segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Coluna de Dezembro de 2020, para o Jornal Portal::

"Quero falar de uma coisa. Adivinha onde ela anda? Deve estar dentro do peito ou caminha pelo ar... Pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos, a folha da juventude é o nome certo desse amor..."


Milton Nascimento é um gênio. Para mim, o maior de todos. E não dá pra explicar o porquê falando de música, de técnica, nem de nada que seja concreto. Pois, em sua arte, o abstrato é, justamente, o que mais nos impacta.


Nas entrelinhas, acontece o milagre dos peixes, a multiplicação. Seja através de imagens ou de sentimentos, a seiva viva que jaz dentro dela, também transborda nos arrebatando e nos deixando em êxtase. Seus desdobramentos nos levam a lugares maravilhosos, dentro de nós.


As escolhas mais simples e inusitadas produzem efeitos incríveis. Seus arranjos dão nova roupagem à tradição e sua interpretação recheia as canções de amor, fé, esperança e de luz. Elis Regina disse que se Deus falasse, seria com a voz do Bituca.


Não é necessário explicações, sua música fala por si. Aliás, apesar de não ser lembrado como letrista, nesta música, "Coração de estudante", de Wagner Tiso, a letra é dele. Nela, uma aula de como se deve utilizar a subjetividade melódica para dar profundidade à letra. E, então, essa "coisa", sobre a qual ele quer falar, nos alcança e nos impele a voar.


"... Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu. Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia e há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor, flor e fruto..."


Temos que cuidar das próximas gerações, perceber o legado que está sendo herdado. Aprender a diferença entre cultura e entretenimento, saber que as duas devem conviver, sem que a segunda esmague a primeira. Assim como percebemos na natureza que o tesouro está na diversidade.


Aproveitando a recente passagem do dia da consciência negra, homenageio este grande artista que representa de forma tão íntegra e completa, o que é a herança africana. Que não se resume a riqueza rítmica, como alguns tentam impor, afinal, a cultura negra nos legou melodias, harmonias e letras riquíssimas. Esse assunto vale, até, uma coluna só para ele.


É uma pena que a ideia de culto ao ritmo, ao que balança o corpo, não represente, de fato, uma riqueza rítmica, mas, sim, uma enorme pobreza. Diversos gêneros brasileiros tiveram sua identidade hackeada e substituída por música mal feita e de mau gosto, com letras toscas que entretêm e estimulam quem quer beber e descer até o chão.


Não tenho nada contra a existência dessas músicas, tampouco, de músicos que vivam desse mercado. Mas não sou surdo, nem cego, e vejo o quanto copiam e imitam, descaradamente, algo que fez sucesso. Ainda que seja por aqueles cinco minutos de fama. Então, me pergunto: será que todo o planeta só gosta disso?


Fazer algo em série, querendo dizer que é cultura, é a mesma coisa que o "palhaço" dizer que seus sanduíches são gourmet. Ora, a cultura é, justamente, o que há de específico, de singular, de característico em cada povo. Envolve a língua, os hábitos, folclore, costumes, crenças e a própria identidade local, que, sempre vai além dessa soma.


Esse "modus operandi" encerra uma maneira simplista de se chegar às camadas mais humildes da população. E ao confundir simplicidade com banalidade, dão um péssimo exemplo às gerações mais novas. Se, antes, havia acesso a uma cultura verdadeira que fazia a mente florescer, com o tempo, o que se quer ouvir, por mau hábito, passou a ser falso e de baixo nível.


A frase de Fernando Brant "todo artista tem de ir aonde o povo está" foi distorcida de forma perversa. E, hoje, dá aos incautos, a ideia de que o artista tem que dar ao povo, somente o que o povo quer. Eu discordo. O artista deve devolver ao povo o que aprendeu, somado com a sua perspectiva, seu ponto de vista.


A relação com o público é importantíssima, mas, nunca, unilateral. Ambos dão e recebem, e esta troca é fundamental. Grandes artistas têm uma relação intensa com o público e, naquela entrega, cheia de gratidão e carinho, tanto se atende a pedidos, como se mostra uma nova canção.


Mas, as relações humanas, muitas vezes, se distorcem e mentiras repetidas tornam-se verdades absolutas. Por isso, nem tudo que chega até nós, vem por mérito do artista e sua equipe, mas por campanhas de marketing e "jabá" para emissoras de rádio e televisão. Estendendo-se, inclusive, à internet.


Nela, vemos de tudo. Grandes artistas que ensinam o que é arte, outros que dependem dela para não serem esquecidos... Vemos uma grande profusão de talentos e, também, de pessoas sem talento algum, misturadas e vendidas num mesmo balcão.


Cantores de chuveiro que sabem se divulgar, podem ter mais espaço do que artistas que não têm intimidade ou domínio de redes sociais. Enfim, hoje é muito difícil saber o que é verdadeiro, honesto e real.


Na rede, além de grandes artistas disputarem espaço com pequenos, o momento é tão singular, que o público anda regredindo e acreditando em tudo o que passa em sua tela. E, pior, acredita também que, por mágica, algo deixa de acontecer ao se negar. Nega-se a eficácia de vacinas e, até mesmo, se volta a crer que a Terra é plana.


Nega-se a matemática, a ciência e a lógica. E este negacionismo, tem a ver com o desconforto em relação aos rumos que a humanidade tomou e a dificuldade de aceitar as dúvidas. No entanto, esse comportamento acirra os atritos e gera mais mal estar.


Hoje, até mesmo quem se diz correto, passa boatos para frente, desde que sejam contra seus inimigos, sem perceber ou se importar de estar agindo da mesma maneira que tanto critica. Na briga de torcida vale tudo, afinal, é só um jogo...


Nesses tempos sombrios, é preciso despertar a pureza que ainda habita nosso ser e que trazemos desde a época da inocência. Não porque somos ingênuos, mas porque somos fortes e entendemos que é preciso. Só ela pode acalentar, de novo, nossos sonhos e nos fazer acreditar num amanhã melhor.


"...Coração de estudante, há que se cuidar da vida, há que se cuidar do mundo - toma conta da amizade! Alegria e muitos sonhos espalhados no caminho, verdes, planta e sentimento: folhas, coração, juventude e fé!"


Que possamos regar estes verdes ramos, para que os frutos da boa vontade possam transformar o mundo num lugar melhor. Feliz Natal!


Até a próxima!


Coluna de Novembro de 2020 para o Jornal Portal:

Depois de sete meses de quarentena, voltei a tocar ao vivo, na minha roda de samba. As velhas letras, que um dia cantei no automático e que, naquele dia, por pouco não me fugiam, me pareciam novas de novo. Ganhavam o frescor de uma música que acabara de aprender... Renovar, muitas vezes, é, só, recomeçar.


Olhando a nossa volta, podemos aprender continuamente. O simples fato de estarmos presentes no planeta, já pode nos ensinar. A lua nos fez pensar num círculo? Talvez... Ou - quem sabe? - tenha sido a íris de nossas mães. Dali, pensamos na roda, nos astros, nas órbitas, nos átomos...


Pensamos nos dias, meses e anos, nas estações de um ano, no Pi, no Fi, na bola de gude ou de futebol. Todo mundo pensa nisso. Você não é o único esquisito... Através dessas analogias vamos entendendo o universo ao nosso redor, o macro e o microcosmos. Pensar, nos fez perceber os ciclos e nos levou a uma maneira de compreender a vida.


Ela própria, nos parece um ciclo. Nascer, crescer, reproduzir e morrer. Entre estes estágios podemos, gratuitamente, respirar, ver, ouvir, tocar, pensar, sentir gosto e cheiro, falar, ter sensações e sentimentos, que são comuns a todos. Assim como, é comum, querer expressar e passar adiante nossos medos, anseios, angústias, alegrias, dúvidas e "certezas".


Ao mesmo tempo, precisamos imitar tudo que já deu certo. Aquela ideia de pegar uma pele de animal e colocar nos pés ou nos ombros, foi boa. Aquela outra, de desviar a água do rio, também.

Sem o acúmulo de experiências de nossos antepassados, teríamos que reinventar tudo, todo dia. Estaríamos andando sem sair do lugar.


Chegamos aos números, que nos ajudam a fazer comparações. À moeda que é uma tentativa de relacionar valores de coisas muito diferentes. A ideia é boa, mas permite especulação e exploração. Ainda vamos chegar lá... A evolução é lenta, porém, o caminho é só de ida. Mesmo que o melhor para o planeta seja nosso fim.


Podemos pensar no fim como término ou como finalidade. Pode-se estudar música com o objetivo de ser músico ou de entender a vida. Já que nela se percebe ciclos análogos a tudo o que existe. Muito se aprende, também, sobre acabar, nos dois sentidos: do acabamento e do final.


Como disse Da Vinci: "A simplicidade é o último grau da sofisticação". E a natureza é nosso maior exemplo. Muitas vezes, o acabamento é, apenas, enganar os sentidos de quem vê, não com o objetivo de ludibriar, mas de satisfazer necessidades. Uma superfície espelhada não existe, mas passa aos nossos sentidos a sensação de que é real. No entanto, se analisada ao microscópio, percebe-se que ainda existe rugosidade ali, porém, tornou-se intangível a nossa percepção.


Outro exemplo disso, que já, até, comentei outras vezes aqui, é o filtro de ruído, que, ao invés de cortar uma determinada nota que sobra, a amplifica, até que atinja uma frequência acima de 20.000Hz, tornando-se inaudível para nós, mas não para um cão... Mais uma vez, a solução não foi consertar o mundo, mas alterá-lo o suficiente para não nos incomodar.


Conhecer o parâmetro humano fez com que não se fosse preciso ir tão fundo, de uma só vez, nos permitindo avançar gradualmente, usando nossa cognição como referência. Em outros casos, como o da física, por exemplo, acabamos compreendendo que fórmulas que funcionam bem dentro do planeta, poderiam não se aplicar ao espaço.


O final, assim como na arte, não se resume ao "The end", já que finais acontecem amiúde e sem restrições. Em nossa vida existem vários: ciclos que terminam e iniciam, pessoas que vem e que vão, personagens que morrem e que surgem.... Fatos, aniversários, formaturas, trabalhos e sempre - relacionamentos. Como disse Nelson Mota, em sua letra para a melodia de Lulu Santos: "A vida vem em ondas como o mar - Num indo e vindo infinito."


Temos que viver sem temer o final. Sabendo que ele existe e que pode acontecer em qualquer lugar e momento. Temos que estar preparados. Ao contrário da arte, onde se pode escolher o final num sorteio e prepará-lo ao longo do caminho, podendo torná-lo apoteótico, na vida, as escolhas de como iremos percorrer o caminho, torna o final melhor ou pior.


Na arte, o final é o grande momento, o desfecho. É o que pode deixar o público frustrado ou eufórico. Alguns artistas começam a obra pelo final. Sejam músicas, peças, livros... Tudo se desenvolve tendo como objetivo o fim. Como um orgasmo seguido daquele torpor, que em francês, é chamado de petite-mort.


Como na letra de "Planeta Sonho", de Marcio Borges: "E lá no fim daquele mar, a minha estrela vai se apagar - Como brilhou! Fogo solto no caos! ... E lá no fim daquele azul, os meus acordes vão terminar - Não haverá outro som pelo ar!"


Existem pequenos começos e finais no decorrer de uma peça. As pausas... A dinâmica.... Situações que começam depois do início e se concluem antes do fim, e que vão nos tirando ou enchendo de esperança. E, paradoxalmente, o que mais se espera é um final inesperado.


Mas, existe também o final óbvio, com um desenvolvimento surpreendente. Quem nunca leu um livro sobre alguma figura histórica, cuja morte já conhecíamos, entretanto, o que mais nos deixa boquiabertos é a maneira como conduziu sua vida. Como encarou seus problemas ou desenvolveu habilidades, para transformar suas fraquezas em força. Como teve tanta coragem, para fazer o que fez?


Claro que a maneira como somos levados até o final, a forma de se contar a história muda bastante nossa perspectiva e experiência. Inclusive, cada contador, carrega mais nas tintas que prefere e sempre traz seu ponto de vista somado àquilo que conta.


Poderíamos ter os dois finais? Chegar ao óbvio e, ainda assim, nos surpreendermos? Como já disse, nossa única certeza são as dúvidas, por isso, é sempre saudável duvidar. Não nutrir-se de certezas e, afastar a prepotência que vem delas.


Em "Canto para minha morte", Rauzito diz o seguinte: "Vou te encontrar vestida de cetim, pois, em qualquer lugar, esperas só por mim. E, no teu beijo, provar o gosto estranho, que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar... Vem! Mas, demore a chegar. Eu te detesto e amo, Morte, Morte, Morte que, talvez, seja o segredo dessa vida."


Até a próxima!


Coluna de Outubro de 2020 para o Jornal Portal

Chega a primavera e aquele Ipê lindo, que habita a rua Caruaru, aqui no Grajaú, floresce amarelo. É uma árvore pequena, super fotogênica e com uma aura majestosa. Que ser magnífico! Que imagem para apreciar! Aliás, tudo na natureza tem um design maravilhoso. E eu me pergunto: qual seria o motivo?

Essa pergunta é retórica, como quase todas em nossa vida, afinal, não temos nenhuma resposta pronta. Vivemos na busca constante por responde-las. Já que a verdade é fluida e a mente trai. Como disse Rauzito: "Que o mel é doce, é coisa que me nego a afirmar, mas que parece doce, eu afirmo plenamente."

Dependentes de um ponto de vista, nunca temos uma consciência plena, mas, sempre, parcial. Como naquela charge, onde dois caras lêem um número no chão, um diz que é 6, o outro diz que é 9 e brigam. No entanto, como um olhava por cima e o outro por baixo, os dois estavam certos.

Buscamos respostas exatas para coisas que não devem ser pensadas dessa maneira, por possuírem diversas respostas reais. Nossa incapacidade de trocar a lógica, dependendo do assunto, tem resultado em conflitos desnecessários.


Por isso, digo que não há certeza de quase nada. Entre as poucas que podemos ter, estão: a vida, a morte, a gravidade, o medo, a impermanência e as perguntas sem resposta. Com essa informação, podemos amenizar nossas angústias e perceber o quanto nos ilude pensar que temos as respostas certas.


Cada um traz, dentro de si, respostas e verdades que não são unânimes. É ilusão pensar que nossa opinião é mais qualificada e que devemos matar ou morrer por ela. Muitas vezes, ficar calado, ouvir e se interessar pela demanda dos outros, tem muito mais efeito do que vomitar nossas convicções. 


Numa perspectiva histórica, não somos nada. O que fazer então? Alguns construíram monumentos, afim de ter seu nome lembrado. Outros preferiram deixar como legado, relevantes contribuições para o desenvolvimento da humanidade. O que visavam? Ser lembrados ou contribuir com o formigueiro?


Sejam os objetivos egoístas ou altruístas, um meteoro ou outra guerra, pode fazer tudo virar pó e, simplesmente, desaparecermos sem deixar rastro. Pode parecer pessimismo, mas o objetivo do texto é, apenas, chamar a atenção para o que, realmente, importa. Tentar ajudar a fazer a ficha cair.


Tenho a esperança de que alguém que leia, possa abraçar as incertezas e a falta de respostas e entender que essa é uma condição humana e que, sabendo conviver com isso, podemos ir muito além. Porém, é preciso incorporar, de novo, a postura da humildade, pela constatação inexorável de que nada sabemos.


A natureza, por ter bilhões de anos a mais do que nós, sempre nos ensina. E aquela pequena flor, que nasce no cume do morro mais alto, apesar de lutar contra todas as adversidades, sempre se apresenta com todo seu esplendor. Assim como a pequena abelha faz o mel, mesmo sem ser notada. E a mais bela pedra preciosa se encontra nas entranhas da terra. Qual é nosso propósito?


Fama? Sucesso? Qual é a nossa contribuição? A maioria das maravilhas da natureza, nunca será vista por nós, nunca será filmada para documentários. Nunca saberemos os nomes destes pequenos seres vivos do planeta, células microscópicas mas, nunca, insignificantes. Anônimos mas, nunca, irrelevantes.


O Ipê, a flor e a abelha dão o melhor de si. Dão tudo o que têm. Dão suas vidas. Não importa o quanto nós os valorizamos. Muitas vezes, ignoramos o simples, esperando “fazer a diferença” e deixamos escapar diversas oportunidades de servir para alguma causa ou alguma coisa: “A gente somos inúteis”. 


Em cada trabalho é preciso estar presente, de corpo e alma. Ainda que seja para limpar uma latrina. Não há trabalho menor. Temos que dar nosso melhor, seja como profissional ou ser humano. Não se trata de ser melhor do que ninguém, apenas, a melhor versão de nós mesmos. Usando o presente e, não, esperando por um futuro incerto, vendo a vida se esgotar.


Certo dia, um desconhecido compartilhou sua vida, através de um texto, de um quadro, de filme ou canção. Não apenas com a intenção de botar pra fora seus fantasmas, mas buscando se comunicar. Sem querer, senti o chamado e sua mensagem me serviu. Só isso já basta. É o trabalho da borboleta. Sem plateia.


A vida não precisa de aplauso. Acontece independente de espectadores. E curiosamente, flui. O ser vivo de ontem, é o combustível fóssil de hoje. Já foi planta, dinossauro, petróleo, energia e agora é fumaça. Que volta ao solo e alimenta outra planta. Temos que parar de temer e passar a ver a beleza deste ciclo, que acontece há bilhões de anos, alheio ao nosso consentimento.


Por pensar assim, tenho muito cuidado com o que passo aos alunos, muita responsabilidade. Medo de errar. De falar uma verdade que penso hoje e que amanhã pensarei diferente. Não porque a coisa, em si, vá mudar, mas porque vou pensar de outra forma, vou mudar meu olhar. Por isso, tenho muita cautela.


Educar de verdade, com profundidade, é difícil. Não se trata de criar técnicos e especialistas, mas, mentes críticas, flexíveis e empáticas. Que pensem por si mesmos, sem diminuir o outro. Ensinar é ensinar sobre a vida. Através de uma ferramenta, um ponto de vista, um estado de espírito, que pode ser qualquer matéria, mas acredito, particularmente, no poder da arte.


Aos alunos, digo que sou um irmão mais velho, que tive mais experiência e posso auxiliar. Sem a arrogância de quem tem as respostas, mas, sim, com a certeza de que estou longe delas. Qualquer professor sabe o quanto se aprende com as particularidades de cada olhar de seus alunos.


Ninguém detém a verdade. Até mesmo quem diz seguir a palavra de Deus, está sujeito ao ônus de uma má interpretação. Na vida, surgem situações que nos exigem repensar e que colocam em cheque nossas certezas. No entanto, as velhas perguntas, nos mantém na busca pela virtude, pela verdade inatingível.


Distorcendo o tempo, disparamos contra as horas, ao invés de usá-las a nosso favor. Numa corrida desenfreada por ter, estamos esquecendo de ser, de desfrutar nossa família, amigos e planeta. Não falo de festa, falo de silêncio, de observação, de amor, de gozar a existência em harmonia com o cosmos.


Abraços e até a próxima!

 


quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Coluna de Setembro de 2020 para o Jornal Portal

Tenho uma tarefa a fazer. Tarefa dada pelo coração. Pelo mais puro sentimento de amizade e fraternidade que me habita. Preciso falar sobre Marcelo Biar. Mas não quero sugerir que tenho qualquer lugar especial de fala, porque isso seria mentira.

Como é dito no filme “A culpa é das estrelas”, acredito que existam muitos infinitos. Que não apenas os números sejam infinitos, mas também as distâncias entre dois deles. Por isso, cada pequena história é infinita em seus desdobramentos.


Por isso, preciso falar desse cara. Mas não quero falar do professor de história, do título de mestrado ou doutorado. Nem quero falar do militante e visionário, que dizia que lutar pelos nosso direitos, nos dias de hoje, é ser revolucionário.


Não quero falar dos livros “Antônio Conselheiro: nem santo, nem pecador”, “Socialismo contra o vento e a favor da história” ou “Arquitetura da dominação: O Rio de Janeiro, seus presídios e seus presos”.


Tampouco, do meu colega colunista do Jornal Portal, com seus textos antenados e imprescindíveis. Que me apresentou ao disco “Sentinela” de Milton, de 1980, que entre outras pérolas, contém a música “Sueño con serpientes”, de Silvio Rodriguez, cantada junto com Mercedes Sosa, três artistas que ele amava.


Nem que no início desta faixa se recitava Bertolt Brecht, em espanhol: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. E há os que lutam a vida inteira, esses são os imprescindíveis”.


Poderia dizer que lutou a vida inteira, fundou o Instituto por direitos e igualdade - o IDI. E que, por ser quem era, foi meu candidato a vereador em 2016 (50.180) e a deputado estadual em 2018 (50.150). Mas não é sobre isso que quero falar.


Nem sobre nossa semelhança em debochar de tudo e de nós mesmos, que nos impediu de ter uma única discussão partidária sequer. Pois éramos adeptos de dar com os ombros e dizer: “E aí?”. Que servia de resposta a qualquer manifestação babaca, política, artística, acadêmica, profissional ou pessoal.


Poderia falar dos seus contos, das poesias e das músicas. Das que fez sozinho ou com os parceiros: eu, Vicente Paschoal, Felipe Radicetti, Zé Alexandre, João Cantiber, Emanuel Freitas, Luis Otávio Souza, Beto Gaspari, Sandro...


Posso mostrar o texto que ele escreveu para o projeto “Baú de cordas”:


“Conheço o Marcelo China, conheço o Vicente Paschoal e conheço um outro cara chamado Marcelo Vicente China Paschoal. É uma espécie de primo deles e primo meu, que quando aparece, aparece com um pouquinho de cada um deles e um pouquinho de mim, mas também é um outro, um outro surpreendente, sempre surpreendente. E este cara, esta dupla precisa ser conhecida.”


Posso falar da admiração pelo parceiro com o qual fiz 14 canções e do carinho que tenho por todas as suas outras músicas, que também são minhas, afinal, vibramos com as conquistas e realizações de quem amamos.


Posso dizer que sinto uma enorme responsabilidade pela divulgação da sua obra e que fiz uma playlist no meu canal do YouTube, chamada “Semeando Biar” onde pretendo registrar, o máximo que puder, de suas canções.


Quero lembrar do meu amigo, tocando bongô nas violadas, fazendo caldo verde com paio (que é muito mais gostoso que calabresa, conforme me ensinou). Um macarrão com um “fio” de azeite pra massa não grudar.


As gravações na mesa TASCAM, no apartamento 402 da rua Visconde de Santa Isabel, 654. Do estúdio Equalize, do Renato, no Tijolinho e, depois, na Felipe Camarão, onde gravamos muito, para registro e festivais.


A volta da gravação de “Velho baú da estrada”, no centro da cidade, quando seu Opalão preto, com câmbio automático de coluna de direção (tipo alavanca de seta), arrebentou o cabo do acelerador, no meio da Av. Pres. Vargas, e usamos meus “conhecimentos” de Praia Seca, para voltar acelerando com o afogador.


Quero lembrar dos festivais que não pude ir, pois já tocava profissionalmente, em especial o de Viçosa, no qual nossa música classificada “Maria Fumaça” foi como sendo de autoria dele e do Vicente, tirando segundo lugar e tocando na rádio. Como ele me disse - Você não foi, mas estava lá!


E a história atrelada a nossa música “O que você quiser”, que escrevi com “Z” e ele contou sobre a vergonha que passou, como professor no Instituto de Educação, quando usou a palavra errada no título de uma palestra. E que cada colega que entrava no auditório chamava sua atenção... Não preciso dizer que nunca mais errei e que, até hoje, quando vou escrevê-la, dou um sorriso.


Contávamos derrotas, gabar-se era para os outros...


Uma vez, me disse que era tão fominha de futebol, que havia caído na brincadeira de amigos que o chamaram da rua para jogar e ele saiu como estava, descalço, na areia escaldante de Cabo Frio.


Também operou milagres e esteve em dois lugares ao mesmo tempo. Durante uma festa na casa da Mônica, tia e vizinha do Vicente, que morava no apartamento de cima, quando eu e Vicente estávamos, embaixo, compondo a canção “Ela”, da varanda ele dizia: “Não acabem! Já vou descer pra fazer a segunda parte da letra”.


Quero lembrar das sublimes músicas com Vicente ou aquelas que ele aprendeu a fazer sozinho e que se tornaram trilhas sonoras de muitas violadas... E das nossas vidas... Do pequenos infinitos que são as parcerias. 


Cada semana um trazia uma música nova, que servia de inspiração e fagulha para o outra. Esses momentos de criação e de mútua motivação, criam um círculo virtuoso. Uma dobra no espaço-tempo, um buraco de minhoca. Estaremos sempre lá. Pulsando.


Quero saudar o filho atencioso com os pais Sr. Murilo e D. Miriam, caçula do irmão, Murilo, do tio e padrinho orgulhoso do Rodrigo e da Marina. Quero lembrar do pai dedicado do Francisco. Que, aliás, recebeu esse nome pela admiração que o Marcelo nutria pelo Chico Buarque.


Quando soube que seria pai, me vendeu o Homestúdio, os monitores, microfone e equipamentos com os quais trabalho até hoje. Sempre foi apaixonado pelo moleque, tanto que, saiu do Grajaú(!) para ficar mais perto do rebento (fato que só pode se justificar por um motivo desta envergadura). 


Quero lembrar do marceneiro, que fazia móveis... Arriscando-se, até, a fazer instrumentos de percussão, como Cajon e alguns outros. Poderíamos ficar horas, quando ele tinha tempo, falando de madeira, comida, vinho e música.


De acordo com o calendário cósmico de Carl Sagan, que compara o “Big bang” ao dia 1º de Janeiro e o dia em que estamos à 31 de Dezembro do mesmo ano, e nos informa que o homem só teria surgido nos últimos minutos do último dia. Podemos compreender que numa perspectiva histórica, o tempo que separa o nascimento e a morte de quase todos nós, não é nem considerado...


Respondendo ao que ele me falou sobre os festivais: ele já foi, mas ainda está aqui!


Assim, quero pensar sobre esse irmão que a vida me deu. Lembrando que existem estrelas que explodiram há milhares de anos e que sua luz continua a percorrer o universo, levando seu brilho a lugares inimagináveis.


Termino com seu trecho de letra: “Tenho um velho baú de recordações, sempre tem espaço, pode entrar! Meu passado pesa, mas eu sei voar”


À você meu parceiro, meu amigo, meu irmão: Muita luz!


Até a próxima!

terça-feira, 21 de julho de 2020

Coluna de Agosto de 2020 para o Jornal Portal.

Na última coluna, comentei que a música mecânica, tocada por caixinhas de música, realejos e pianolas, programados por cartões perfurados ou cilindros de metal com alto-relevo, são máquinas que baseiam-se no fato da música ser formada por padrões. Sejam eles musicais, culturais ou mecânicos - os clichês.

Esse termo pode ter a conotação pejorativa de "lugar comum", algo feito sem esmero, apelativo. Mas, para os instrumentistas, significa que se pode tocar diversas músicas, numa mesma vida, sem ter que começar do zero a cada nova peça.

É como o acúmulo de experiências, passado de geração em geração, que permite que se tenha certeza de como as coisas funcionam para, sobre essas bases, poder dar saltos qualitativos e avançar. Sem os retrabalhos, que são tão contra producentes.

É interessante e perturbador perceber o quanto carregamos de programação cultural, química, física e biológica. Desde o DNA, que não escrevemos, atè este modo de perpetuar conhecimento, através de livros ou de linhas de programação. E quanto nosso inconsciente é presente em nossos pensamentos e ações...

O avanço tecnológico, tão veloz, causa hiatos na compreensão. Muitas vezes, não se sabe como se chegou a determinadas práticas e o choque entre gerações, que usaram muito algumas delas, com outras, que as desconhecem completamente, além de curioso, pode virar dilema e, assim, motes artísticos.

No filme de 2011, “A invenção de Hugo Cabret”, a história se desenrola em torno de um boneco autômato, programado para desenhar. Os espectadores, apesar de íntimos dos “Apps”, viam a máquina, precursora mecânica da programação eletrônica e digital que, hoje, nos cerca, como ficção.

A rotina do uso das tecnologias, somadas aos carros, trens e aviões do cotidiano, banaliza, em nossa mente, o entendimento da realidade que vivemos. Só quando comparada a tempos passados, às vezes mais longínquos, às vezes, mais próximos, consegue se ver as enormes transformações.

Fazendo uso dos referidos padrões, Bobby McFerrin, lançou em 1988, a canção “Don’t worry be happy”. Além de usar clichês rítmicos, melódicos e harmônicos em sua composição, também aproveitou os pequenos ciclos, de quatro compassos quaternários e resolveu gravá-la sozinho e “à Capella”.

Naquela época, já era possível um mesmo músico gravar vários instrumentos, em canais independentes, sobrepondo-os uns aos outros e conseguindo um resultado sonoro de banda ou orquestra - o famoso “overdub”.

Como exemplo, no ano anterior, 1987, Paul McCartney havia lançado um compacto, com a música “Once upon a long ago”, que foi gravada, praticamente, toda por ele. Que compôs, concebeu arranjo e tocou a maioria dos instrumentos: bateria, baixo, guitarra, piano...

Um outro bom exemplo, este já bem mais recente, é do músico Christopher Bill, que fez uma versão à várias vozes de trombone, da música “Happy” de Pharrell Williams. No vídeo, podemos vê-lo e ouvi-lo executando enquanto gravava os loops.

Já a expressão “à Capella”, quer dizer que o único instrumento usado é a voz. E isso nos remete a um coral, onde todos os componentes estão cantando. No mínimo, fazendo um fundo melódico, com linhas mais passivas que fazem uma cama ou uma cortina para a melodia principal.

Muitos grupos vocais, principalmente, com influência e experiência Gospel, como o “Take 6”, acabaram se especializando em arranjos desse tipo. Outros, usam “à Capella” em partes específicas de uma música ou como um dos tipos de arranjo vocal, entre outros, que executam.

No caso, Bobby McFerrin fez vozes e instrumentos com a boca: três linhas de guitarra, para formar acordes de três notas, baixo, percussão, assovio, coro, contra-canto, cacos e efeitos, além, é claro, da voz principal. Ouça com atenção! É impressionante até hoje!

Hoje, vários grupos vocais têm integrantes que imitam o som de instrumentos, como o “BR 06”. E o Brasil, apesar de não ter uma cultura de educação musical forte, pública, para idade escolar, tem um número expressivo de grupos vocais e, até, reconhecidos fora do país. Este assunto merece uma outra coluna.

Outra coisa que chama atenção na carreira de McFerrin, é a maneira que encontrou de fazer suas apresentações ao vivo, já que, na época, não existiam os equipamentos de “loop”, capazes de armazenar, repetir e tocar, de forma instantânea, diversas camadas de gravação simultâneas.

Na internet existem muitos vídeos que mostram como sua relação com o público se transformou. Sempre muito carismático, estimulando a participação de seus espectadores, aos poucos, deixou a posição de destaque, de centro do espetáculo e colocou "todo o público no palco". A interação é arrebatadora...

Com apenas um microfone, entra em cena e faz os espectadores participarem do show. Na Ave Maria de Gounod, melodia feita quase dois séculos depois, sobre o Preludio nº1 de Bach. Bobby, sozinho, canta o acompanhamento, que é o prelúdio e o público em uníssono, canta o tema... Incrível!

Um outro vídeo, mostra sua participação no "World Science Festival - 2009 - Neurons and notes", uma convenção de neurociência, onde ele exemplifica o assunto sobre expectativas, demonstrando a força da escala pentatônica, com a ajuda da plateia.

Por essa maneira incomum de pensar, fazer e compartilhar sua música, considero esse cara um gênio. Entendo que não é possível evoluir sem a compreensão de que é preciso participantes e, não, consumidores.

Trazê-los para perto, convidá-los a vivenciar, formar músicos e, também, ouvintes, é a forma mais simples e humana, de escapar do abismo. Como disse Vinicius de Moraes: "Pra que multiplicar se podemos dividir?" Rememos juntos! 


Até a próxima!

terça-feira, 7 de julho de 2020

Coluna de Julho de 2020 para o Jornal Portal

Estes dias, recebi um vídeo de um músico tocando um serrote. Sim. Destes que temos em casa para consertar as coisas. Era tocado com um arco, como o de um violino. Quero ver o que meu pai vai dizer agora... Ele que sempre me disse que conserto de serrote, era com “S” e concerto de cravo, era com “C”.

Na época da faculdade, no instituto de psicologia da UFRJ, na Praia Vermelha, vi algumas vezes, um amolador de facas, tocando músicas enquanto afiava algo no esmeril. Apesar do serviço ser comum em vários bairros, nunca tinha visto alguém tirar sons tão bem definidos, a ponto de se reconhecer uma melodia.

Para quem não sabe sobre o que falo, trata-se de uma roda de ferro, que parece um monociclo, ligado a um disco de amolar, acionado por pedal, cujo “sobe e desce” se transforma em movimento circular. Empurrando a geringonça, os homens faziam sua propaganda no grito, avisando que amolavam facas e afins. 

Essa maneira inusitada de se tirar som das coisas, me faz recordar o que dizem os grandes mestres: a música está na nossa cabeça. O instrumento é apenas uma ferramenta com a qual aprendemos a expressar, em diversos níveis técnicos, o que já existe dentro de nós.

Hermeto Pascoal faz som com vários objetos. Lembro de vê-lo, no programa do Jô Soares, tocando diversos patinhos de borracha que, quando apertados, apitavam. No mesmo programa, ele mostrou uma montagem com diversas sílabas tiradas da fala do apresentador que, juntas, formavam uma melodia.

É muito excitante quando alguém nos surpreende! Uma ideia fora do comum nos faz viajar e entender que os instrumentos de hoje, um dia, foram invenções. Da mesma forma que, as invenções de amanhã, serão baseadas em algo que já existe. E deste “diálogo” surge o aprimoramento e a evolução.

O artista de rua que toca Habanera em diversos copos de água, tem mérito no repertório, no instrumento e na surpresa que nos causa. Afinal, tudo isso é arte: a originalidade, a interpretação, a criação, a maneira de se apresentar, o instrumento usado e o efeito causado no espectador.

Mas, se ele baseou-se no xilofone, esta originalidade poderia ser contestada, pelo simples fato de nada ser, realmente, novo? Ou o fato de juntar as coisas naquele contexto, conta? Penso que existe arte, mesmo na forma de se refazer as coisas e que, pessoas diferentes possam chegar a ideias semelhantes, sem saberem, previamente, sobre o trabalho umas das outras.

Entretanto, já vi alguns “gênios” serem enaltecidos, por criarem seus próprios instrumentos, feitos de canos de PVC. Será que tiveram o insight “do nada” e  que nunca ouviram falar no UAKTI, grupo de Marco Antônio Guimarães, surgido na UFBA, que faz isso desde 1978? O baiano Gilberto Gil diria: procurem saber!

Intrigas à parte, existe muita similaridade entre as buscas musicais. E, mesmo havendo muitos instrumentos, as maneiras de se obter o som não variam muito. A harpa deriva da lira. O cravo é uma harpa tocada por pinças, acionadas por teclas, dispostas de forma a facilitar a visualização e o acesso. 

Seguindo, chegamos ao piano, que é um cravo tocado com pequenos martelos no lugar das pinças. Depois, ao piano elétrico e ao teclado, que já não têm cordas, mas sintetizam sons, buscando simular em nossos ouvidos e cérebro, os sons dos instrumentos acústicos e nos provocar experiências reais.

Assim, as teclas, que já formavam a interface que unia instrumentos de mecânica bem diferentes, como o órgão, que é feito de tubos que regulam a passagem do ar, e o piano, que é uma harpa encaixotada, tornam-se, em seu coletivo - o teclado - a ferramenta ou a ideia, mais usada no ambiente digital. Desassociado do piano, é a chave de entrada, para se tocar vários sons.

Creio que seu ápice seja o Seaboard, que além de todas as vantagens de visualização das notas e facilidade de acesso e simultaneidade das teclas, consegue ganhar enorme dimensão expressiva, chegando próximo aos sopros e às cordas. Vejam o que é! Procurem no oráculo...

No ambiente virtual, existem aplicativos para celular, que ajudam a aprender teoria, treinar percepção, conhecer letras e cifras de música, tocar e, até mesmo, compor. Um leigo pode criar músicas, a partir de ciclos rítmicos, melódicos e harmônicos. E, acredite, isso é mais velho que os DJ’s e a música eletrônica. 

A ideia de que a música pode ser programada é bem antiga. Baseia-se no fato de que, ao se aprender música, estudamos padrões. Sejam musicais, culturais ou mecânicos, percebemos que a música folclórica está cheias de clichês e - entenda - isso não é ruim. Pois nos permite “reconhecer” uma música inédita.

Antigamente, a programação era mecânica. As caixinhas de música, realejos, pianolas, que são aqueles pianos “fantasmas” que tocam sozinhos, são frutos da programação feita em papel perfurado ou metal em alto-relevo e de uma engrenagem movida a corda, motor ou eletricidade, que o fazia funcionar.

A ideia de se buscar novos instrumentos, tocando-os como antigos, de voltar aos instrumentos antigos, abandonando os novos; de buscar música nova, através de padrões ou de tentar quebrá-los, buscando algo novo em folha; de misturar tudo isso ou querer que tudo esteja, devidamente, rotulado e separado; faz parte de nossa, intrínseca, inquietude. A busca nos mantém ávidos e vivos!


Como diria o sábio Buzz Lightyear - “ao infinito e além!” - Até a próxima!

sábado, 6 de junho de 2020

Coluna de Junho de 2020 para o Jornal Portal

Em meio a tanto fogo cruzado, ficamos na dúvida sobre o que pensar, que opinião ter a respeito de alguém ou de algo que acontece a nossa volta. E essa insegurança pode tirar o sono, a calma e a razão. No entanto, é preciso lembrar, sempre, que a resposta para todas as perguntas, está dentro de nós.

Não se trata de filosofia barata, mas da maneira que podemos enxergar as coisas. Vou explicar: os genuínos gênios, muitas vezes, têm pouco conteúdo intelectual. Não são letrados, graduados, com mestrados, doutorados, dezenas de livros lidos ou escritos. Mas, pessoas comuns. Em quase tudo.

Entretanto, simplesmente, sabem muito de alguma coisa. Se destacam. Não adianta perguntar porquê, como, quando... E todos os cinco dáblios... Pois não saberiam dizer. Eles simplesmente sabem. E, realmente, sabem.


Houve época em que o saber se bastava. Durante a idade média, tais revelações passaram a exigir cuidadosas explicações. Mas parece que, de algum tempo pra cá, começou a se perceber que este fenômeno é natural.


Fala-se sobre deuses, karma, reencarnações, inconsciente individual ou coletivo, arquivos akáshicos... Existem diversas explicações. Todas sem a chancela científica, de poder ser repetida de forma controlada e comprovada.
 
O matemático Ramanujan, indiano, pobre e sem formação, é um dos casos mais conhecidos desses gênios. Apesar de, hoje, seus trabalhos nortearem muitas pesquisas de ponta, em vida, viu muito pouco, deles, ser reconhecido.

Infelizmente, o processo que garante a “verdade científica”, também engessa a conduta em muitos aspectos. Fazendo-se despender muita energia demonstrando como se obteve um resultado, restando pouco tempo para sua aplicação. Muitas vezes, esse conhecimento só será usado décadas depois.

O custo de não errar é o tempo, que para nós, se esgota rapidamente. Apesar disso, pensando em pessoas mais próximas à “curva normal”, é importante nos darmos conta de que trazemos em nosso íntimo, em maior ou menor grau, este saber, que mistura instinto e intuição, influenciando nosso livre arbítrio.


Sempre pensei que até mesmo um cientista precisa ter fé... Só isso explicaria porque seguiu o caminho que deu certo e não o outro, que colegas de renome seguiam e dava errado. Eduardo Marinho, a quem muito admiro, diz que nossa razão trabalha sobre o que nosso sentimento escolhe.

Podemos nos sentir não-representados por ambos os lados e, ainda assim, concordar, em parte, com ideias. Não é um erro. É a própria condição humana.

Sabendo disso e somando-se o fato de que ninguém erra porque quer, mas, sim, porque acredita que está no caminho certo ou, então, porque julga levar alguma vantagem; devemos ter a certeza de que, somente, a empatia e o diálogo, podem nos fazer perceber atitudes e pensamentos equivocados.

Gandhi, disse que só quando se vê os próprios erros através de uma lente de aumento, e se faz exatamente o contrário com os outros, é que se pode chegar à justa avaliação de uns e de outros. Nelson Mandela, disse que a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo.

Ciente das minhas limitações e procurando não sair da trilha que considero um caminho mais coerente, busco, sempre, nesses homens admiráveis, ideias que me alicercem os pensamentos. Não me torno escravo do que pensam, apenas, faço minha mistura, meu MMC. E essa sabedoria interna, me acalenta ou incomoda, dependendo das escolhas que faço.

Diálogos construtivos pressupõe abertura, pois ideias diferentes são, tantas vezes, complementares e podem formar o principio dialético de tese, antítese e síntese. Como todos somos ouvintes e as canções trazem em si pontos de vista distintos, tornam-se a ferramenta mais adequada, universal, através da qual se pode apresentar e discutir ideias, sem disputa.

O primeiro passo é ouvir, perceber que os outros pontos de vista existem, que não estamos sozinhos, não somos donos da verdade... Depois refletir sobre o que foi dito, tentar compreender, se colocar no lugar de quem clama, reclama, grita, chora, ri, tentando dizer algo... Então, já se pode dialogar com o outro.

A música é tão humana, que invade mentes facistas, comunistas, centristas, anarquistas... E faz pensar, quem quer pensar. É a maneira mais eficiente de ensinar sobre a vida. Seja ouvindo, falando sobre, compondo ou, até, tocando.

Numa resposta à romântica “Eu preciso aprender a ser só” de Marcos e Paulo Sérgio Valle, Gilberto Gil fez “Eu preciso aprender a só ser”. Creio que nesse mundo de tantas certezas, verdades, brigas, rachas e desentendimentos; está nos faltando a oriental busca de, apenas, “sermos” e “deixarmos ser”.

É preciso entender que ainda não entendemos o que significa liberdade, democracia, responsabilidade e igualdade. Mas que, apesar de tudo, temos a música e, como disse Nietzsche, sem ela, a vida seria um erro.

Até a próxima!