1º Ato: O colunista faz uma maratona de Woody Allen, assistindo vários de seus filmes que estão disponíveis no Netflix. E, devido à variedade de tramas, conduções e desfechos, fica com vontade de falar sobre algo que está presente em quase toda forma de arte, que é o discurso.
O discurso, que está presente na retórica, poesia, literatura, cinema, teatro, dança e música, contém um tema, que é o quê se quer dizer sobre; um mote, que é o modo de dizer e um contexto, que sustentará todos os argumentos. Mesmo o mais simples discurso, carrega a noção de início, meio e fim e, para organizar as ideias, a ferramenta mais usada é o roteiro.
Syd Field, dizia que, para um roteiro de filme ser atraente, deveria ter 120 páginas, com filmagem de um minuto cada, dividido em 3 atos, e isto se tornou um paradigma. Mas a narrativa não deve seguir fórmulas, que transformariam a criação em mera repetição, por isso, o roteiro é um esboço de ideias que deve ser sempre questionado, melhorado e transcendido.
Em “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, o livro se inicia com o próprio escritor-narrador defunto contando seu fim. Músicas podem começar pela introdução ou pelo refrão, filmes pela cena final e, como numa recordação, nos levar a conhecer toda a história. Podem possuir uma linha cronológica fragmentada, de forma que, apenas no final, seja possível compreender a trama. São muitas as possibilidades...
2º Ato: Quanto mais o colunista pensa em arte, mais vê a semelhança entre seus discursos, mesmo se tratando de formas distintas de expressão... Assim como a humanidade do autor o leva a criar, colocando para fora seus sonhos, frustrações, alegrias e tristezas, esta mesma humanidade, presente em quem o aprecia, permite a identificação, mesmo que seja por enxergar em tal obra, algo que nem o criador enxergou.
Joseph Campbell estudou as semelhanças entre mitos e religiões de todo o mundo, buscando o DNA humano que as aproxima e escreveu vários livros sobre o assunto, entre eles “O herói de mil faces”, onde identificou um roteiro comum a todos os mitos, que chamou de “A jornada do herói”. Ela se divide em doze passos: Mundo comum; Chamado à aventura; Recusa ao chamado; Encontro com o mentor; Travessia do primeiro limiar; Testes, aliados e inimigos; Aproximação da caverna oculta; Provação suprema; Recompensa; Caminho de volta; Ressureição e Retorno com o elixir.
Como na música, o herói quer resolver os problemas que o tiraram da rotina e, então, voltar ao seu mundo comum ou acorde final (repouso). Os arquétipos de Herói, Sombra, entre outros, usados no livro, são de Carl Jung, ex-discípulo de Freud. Eles divergiram sobre o inconsciente, que para Freud, era individual e para Jung, coletivo. Só um inconsciente coletivo, torna a jornada do herói, passível de identificação e sentido para qualquer pessoa.
Christopher Vogler, escreveu um livro chamado “A jornada do escritor”, baseado no trabalho de Campbell e considerado uma leitura obrigatória para os roteiristas. Nele, o autor mostra várias semelhanças entre roteiros de filmes consagrados como “Star Wars, Rei Leão e Mágico de Oz”, quando comparados aos 12 passos da jornada do herói e ao paradigma de Syd Field. As duas ideias somadas, criam um útil croqui ou crivo para um bom roteiro.
3º Ato: Por mais que o colunista não pense em roteiro ao ler, ouvir música ou ver um filme, afinal quer apenas se deixar levar, envolver e entrar em contato com a fonte, na maioria das vezes, se vê entre 8 ou 80, preso à teia de acontecimentos dos famosos enlatados, que levam ao melado “final feliz” ou ao amargo, trágico fim, apesar de haver tantos sabores entre eles.
Woody Allen, também roteirista e músico, explora muito bem outras sensações, finais não óbvios, sentimentos opostos pela mesma personagem, que nos cativa e depois desaponta. Inverte estereótipos, cria tensões que, depois, percebemos não serem bilaterais. Tudo, para fazer o espectador sair da zona de conforto.
Para o colunista ele lembra um regente conduzindo seu quarteto.
Inclusive, seu filme de quatro histórias, soa como tal: A melodia é a trama principal, que se movimenta mais; a segunda voz, contracena com ela; o baixo dá o chão (ou tira, com suas inversões) e a terceira voz (“tortinha” como diria Magro Waghabi), se movimenta menos, usando notas comuns e atalhos, jogando pro time e ficando menos aparente. Pode-se comparar o lapso temporal em algumas histórias, a uma rearmonização ou cânone.
Outro maestro, Schoenberg, em seu livro de harmonia, fala sobre a necessidade de buscar sempre novos cenários, aventurando o tema. Ele foi o criador do dodecafonismo, um dos sistemas que rompeu o roteiro de tensão e repouso do Tonalismo.
Mesmo depois de tudo que foi pensado e escrito pelo colunista, percebemos que, às vezes, o que não é clichê lhe causa grande estranheza e ele deseja, apenas, mais do mesmo. Então digita: “Até a próxima!” e enviar.
Fim
Que beleza de texto, senhor Marcelo. Parabéns!
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