sábado, 19 de agosto de 2017

Coluna de Agosto/ 2017 para o Jornal Portal

No ano passado, comemoramos o centenário do primeiro samba gravado, chamado “Pelo telefone” de Donga. Seu parceiro, Pixinguinha é considerado o pai da música popular, entretanto, classificações de gênero separam Choro, Samba e MPB. Como o samba não é MPB, se é o mais P da MB? - pergunta Nei Lopes
Samba e Bossa Nova, são separados da mesma forma. E sempre que há uma entrevista de algum artista deste gênero, desdenham os da geração anterior, cuja música seria chata, melancólica e “dor de cotovelo”. Percebam que através dessa desqualificação, afirmam a leveza e alegria do que traziam de novo.
O fato de vivermos em nosso tempo, nos impede de perceber as transformações em vigor. Hoje, pelo afastamento histórico àquele período, fica claro que a Bossa Nova é uma forma de samba, com letras mais leves e dissonância. Isso traduzia os valores da geração que entrava e, é claro, negava os da que saía de cena. 
Depois, a própria Bossa Nova passou a ser taxada de ultrapassada, tornando óbvio, que a geração seguinte romperia com aquela estética. Ainda assim, estes artistas não perceberam a continuidade entre os movimentos, o rompimento natural de cada nova época e mantém a tônica de superioriedade em seu discurso.
No Ocidente, enxergamos o mundo sob o ponto de vista do dualismo, onde só há dois lados, que são opostos e, cabe a nós, estar do lado “certo”. Assim, discutimos, inflamadamente, com o “lado errado”, como bêbados de torcidas rivais, esquecendo que, na dialética, a ideia de oposição é fundamental, pois sugere que a tese, deve ser rebatida por uma antítese, para que evoluam à síntese.
A dinâmica da cultura é constante, por isso, a sensação de estar em posição favorável e querer manter o “status quo” é tão falsa, quanto a inércia que pensa se encontrar, alguém mal sucedido. Vinícius de Moraes, afirmou que os Afro-Sambas feitos com Baden Powell, eram a evolução da Bossa Nova. Um retorno ao samba mais percussivo (afro), com as sofisticações harmônicas incorporadas.
O Oriente possui outra compreensão da vida: de que a impermanência é a única certeza. As forças não possuem, apenas, cargas opostas, mas, estão em constante movimento, equilíbrio e, acima de tudo, comunhão. Uma ótica de unidade e harmonia. Onde o modernismo e a tradição, são pontas de uma mesma corda.
A tradição e a preservação, são fontes de referência, pesquisa e estudo. Embora seja uma ilusão pensar que se pode manter uma cultura descontaminada ou hermeticamente fechada, é possível investigar e tentar se aproximar ao máximo da atmosfera vivida numa época, como um ator que entra na personagem.
Hoje, também contamos com a tecnologia de gravação, que há pouco mais de um século não existia. Assim, é possível ser mais acertivo. Apesar do nosso olhar ser influenciado pelos valores da sociedade em que vivemos e da nossa compreensão “atualizar” conceitos e adaptar aos que podemos compreender.
Apesar dos esforços, temos que aceitar que não é possível estar na pele de um artista do passado e ter real ideia de seus medos, paixões e frustrações. Pois, este é um impedimento natural, como o de perpetuar uma obra tal qual foi concebida ou de interpretá-la, perfeitamente, segundo seu estilo de época.
Talvez, perceber que isso é inevitável, faça os satisfeitos tentarem parar o tempo e os incomodados, apressá-lo e desprezá-lo. E, daí, surjam posicionamentos tão radicais e utópicos, já que não é possível abandonar completamente o passado que foi vivido, nem desistir do futuro que temos pela frente.
Assim, a arte se transforma. Espelhando cada geração e assumindo suas características. Mesmo que tenha sido concebida noutra época e que mantenha suas questões seculares, sua forma, interpretação e estilo se contextualizam e evoluem. Essa evolução não significa melhora e, sim, adaptação.
Todas as formas antropológicas de defesa de uma cultura são válidas, quando não permitem que outra lhe seja imposta, por ser considerada melhor. Não existe comparação entre elas. E esse posicionamento patriota, ufanista e xenófobo, pode se tornar bilateral e isso não é construtivo. Lembram dos Nazistas?
Apesar do extremismo ser resultado de momentos da história onde se queria abrir mão do passado ou do futuro, o confronto comum se dá, mormente, por diferença de gôsto, o que não é bom. Salve as diferenças! Isso deveria ser motivo de mais arte, cultura, entretenimento e mercado. Por isso, a visão separatista é imatura e vai contra a diversidade cultural e a natureza das relações sociais.
O novo é resultado das influências sofridas, fruto das sementes que conseguiram vingar. O mercado sempre tenta influenciar, mas, também, sem ele conheceríamos os Beatles? Portanto, é importante revelar o que é novo e que, naturalmente, não poderia ser alçado a grandes públicos, mas que possua significado para geração que entende aquelas dores.
Resgatar o que é antigo, mesmo sabendo que será influenciado pelo que experimentamos no presente, é essencial. Da mesma forma, saber que ir contra a evolução das ideias, é ir contra a vida, que, natural e inexoravelmente, segue.
Até a próxima!

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