos pais faziam download das músicas da rádio.” Achei a analogia perfeita! E me fez pensar no quanto era difícil, para nós, obter uma música, ou ainda, saber quem cantava, quem eram os músicos que tocavam, de quem era o solo da guitarra, do sax ou sei lá... O tape-deck era a única forma de registrar aquela música ou parte dela, pra depois correr atrás e mostrar pra tia, vizinho, primo, amigo pra saber quem tinha alguma pista.

Se encontrar essas informações era difícil, imagina saber qual era o violão que os caras tocavam, quais os efeitos que usavam na guitarra, qual o amplificador, teclado, equipamento... Também era quase impossível ter acesso a uma partitura ou tablatura, para saber exatamente como era a digitação no braço, a palhetada ou o dedilhado. Tínhamos que “tirar de ouvido”, aprender a regular o instrumento ou efeito sozinhos, buscando o som.

Hoje a garotada tem muita informação e tendo a achar que isso é bom, pois eles têm muito mais acesso à coisas que, na época, poderíamos demorar anos para saber. Porém, existe uma desvantagem que eu divido em duas partes: falta de vontade e excesso de informação. Quando conseguimos algo sem esforço, normalmente não valorizamos, Freud explica fácil! E quando existe um google (dez elevado a dez bilhões) de informações, muitas vezes o que é importante passa despercebido na nossa frente.

Existe um filme do Gene Hackman, no qual ele e sua filha são advogados e atuam em lados opostos, ele defende vítmas de acidentes e ela a compania de carros. Ele solicita, em juízo, um relatório que pode ser a chave para vencerem o caso e ela envia todos os relatórios existentes na empresa e fora da ordem. E ele percebe que, mesmo juntando toda sua equipe, não encontraria o documento a tempo. Que menina malcriada, né?  
Pois é, essa foi a estratégia de não dar a informação, dando muito mais do que o necessário. O final do filme vocês vêem... O nome é “Julgamento final”.
Noto, compondo, que tudo que utilizo na minha composição, fica gravado em mim, impresso. É como se dali em diante aquele acorde, ritmo ou frase passasse a ser minha propriedade e passo a reconhecê-lo melhor, sempre que ouço. Por isso, na minha linha pedagógica, defendo que o estudo da música deve ser abordado através da composição. Isso faz com que a informação recebida seja usada e se transforme em conhecimento. Mesmo para os alunos que já definiram que serão executores (players), pois a boa interpretação vem da compreensão do discurso que será executado.
Nas aulas, percebo muitas vezes que o aluno tem bastante conhecimento e pouca conexão entre seus saberes, não há uma linha construtiva do conhecimento, uma base sobre a qual erguemos os pilares. Coisas bobas como: o som não se propaga no vácuo, ou seja, sabe aquela explosão do filme? Não teria som... O som é uma onda mecânica, ou seja, qualquer alteração no seu meio, que é o ar, pode alterá-lo. Cante na frente de um ventilador... A amplitude da audição humana é de 20 a 20.000 Hz, mas existe som abaixo e acima disso, chamados de infra e ultra-som, respectivamente. Sabe aquele apito que ninguém ouve? O cachorro ouve. E é chato. Irrita o bicho... A nossa musica é feita sobre freqüências definidas, o que não está muito definido, chamamos de ruído.
Então, além do silêncio e do som (definido) que darão origem a música (ritmo, melodia e harmonia) ainda existem condições fisiológicas, psicológicas e culturais.
No Ocidente, chamamos de uníssono quando todos tocam ou cantam a mesma nota ao mesmo tempo, porém, como não somos robôs, ninguém consegue iniciar e acabar no mesmo milésimo de segundo, tampouco tocar cravado o Lá 440Hz - por exemplo. Por isso, nossa percepção acochambra... 
Existe uma história que, num país do Oriente, durante um solo enlouquecido de violino, de uma música dificílima de Paganinni, o solista foi ovacionado e enquanto, na parte mais tranquila, a música foi vaiada, pois eles ouviam notas diferentes entre os violinos da orquestra, que tocavam, acreditem, em uníssono! Vai dormir com um barulho desses!

Até a próxima!

Coluna de Outubro/16 para o Jornal Portal

Certa vez, um maestro que assumira o cargo de secretário de cultura de sua cidade natal, onde voltara a morar depois de se aposentar, contava a um repórter do canal Futura, a evolução, perceptível, que as crianças das escolas públicas estavam experimentando ao entrarem em contato com a música, nas aulas que haviam sido implementadas em sua gestão.

As aulas dividiam-se em teóricas, práticas de instrumento e de conjunto, onde tocavam e se apresentavam, durante um tempo, com um instrumento de orquestra e, ao final do período, trocavam por outro, fazendo com que, cada aluno, passasse por todos os instrumentos ensinados. Os diretores e pais, comentavam, sobre a melhora em seu desempenho global, concentração e, até mesmo, comportamento e cooperação.

Perguntado se as crianças teriam futuro na música, o maestro respondeu que mais importante que formar músicos era formar ouvintes. As crianças passavam a conhecer mais sobre música, inclusive, sobre as que ouviam. Criava-se ali, a oportunidade de formar um gosto e uma opinião própria. 

Assim, entendo que o ouvido que “pensa”, pode querer uma música “cabeça” ou, num momento de lazer, uma música para “balançar o esqueleto”, o entretenimento não deveria ser um fator limitante e, sim, mais uma oferta. O indivíduo que teve o “ouvido treinado”, sabe que esta não pode ser a única oferta e, muito menos, a única demanda, afinal quanto mais diversificadas elas forem, mais poderão fomentar a diversidade da expressão musical. A arte é, normalmente, profunda e muito abrangente enquanto o mercado é restrito e superficial, por isso, alguém antenado deve aprender a reconhecer e lidar com essa oferta demasiada, sem ser, de forma alguma, excludente, pois existem casos de concomitância.

A música Clássica, Erudita, Instrumental, Choro, Samba, MPB, Forró, Rock, Jazz, Blues, Soul, Pop, Reggae, Pagode, Sertanejo e suas misturas, são um pequeno e, por rotular, limitado exemplo da extensa diversidade cultural musical a que temos acesso nos circuitos de programação pelo Brasil afora. Conhecê-los gera novas experiências e, se pensarmos bem, sua existência significa que existe público que demanda, frequenta e se identifica com eles.

Sua grande variedade é desproporcional a sua presença nos grandes canais de comunicação, pois estes têm orientação, exclusivamente, mercadológica e não cultural. A possibilidade da identificação de crianças que viveram esta formação cultural, com um artista ou gênero musical, além de saciar o gosto musical, futuramente, pode criar nichos que poderiam ser melhor aproveitados num mercado menos concentrador.

Nosso acesso a novos músicos criando, gravando, divulgando e apresentando suas produções, era muito limitado e só se tornou possível por conta da internet que “democratizou” a demanda cultural, porém hoje, também já tem seu modelo de mercado e procura direcionar nossas buscas. Navegar é preciso!!!

Vivemos numa época em que buscamos muitas recompensas pelo nosso trabalho e sempre temos a justificativa do “eu também sou filho de Deus”. Não temos paciência para digerir um livro, um disco, nem para esperar um microondas terminar de esquentar uma lasanha industrializada. Por isso, acabamos consumindo enlatados, música engessada, congelada e "sem sal". Através da experiência relatada pelo maestro, podemos perceber como é importante que não sejamos tão passivos e tenhamos, nas mãos, as rédeas do que ouvimos, para o nosso amadurecimento e das futuras gerações.

Aproveitando esta época eleitoral, desejo a todos que tenham muita consciência e os convido a pensar como seria aplicação desta experiência em escala nacional? Seria um salto qualitativo para nossa sociedade? Política de verdade? Afinal a educação questiona, transforma e liberta, não é?


Até a próxima!!!

Coluna de Setembro/16 para o Jornal Portal

Eu acreditava que não deveria estudar para não podar meu “dom”. Sempre gostei dessa coisa de autodidata... O Guinga, era na época, ainda desconhecido do grande público, amigo de pelada do meu pai e eu, assim como muitos daqui do Grajaú, que estavam começando a tocar, iamos ao seu consultório na Barão do Bom Retiro (ele é dentista). Mas não íamos só tratar dos dentes, íamos tocar, quer dizer, ficar babando vendo-o tocar sozinho ou com seus seus padrinhos de casamento: Hélio Delmiro e Gilson Peranzetta, entre outros que iam visitá-lo. Ele dizia: “Se fizerem aula, podem perder essa espontaneidade.” Aos 20 anos, ele acompanhava João Nogueira, Cartola entre outros… Sabe o dom? Eu não tinha. E, hoje, sei que não existe, é fruto da admiração de quem não toca, parte do imaginário popular.

(Dom é um estágio avançado de percepção e/ou habilidade. Existem pessoas que nascem com afinidade para determinadas tarefas ou com uma fisiologia que facilita seu aprendizado ou execução, como o ouvido absoluto, por exemplo, que distingue os sons como cores: basta que se diga uma vez à pessoa o nome de uma determinada nota e ela nunca mais esquece.

O contato com a música desde cedo, nas famílias que têm músicos, também é uma grande influência e pode criar um ambiente muito favorável para o aprendizado desta linguagem, como uma imersão numa língua estrangeira, trazendo muita experiência e naturalidade. Mas, curiosamente, a habilidade, afinação, conhecimento, técnica etc. São coisas que se ganha ao estudar. Como disse Thomas Edison: “Um pouco de inspiração e muita transpiração”.

Você pode nunca vir a se tornar o Mozart e é bom que se diga que, dois alunos podem ter resultados bem diferentes, mesmo começando a tocar na mesma época, o mesmo instrumento, o mesmo número de horas por dia e com o mesmo professor. Mas se pode superar (e muito) as pessoas e, até, artistas que tinha como referência. São as horas de vôo, quanto mais temos, mais somos maduros. Não se trata de estudo formal, mas do quanto se debruça sobre o assunto, estes gênios, além do "dom" [vocação] tinham, conhecimento, muita prática e eram “fominhas” pensavam em música 24 horas por dia.)

Eu tocava e fazia música de forma intuitiva, imitando ou chegando a lugares que já conhecia - reinventando a roda. De vez em quando criava algo diferente, não sabia explicar o porquê e nem como fazer novamente… Muitas perguntas e poucas respostas, termos que eu entendia e muitos que achava que entendia. Como gravar uma música que compus para um festival? O que fazer? Então, na época em que trabalhava na vistoria de veículos do Detran, (emprego para universitários [fiz Psicologia na UFRJ]), conversando com o violonista Marco Pereira, a quem atendi, obtive a óbvia resposta: “Vai estudar! Tem hora que o baile vira mesmice.”

Só mais tarde, depois de estudar comecei a entender... Sim, o Guinga tinha certa razão, pois por um tempo fiquei meio podado e quadrado. Mas, passei a escrever minhas músicas e as dos outros para tocar e registrar, fazer os arranjos dos grupos que trabalhava e de outros compositores. Estava alfabetizado! E, de repente, começaram a me pedir para dar aula, arranjar e tocar em gravações. E, com o tempo, aquelas informações se tornaram naturais e começei a sentir novamente aquele impulso primitivo, novos acordes, um jeito novo de tocar, saber buscar a sonoridade, o meu jeito, meu gosto, minha impressão digital (musical) - era só buscar o som - conhecendo outros músicos, revendo conceitos e certezas, quebrando paradigmas e compreendendo que, ao invés de verdades, era melhor ter base para experimentar e vivenciar tudo o que quisesse, filtrando as informações e experiências, assimilar o que fosse relevante naquele momento sem perder o chão.   




Coluna de Agosto/16 para o Jornal Portal

Salve! Salve! Me chamo Marcelo Martins de Marsillac, mais conhecido no bairro como China. Já toquei muito Raul na pracinha e agora que o Paulo Almeida não poderá mais continuar, fui honrado com o convite, da direção do jornal, para assumir a coluna de música.
Espero poder colaborar, compartilhando experiências e trazendo questões interessantes e relevantes para discussão, através de tudo que se relaciona com a música. Sucesso Paulo! Obrigado Renata e Ricardo!
Bom, a primeira tarefa para que fui designado, foi apresentar meu trabalho. Como sou avesso a apresentação curricular, vou tentar contar, numa ordem cronológica, as coisas que me foram acontecendo, muitas vezes, por acaso ou necessidade.
Como sempre gostei de música, sem perceber, fui me tornando um colecionador de discos e pesquisador de música: Comprei disco do Boca Livre e conheci Geraldo Azevedo, num disco dele, conheci Elomar, no outro, Dori Caymmi. E foi assim com Milton, Djavan, Chico, Elis, sempre conhecia um através do outro, lia a ficha técnica e corria atrás dos músicos, produtores, arranjadores e compositores.
Paralelo a isso, começei a tocar violão e meio que por conseqüência, compor músicas (com e sem letra) pois, antes disso, já era metido a escrever poesia. Ouvindo aqueles discos, fui apresentado a muitas composições e sonoridades, sons da viola caipira, violão de 12 e me tornei, aos poucos, um compulsivo por instrumentos de corda.
Mais tarde foi havendo a necessidade de compreender e escrever o que fazia com os parceiros e comparsas, para registro e gravação, por isso, estudei percepção, teoria, harmonia e arranjo. O que me permitiu trabalhar, para outros também, com edição de partituras pra registro, arranjos, produção de faixas ou discos, arregimentação de músicos para eventos ou gravação e direção musical.
O maior crescimento foi dar aula: dominar os conteúdos pra poder abordar o mesmo assunto de diversas formas e influenciar o mínimo possível na escolha e no gosto dos alunos, sendo um amigo mais experiente, que não ensina, mas que ajuda a assimilar, mostrando um novo ponto de vista ou vários.
Como instrumentista e cantor, fui tocando nos "bailes" e na "noite", ganhando experiência, repertório, confiança e aprendendo que existem mundos distintos dentro da música: os músicos que "tocam de ouvido" e os que "tocam por música". Na maioria das vezes, ao se colocar a partitura na frente de alguém que toca de ouvido o cara trava. Da mesma forma, se tirar a partitura de alguém que lê, o cara esquece até o nome.
Poucos navegam, à vontade, nas duas praias. Mas ambas são importantes para a vivência plena da música. Infelizmente, enquanto uma está mais voltada para o entretenimento, a outra está mais voltada pra arte. É claro que o ideal seria que houvesse uma convergência e, dessa interação, surgisse uma música de qualidade de que gostássemos e consumíssemos.
Hoje, porém são realidades bem distantes. O que dá dinheiro, quase sempre, não é o que o músico gosta de tocar e vice-versa. Atualmente, existem raras exceções e deveríamos, como sociedade, correr atrás disso. Mas para mudar é necessário educação.
Uma vez, o Lenine disse no Jô, que os discos da tropicália eram esquisitos e os shows fenomenais. Ao contrário do show do pessoal do clube da esquina, que deixava a desejar, se comparado aos seus discos. E ele procurou por toda sua carreira fazer "discos do clube da esquina" e "shows do Gil, Caetano e Mutantes". Também existe muita diferença entre os mundos do palco e do estúdio.
Vou tentando me equilibrar na corda bamba, entre o entretenimento e a arte, o estúdio e o palco, a partitura e o ouvido, trabalhando como professor e compositor, atuando como músico em várias bandas e integrante de alguns grupos, entre eles o Toque de arte, grupo vocal de samba, que, creio, ser o que tem mais destaque, com dois discos e um DVD (em processo de finalização).

Até a próxima!!!
https://www.youtube.com/watch?v=uR3D6I5WJkc
https://www.youtube.com/watch?v=HqGxNUdXL-E
https://www.youtube.com/watch?v=Zuxrc8Qjf0g&index=2&list=PLZftCdGuHYyOujq0DkWii9lyLHWf00Usk
https://www.youtube.com/watch?v=Dmd2faPVPYM&list=PLZftCdGuHYyOujq0DkWii9lyLHWf00Usk