quinta-feira, 27 de abril de 2017

Coluna de Março/17 para o Jornal Portal

Você é músico? Mas, trabalha com o quê? Esta é a pergunta que mais ouvi na vida. E como sou um otimista, prefiro lembrar que já houve um tempo em que seria bem desconfortável respondê-la, por isso, sigo em frente e de cabeça erguida. A razão pela qual as pessoas são levadas a reagir a resposta, chateia mais do que a segunda pergunta.
Acredito que exista, na maioria das vezes, uma surpresa e que não haja a intenção de insinuações. Essa surpresa a que me refiro, é uma exclamação, proveniente da constatação de que é possível se viver de música e, mais profundamente, de que, tendo coragem, se pode fazer o que gosta.  
Existe uma grande incoerência relacionada a essa pergunta, obviamente, se o músico tem sua imagem conhecida ou relacionada a um artista renomado, sua vida ganha o atestado de normalidade e, até, permissão para ser excêntrico. Passando a ter credibilidade, para chancelar a qualidade de produtos, serviços e, até mesmo, de outros artistas. Ainda assim, há dúvidas sobre a profissão: trabalham ou se divertem? 
Se ele não é famoso, sua rotina é estranha, fora do quadrado. Ele não trabalha igual a todos, aliás, não há dúvidas: não trabalha! Ganha para tocar? Que bon vivant! Ninguém o conhece, portanto, ainda não lhe foi permitido ser diferente. Temos uma tendência a não reconhecer e a não valorizar o trabalho alheio.
Além disso, está enraizada em nós, talvez pela culpa católica, a dicotomia entre trabalho e satisfação, que não podem se misturar sem um enorme tormento. Já passou da hora de negligenciarmos isso. O trabalho não é nocivo e não existe a necessidade de se viver insatisfeito com ele.
Hoje, dizemos com veemência aos nossos filhos para não escolherem uma profissão onde não ganhem bem - isso é quase unânime. Essa escolha que só visa dinheiro, é a opção de não se realizar pessoal e profissionalmente e, também, a permissão para que este emprego seja a prioridade, mesmo que torturante, já que provém o sustento e o prazer (fora dele).
Trabalhar é transformar. Não é fuga, trampolim social e nem deveria ser o motivo de doenças. Falando nisso, um dos seus médicos, provavelmente, escolheu medicina por dinheiro, sabia? O médico deveria gostar de gente.
A necessidade explica, mas não justifica um mundo onde as vocações são desprezadas. Onde não se contabiliza a satisfação de quem trabalha. Não com as condições e ambiente de trabalho, mas com o exercício de sua profissão. É claro que uns optariam pelo dinheiro no lugar da vocação, outros demorariam para conhecê-la e outros se surpreenderiam com algo inesperado. Mas deveria ser norma, estimular as vocações naturais.
O advogado que toca cavaquinho, pode ter prazer em duas profissões. Somos plurais e não devemos sufocar nossos talentos, afinal são frutos que vêm de dentro de nós, espontaneamente. Muitos gênios da ciência e da arte tiveram várias profissões, pois sentiam-se capazes de exercê-las. Outros porém, sentiam-se incompreendidos, pois queriam trabalhar com o que amavam. 
Gostar de trabalhar é diferente de trabalhar com o que se gosta. Compreender que algo que fazemos com muito prazer, pode se tornar nosso ofício, é raro, pois, desde muito cedo, aprendemos a desvinculá-los. 
Gilberto Gil teve grande dificuldade de assumir a vida de músico: como trabalhar com algo que faria até de graça? Era músico amador. E essa palavra, apesar de desgastada pelo uso, significa: quem faz por amor. E, muitas vezes, faz com muito mais dedicação e zelo, do que os outros.
Preferiria que o mundo fosse dos amadores - dos que amam. Dos que se divertem fazendo o que amam e, porque amam, se dedicam e podem ser únicos no que se dispõe a fazer. Por isso, é muito bom ter em mente que emprego e trabalho são coisas distintas, que deveríamos tentar juntar.
O maior boicote que damos em nós mesmos, é sermos infelizes. Criando desculpas e barreiras para não nos permitirmos. Não falo de ter ou gastar, mas de SER. Ser quem somos!
Batendo papo com o vestibulando aqui de casa, sou categórico: Escolha trabalhar com o que gosta. Assim, nunca mais terá que trabalhar. É claro que isso não faz os problemas desaparecem, nem nos deixa imunes a ter que lidar com eles, para tentar resolvê-los, mas nos salva de uma vida triste, autômata e cinza.
Que tal colorir seus dias com sorrisos, dedicando-se ao que ama? 

Até a próxima!

Nenhum comentário:

Postar um comentário