quinta-feira, 27 de abril de 2017

Coluna de Setembro/16 para o Jornal Portal

Eu acreditava que não deveria estudar para não podar meu “dom”. Sempre gostei dessa coisa de autodidata... O Guinga, era na época, ainda desconhecido do grande público, amigo de pelada do meu pai e eu, assim como muitos daqui do Grajaú, que estavam começando a tocar, iamos ao seu consultório na Barão do Bom Retiro (ele é dentista). Mas não íamos só tratar dos dentes, íamos tocar, quer dizer, ficar babando vendo-o tocar sozinho ou com seus seus padrinhos de casamento: Hélio Delmiro e Gilson Peranzetta, entre outros que iam visitá-lo. Ele dizia: “Se fizerem aula, podem perder essa espontaneidade.” Aos 20 anos, ele acompanhava João Nogueira, Cartola entre outros… Sabe o dom? Eu não tinha. E, hoje, sei que não existe, é fruto da admiração de quem não toca, parte do imaginário popular.

(Dom é um estágio avançado de percepção e/ou habilidade. Existem pessoas que nascem com afinidade para determinadas tarefas ou com uma fisiologia que facilita seu aprendizado ou execução, como o ouvido absoluto, por exemplo, que distingue os sons como cores: basta que se diga uma vez à pessoa o nome de uma determinada nota e ela nunca mais esquece.

O contato com a música desde cedo, nas famílias que têm músicos, também é uma grande influência e pode criar um ambiente muito favorável para o aprendizado desta linguagem, como uma imersão numa língua estrangeira, trazendo muita experiência e naturalidade. Mas, curiosamente, a habilidade, afinação, conhecimento, técnica etc. São coisas que se ganha ao estudar. Como disse Thomas Edison: “Um pouco de inspiração e muita transpiração”.

Você pode nunca vir a se tornar o Mozart e é bom que se diga que, dois alunos podem ter resultados bem diferentes, mesmo começando a tocar na mesma época, o mesmo instrumento, o mesmo número de horas por dia e com o mesmo professor. Mas se pode superar (e muito) as pessoas e, até, artistas que tinha como referência. São as horas de vôo, quanto mais temos, mais somos maduros. Não se trata de estudo formal, mas do quanto se debruça sobre o assunto, estes gênios, além do "dom" [vocação] tinham, conhecimento, muita prática e eram “fominhas” pensavam em música 24 horas por dia.)

Eu tocava e fazia música de forma intuitiva, imitando ou chegando a lugares que já conhecia - reinventando a roda. De vez em quando criava algo diferente, não sabia explicar o porquê e nem como fazer novamente… Muitas perguntas e poucas respostas, termos que eu entendia e muitos que achava que entendia. Como gravar uma música que compus para um festival? O que fazer? Então, na época em que trabalhava na vistoria de veículos do Detran, (emprego para universitários [fiz Psicologia na UFRJ]), conversando com o violonista Marco Pereira, a quem atendi, obtive a óbvia resposta: “Vai estudar! Tem hora que o baile vira mesmice.”

Só mais tarde, depois de estudar comecei a entender... Sim, o Guinga tinha certa razão, pois por um tempo fiquei meio podado e quadrado. Mas, passei a escrever minhas músicas e as dos outros para tocar e registrar, fazer os arranjos dos grupos que trabalhava e de outros compositores. Estava alfabetizado! E, de repente, começaram a me pedir para dar aula, arranjar e tocar em gravações. E, com o tempo, aquelas informações se tornaram naturais e começei a sentir novamente aquele impulso primitivo, novos acordes, um jeito novo de tocar, saber buscar a sonoridade, o meu jeito, meu gosto, minha impressão digital (musical) - era só buscar o som - conhecendo outros músicos, revendo conceitos e certezas, quebrando paradigmas e compreendendo que, ao invés de verdades, era melhor ter base para experimentar e vivenciar tudo o que quisesse, filtrando as informações e experiências, assimilar o que fosse relevante naquele momento sem perder o chão.   




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