sábado, 1 de dezembro de 2018

Coluna de Dezembro de 2018 para o Jornal Portal

Cursando psicologia, tive a oportunidade de estudar um pouco sobre dinâmica de grupo. Que busca ser uma ferramenta para que os profissionais, possam visualizar como se dão as relações entre pessoas de um grupo e possam buscar meios de revitalizá-las, conscientizando os envolvidos, através de atividades.

Essas atividades, que podem ser trabalhos, jogos colaborativos, entre outras, buscam identificar conflitos e fazer o próprio grupo compreender seus motivos, analisando, criando consciência e discutindo formas de solucioná-los.

Acredito que esta forma analógica de aprendizado funciona muito bem, porque enxergo na natureza inúmeras metáforas. Quanto mais aprofundamos, mais podemos observar tais analogias, que vem desde os números Fi e Pi, passando pelo modelo atômico, a gravidade, os astros, sistemas solares e galáxias.

A educação finlandesa, tão em voga, que prefere preparar os alunos para vida e não para as provas, baseia-se nas analogias da natureza e na forma como nós, que somos parte dela, precisamos estruturar nossos pensamentos para poder compreendê-la, da forma que nos é possível, já cientes de nossa falibilidade.

John Rutter, maestro e compositor de música sacra para coral, defende a importância da existência dos corais em escolas, igrejas e entidades de todo o tipo, justamente, devido à força simbólica que a música, vivida através do canto têm, como reforço positivo, ou círculo virtuoso.
Ele vê a música como uma grande árvore, no centro da humanidade, com galhos estendidos em todas às direções, capaz de nos alimentar de valores cada vez mais sublimes, que vão além dela própria, e só nos engrandecem.
Saímos renovados depois de passar algumas horas cantando em grupo, vivenciando a harmonia e esquecendo nossos problemas. Cantar pode transformar dias ruins, fases ruins e, até mesmo, vidas ruins, através do simples fato de realizar algo em grupo, revelando que se envolver, é a verdadeira vocação humana.
Os políticos e educadores deveriam estar atentos aos fenômenos da música que nos faz transcender e ensina a viver através de sua prática e, na visão do maestro, o canto coral seria a ferramenta mais poderosa e, porque não, a melhor dinâmica de grupo. Por isso, deveria gerar interesse e receber investimento.
Um álbum é o resultado de horas de criação, gravação e ensaio, trabalho que une música, músicos, técnicos e tecnologia e, assim como um filme, pode nos levar a resultados incríveis, desde que se consiga vislumbrá-los para, depois, tentar transformá-lo em realidade.

Uma apresentação ou show, também é fruto de criação e ensaio, precisa de músicos, técnicos e de tecnologia, porém, depende do que seja passível de se executar ao vivo. Muitas vezes não é possível repetir o que foi feito no estúdio, em sucessivas camadas de gravações.

Uma orquestra, depende dos músicos e de seus instrumentos, das horas de criação e ensaio, mas não precisa de tecnologia, nem de técnicos para que possa se apresentar.

Um coral, depende das horas de criação e ensaio e, nele podemos ouvir ritmo, melodia e harmonia, em arranjos complexos, provando que os instrumentos, são, apenas ferramentas, através das quais, nos expressamos.

Este exercício de desconstruir a noção contemporânea do que chamamos de música, é necessário para que possamos refletir e entender que não é preciso nada, além de seres humanos (em grupo), para que ela exista e possa ser executada. É o formato mais natural da música que vem de dentro de nós.

Mas o coral não é apenas isso. Ele representa, tudo o que deveríamos ser como sociedade: atentos a harmonia, conscientes de que nossa parte, por mais simples que pareça, tem efeito no resultado final. Mantendo-nos motivados, sempre, a focar no objetivo comum a alcançar.

Perceber que é fundamental ajudar quem tem mais dificuldade, com a humildade de quem já errou e com a certeza, trazida pela experiência, de que, só em grupo, será possível ganhar, pois, ao contrário do esporte, não há pódio. Ou todos vencem ou todos perdem e se não pulsarmos juntos, o arranjo não funciona.

Então, compreendemos que um coral realiza seu trabalho, quando esse propósito maior, coletivo e universal nos guia. Depois do acorde final, temos a certeza da beleza da canção, do arranjo, do trabalho, do companheirismo, da unidade, do resultado apresentado e experimentado por cada indivíduo e pelo grupo.
  
“Be thou my vision” de John Rutter and Cambrige Singers, pode ser facilmente encontrado na rede e é um disco lindíssimo. Tem tudo a ver com as festas de fim de ano, ouçam sem moderação! E manerem nos excessos!

Com a esperança de que seremos, cada vez mais, um verdadeiro coral:
Feliz Natal e até próxima!

Coluna de Novembro de 2018 para o Jornal Portal

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Essa questão filosófica e retórica, não precisa de resposta, muito menos, de acerto. Afinal, apenas os debates que suscita, por si só, já podem ser muito esclarecedores e edificantes. Servindo, até, de fagulha para grandes obras. Como em Hamlet: ser ou não ser?
A arte, num sentido mais simples, é o fruto de vivências. Que geram sentimentos, expressos por quem passa por alguma situação, seja vivendo, convivendo, observando ou interpretando, a seu modo, com base, também, nas suas próprias vivências, o que se passa com o próximo.
Obviamente, por ser subjetiva, não explica nada, apenas, oferece gratuitamente, material para que possamos amassar e dar a forma que quisermos. Matéria abstrata, que transformamos à nossa moda, que ruminamos até tirar dela alguma, ou nenhuma conclusão. Sorvendo ou cuspindo.
Pode nos ajudar a suportar determinados momentos; ser o apoio numa situação difícil; o incentivo para realizar algo; pode impelir à dança; nos chacoalhar em uma comemoração; ser companhia em momentos de profunda meditação; nos emocionar, imaginando e sentindo algo que nunca vivemos ou iremos viver...
Serve para tirar o peso dos meus ombros e me fazer voar, voltar à nascente, ser criatura que também pode criar, e, sentir que estou, exatamente, no lugar em que deveria estar. E, então, rever objetivos, replanejar o vôo, reafirmar compromissos e recomeçar a jornada.
Pensavam os Gregos: é em contato com as musas da arte, que nos sentimos completos, podendo recordar, do barro que viemos e para onde voltaremos e, também, da nossa imperfeição. Somos conectados por ela, e, por alguns instantes, fugidios, nos sentimos plenos. Cumprindo nosso papel na grande colmeia.
Imitando a vida, a arte nos ensina, através de parábolas e metáforas. Permitindo-nos visitar lugares onde nunca iremos; viver e ver, coisas que jamais, viveríamos, veríamos ou nos seriam permitidas. Por isso, ela é, para nós, um prévio ensaio, onde só o bom aluno, consegue vivenciar a realidade.
Na música, a sensação de todo, vem da harmonia. Nos aspectos de acordes, movimentos, quantidades e famílias. Um acorde pode ser comparado à empatia: notas diferentes, trabalhando num esforço conjunto, por um mesmo objetivo.
Uma tríade de Dó, chamada assim por possuir três notas (ou vozes), é formada pelas notas Dó, Mi e Sol. Seus movimentos, criam melodias paralelas, que complementam a principal, e, geram o chamado acompanhamento.
Numa orquestra ou coral, é impressionante e emocionante ouvir uma música tocada ou cantada em uníssono (todos na mesma nota), materializar a força e o poder de um grupo, com um só ímpeto, de vento, trovão, relâmpago ou fogo...
Quando em vozes distintas, normalmente separadas por características e altura, é possível reparar a beleza entre suas relações de semelhança e diferença, justa e contraposição, criando momentos de tensão e relaxamento, gerando uma sequência contínua e duradoura de emoções.
A música, ensina a beleza e a importância das diferenças, a força poderosa da união e do propósito. Libertando nossa alma, nos levando como folha ao vento, como barco à deriva, sem temores e medos, apenas com a certeza da aventura.
Compositor e maestro, são responsáveis pela criação, planejamento e condução, mas se torna clara, a necessidade da cooperação e participação de todos, pois cada pequeno instrumento ou voz, que pode parecer insignificante, é fundamental, no momento certo e oportuno.
Encontrei, no YouTube, o registro em vídeo, de um trabalho muito bonito, da escola de música dinamarquesa, Ollerup Eftenskole, que em vários anos, fez um arranjo para coral, com alunos, para a música Bohemian Rapsody, do Queen. Recomendo que vejam. É, de verdade, muito emocionante!
Assistir a isso é bom, nesta época, de extremo egocentrismo e polarização, para recordar o quanto esse comportamento é prejudicial, seja na área que for. Desprezar a opinião alheia, tratando-a como falta de inteligência ou como maldade é, no mínimo, uma grande demonstração de soberba e de falta de empatia.
Não vivemos a mesma realidade de ninguém, por isso, é necessário tratar as diferenças com muito respeito. Ver, além das aparências, o que as pessoas, realmente, almejam e querem dizer, sem frases prontas. E, assim, enxergar que há muito mais coisas para nos unir, do que para nos separar.
Aos que julgam inteligente a capacidade de discutir sobre tudo, lembro que, a humildade é, sempre, a maior sabedoria. É saber calar, evitando ecoar o ódio que se propaga e, em silêncio, perceber que os “cabeças”, não têm bandeiras, beneficiando-se em qualquer cenário, e, mais ainda, nesta condição de apartados a que chegamos. Como diria Paulo Leminski: “O poder é o sexo dos velhos.”
Faço um convite aos que ainda amam: Vamos imitar a arte e viver em harmonia?
Até a próxima!

Coluna de Outubro de 2018 para o jornal Portal

Esses dias, minha filha veio me perguntar se o Zeca cantava samba ou pagode. Diante de pergunta tão inusitada, quis saber melhor o porquê da dúvida. E ela explicou-me que, o irmão, lhe havia dito: “Assim é a vida: “Karatê Kid” é um filme sobre Kung-Fu e Zeca Pagodinho, canta samba.”

Sobre o filme, apesar do “Karatê Kid” original, de 1984, ser uma história que tem o Karatê como pano de fundo, o filme homônimo, de 2010, do qual falavam, não é um remake e, sim, uma história similar que se passa na China e tem, realmente, o Kung-fu como tema. Apesar de errado, é o nome verdadeiro do filme...

Para responder a pergunta, fiz um resumo da história que conheço, com o objetivo de mostrar diversos movimentos que culminaram no que vivemos hoje.

Cada um de nós, artista ou não, traz, dentro de si, influências de tudo que viu e ouviu. Desde as coisas que buscamos, às que assimilamos por “osmose” ou por acidente. Mesmo assim, apesar dos gostos serem únicos, nossas experiências humanas similares, geram identificação, em graus e intensidades diferentes.

A partir daí, podemos entender que cada nova geração, terá representantes que afirmarão seus pontos-de-vista, seja enaltecendo ou se opondo aos anteriores.

Na Europa, pagode é um tipo de dança. No Brasil, é uma roda de música, regada a farta bebida e comida. Um evento informal, num momento de folga e lazer dos profissionais confraternizando-se, também, com os amadores e apreciadores. Narrado por Paulinho da Viola e Elton Medeiros, no partido “Pagode do Vavá”.

O partido alto é um tipo de samba, com refrão central muito forte, que determina o tema sobre o qual os “partideiros” irão versar. Como é improvisado, o que temos acesso, nos discos e apresentações, é uma edição dos melhores momentos e versos. Outros exemplos são: “Iaiá”, “Bagaço da laranja”,”SPC”...

Quando o samba passou a ser considerado patrimônio nacional, os instrumentos de escola de samba, foram se readaptando às rodas e palcos. Para que não abafassem os de corda, era necessário que não estivessem na mesma quantidade e sua sonoridade fosse mais baixa e apurada do que na avenida.

Até então, essas adaptações eram pontuais, mas na década de 80, o Fundo de Quintal, tornou-se uma roda de samba notória - um pagode às Quartas-feiras, na quadra do Cacique de Ramos - onde se juntavam milhares de pessoas. Naquele contexto cultural, social e econômico, a palavra (pagode) ganhou fama.

A harmonia era pós Bossa Nova, as composições próprias, com letras inteligentes, trazendo crônicas atualizadas do cotidiano do samba, do subúrbio e de um Brasil que sofre, mas que, ainda assim, reage com humor e ironia. Sua melodia descendia do Choro, do Samba-Canção e de todo nosso rico cancioneiro popular.

Ali, se agregou a sonoridade do banjo, introduzido por Almir Guineto, um cavaco com corpo de banjo; o tantã, trazido por Neoci, que é um atabaque de corpo cilíndrico e o repique de mão, trazido por Ubirani, que é um repique de vara ou repinique, sem a pele de resposta, tocado com a ponta dos dedos.

Os conjuntos formados a partir de então, passaram a usar essa instrumentação e se auto intitularam grupos de pagode. Mas não tinham apenas o samba como influência, também ouviam os descendentes do “Som da Motown”: Soul, R&B, Charme, Gospel, Disco e toda a “Black music” que, naquele momento, culminava na música POP, tendo como seu principal representante, Michael Jackson.

Dessa mistura, surgiu, na década de 90, um novo jeito de se fazer samba, denominado, por alguns críticos, de PAGODE - agora como gênero musical - que seria o POP brasileiro, com muitos “hits”, grande profusão de artistas, super cachês, discos de ouro e platina, mas de duração muito efêmera.

As letras passaram a ter uma temática estritamente romântica, perdendo a veia crítica e a capacidade de formar e informar. Sua instrumentação passou a ter teclado e saxofone (muitas vezes sem cavaco e pandeiro) e sua harmonia e melodia seguiram a linha do POP, menos variada e mais repetitiva.

Essa música mais fácil, romântica, ao ritmo de samba, teve uma popularidade imensa e criou muitos adeptos e, também, muitos desafetos. Quem era beneficiado via o movimento como uma evolução, os que saiam de cena, sentiam-se roubados, apesar das tentativas de amenizar a polêmica em torno do assunto.

A postura da maioria dos sambistas foi a de se manter como resistência cultural, voltando a chamar a reunião de roda de samba. Grupos como o Revelação, mantiveram firme seu propósito de revelar novos talentos e de resgatar os antigos e, assim, artistas que viveram para o samba, puderam voltar à tona.

Quando se gosta de samba, não é raro ouvir casos sobre um sambista que se ofendeu ao ser chamado de pagodeiro e, muitas vezes, nem é possível alcançar o teor da discussão, pois, os fatos e personagens, que permitiriam compreender as diferenças, não são conhecidos. Por isso, é bom ouvir as histórias.

Dentro do samba, porém, existem muitos que não ligam para tais rótulos, importando-se, apenas, com as realizações e postura dos artistas e se sua música é boa. Zeca Pagodinho, um dos maiores partideiros de que se têm notícia, é, realmente, compositor e cantor de sambas e partido alto.

Salve a boa música!!! Até a próxima!!!

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Coluna de Setembro de 2018, para o Jornal Portal:

Sucesso, reconhecimento, fama, carreira, dinheiro e qualidade da obra são coisas distintas e, quase sempre, distantes. Embora a maioria das pessoas traga, inconscientemente, a noção de que uma decorre da outra, não é regra ocorrerem juntas, simultaneamente, nem mesmo, na sequência esperada.
Ter sucesso, significa ter êxito, planejar e realizar algo. Ter reconhecimento, significa que outras pessoas admiram e reconhecem este êxito. Ter fama, significa que, além de seus êxitos, seu nome também está vinculado a eles. Ter uma carreira, significa que você busca desenvolvê-los e aprimorá-los.
É uma ilusão achar que existe uma relação direta entre isso e a independência financeira ou a qualidade do que se faz. São coisas diferentes e independentes.
Van Gogh só foi considerado gênio depois de sua morte. Cartola gravou seu primeiro disco aos 66 anos. As partituras de Bach, depois de sua morte, eram vendidas como jornal, para embrulhar peixe. Será que essas obras melhoraram com o passar do tempo, ou a forma de avaliação, que é sempre escorregadia?
Cria-se a teoria sobre as pinceladas de Picasso ou Monet. O que era técnica grosseira passa a ser uma técnica divina. A própria falta de técnica pode passar a ser um bom critério. O julgamento acontece segundo os parâmetros de uma época, de um contexto histórico, mas a boa obra é perene.
Um artista, considerado ruim, pode, nesta perspectiva histórica, vir a ser considerado precurssor de uma tendência “genial”, em outra época, mais afastada de seu tempo. O importante é ter a inteligência de saber que ninguém é capaz de julgar a arte, afinal, nem sequer, pode-se dizer, com exatidão, o que ela é.
No entanto, é possível senti-la e saber que se manifesta através de nós. É fruto da expressão humana, algo muito complexo e, também, muito simples, como a própria vida - farta e tangível. Como explicar o que é vida? Num texto é difícil, no entanto, qualquer criança, que ainda não lê, pode compreender.
Por isso, não se deixe enganar, apesar de estarmos tão presos neste modelo de “sucesso”, sem desmerecer suas qualidades, é preciso enxergar e compreender que a arte vai muito além dele e, amiúde, é bem menos engessada ou enlatada.
O pragmatismo que vivemos, dificulta a compreensão de que existem diversas gradações de cores entre os “opostos” aos quais alternamos nossa dicotomia - amor e ódio. As outras diversas possibilidades, têm sido negligenciadas. Não conseguimos apreciar nada que esteja fora do quadrado ou que não tenha um, questionável, “selo” de qualidade.
Essa preferência por esquemas prontos e que “dão certo” - afinal, dar certo é vender - tem sido algo muito ruim, pois tira da arte parte de seu papel que é fazer pensar, questionar e incomodar. Não aponta todos os nossos podres, só os que permitimos, valorizando, apenas, sua capacidade de nos agradar.
Criou-se um roteiro, uma lista de coisas necessárias para que algo seja bom. Nós mesmos, precisamos nos sentir extremamente felizes, empolgados ou tristes para considerar, por exemplo, um filme bom. Até mesmo nossas sensações estão programadas. Se a arte imita a vida, creio que esteja faltando coisa.
Apesar do marketing ser o que gira o mundo, criando necessidades e movendo a roda do consumo, é preciso ter a consciência de que a vida é uma sucessão de momentos, tristes, felizes, vazios, cheios de esperança, de frustrações e infinitas sensações que podem ser expressas por um artista que as coleciona.
Por isso, é preciso dar oportunidade à arte, aceitar seu convite para ver outras paisagens, falar outras línguas, conhecer outras realidades, isso nos torna mais conscientes e humanos, diminui a intolerância, os preconceitos, nos torna mais cultos, mais críticos e menos impulsivos, cientes de toda nossa diversidade.
Nosso espírito tem buscado se manter preso. Tem sido preferível ficar no cativeiro do que ver outras coisas, tamanha é a repulsa ao diferente. A fantasia tem sido priorizada, apesar de a vida mostrar que, na maioria das vezes, não termina no “felizes para sempre” e, muito menos, se acabaria com o nosso sofrimento.
Quantos artistas já morreram sem ser conhecidos? Quantos vivem entre nós e só terão reconhecimento depois de sua morte? Quantos nunca terão valor? Será que Michelangelo se importaria com isso? Será que Da Vinci abdicaria de ser quem foi? Independente do reconhecimento, estavam sempre em sua busca.
A busca consiste na constante realização. Amenizando inquietações, exorcizando fantasmas, denunciando injustiças, dando voz às questões, que são de todos os seres humanos. Também pelo aprimoramento, a possibilidade de experimentar, poder errar e aprender com isso. Afinal: “O homem é o exercício que faz.” 
Mãos à obra! Não importa se o texto terá um ou um milhão de leitores. O próprio exercício de escrever é um aprendizado e basta que isso satisfaça. Se, além disso, ainda houver outra pessoa reativa ao conteúdo, seja a favor ou contra, a comunicação foi feita e o ciclo se completou, cabendo agora a ela, reagir.  
Até a próxima!!!

Coluna de Agosto de 2018 para o Jornal Portal

Apesar de não acompanhar e não compreender o motivo de tanto barulho entorno do futebol e, justamente, por estar afastado das paixões que o cercam, aproveito a repercussão da Copa do Mundo, para traçar mais uma analogia.
Não é preciso ser muito envolvido para perceber a realidade paralela em que ele habita. Comandado por uma entidade disfarçada de desportiva, parcial, com fins lucrativos e que organiza seus critérios, calendário e programação de forma totalmente autoritária, com certeza, a “paixão nacional” não vem em primeiro lugar.
Tendo isso como exemplo, imagine o que acontecerá no futuro, quando as grandes corporações passarem a governar, como vem acontecendo, paulatinamente, em todo mundo. Ao dominar todos os serviços de interesse público, ficará muito difícil defender os interesses da maioria da população, em detrimento dos seus. 
Com a música não é diferente. As empresas que visam, exclusivamente, o lucro, determinam, através de estratégias, os caminhos a serem seguidos, ainda que se tenha que convencer a população (também chamada de mercado), através de ações de marketing, a querer, comprar ou gostar de algo que não gostam.
Esporte e arte fazem parte da cultura e deveriam ser tratados como saúde e educação. Essas atividades são estratégicas para qualquer nação e seu desenvolvimento é intrinsecamente ligado e influenciado por elas, pois têm fundamental importância na formação da cidadania e, até, na resistência cultural.
Por isso, é impossível conceber a ideia de que apenas dados da economia, possam, de alguma forma, representar toda a variedade de necessidades humanas.
Nessa Copa teórica, foi curioso perceber a incapacidade dos narradores e comentaristas de lidar com a realidade que viram. Acostumados a enaltecer os craques, ficaram sem saber o que dizer quando não viram acontecer nas seleções, o que, frequentemente, vêem em campeonatos de clubes.
Deve ser difícil entender que um clube já é uma seleção. A “casa” onde treinam, criam e vivenciam esse contexto, em grupo, unindo habilidades individuais, somando e amalgamando o que se tornará sua identidade coletiva, sendo impossível repetir seus feitos e resultados em outro ambiente.
Pegue os maiores instrumentistas eruditos do mundo. Sozinhos, nunca obterão o resultado de uma orquestra e, quando reunidos, nada acontecerá sem ensaio. Melhor um grupo de desconhecidos ensaiados, do que renomados músicos perdidos - acredite! Não importa o quanto tocam, a obra de Bach ou de Beethoven exige harmonia e poliritmia, tudo é simultâneo e completamente sincronizado.
E na música popular? Vamos montar uma seleção? Phil Collins na bateria, Paul McCartney ao piano, Sting no Baixo, Mark Knopfler e Eric Clapton nas guitarras, Elton John ao piano. Então? Seria maravilhoso, não é?
Não seria como os grupos de onde surgiram, Genesis, Beatles, Police ou Dire Straits, pois sem os demais integrantes, que são partes cruciais de cada trabalho, perderíamos a referência. E, além disso, estes grandes expoentes precisam de espaço, como disse Rauzito: “É muita estrela para pouca constelação.”
Cada agrupamento de pessoas tem uma identidade. Mesmo se, apenas, um elemento for trocado, a dinâmica interna muda. Seja para melhor ou pior, muitas características daquele grupo se transformam. Como disse Charles Darwin: “Evoluir não quer dizer, necessariamente, melhorar, mas, se adaptar.”
Podemos ver essa seleção tocando no concerto “Music for Montserat”. Uma apresentação beneficente, realizada em Londres, em 1997. A nobre causa e a banda inusitada, geram, em nós, a sensação boa de vê-los reunidos, mas percebe-se que falta alguma coisa. É uma celebração e não um projeto trabalhado.
Num grupo coeso, todos trabalham por um mesmo objetivo e quando estão nesse ambiente, fazendo o que sabem e gostam de fazer, são como são, e cada um se destaca por suas capacidades, naturalmente. Isso é recorrente em qualquer tipo de grupo, banda ou time, seja do trabalho ou da esquina, conhecido ou não.
Mas nossos homens de TV, não conseguem compreender que o Messi só será o Messi que todos esperam, quando ensaiar. Quando todos a sua volta jogarem brilhando em suas posições, para que ele brilhe na dele. Não adianta repetir seu nome para as paredes, pois isso não fará com que o jogo fique melhor.
Mark Knopfler continua tocando muito. Mesmo fora do Dire Straits. Mas é outra coisa. É diferente. E é preciso entender que é uma escolha, querer repetir, durante anos, o que sempre fez ou querer ser diferente a cada ano. Como ouvintes e fãs, também podemos mudar ou manter nosso interesse. Isso é natural.
Assim como acontece no futebol, existem atributos e habilidades comuns a todos os músicos, que os fazem profissionais. E, entre eles, isso não é um diferencial. Mas a compreensão de que suas habilidades, a serviço de um todo, funcionam melhor do que individualmente, desequilibra, de fato, qualquer partida.
Vamos nos esforçar para jogar unidos pelo Brasil, chega de Fla Flu, as eleições vem aí! Abraços e até a próxima! 

Coluna de Julho de 2018 para o Jornal Portal

Mês passado, chegaram aqui em casa, dois móveis que encomendamos chamados de “padaria”, que são estantes com portas em cada uma de suas prateleiras. Essas portas, além de terem vidro, para que se possa ver o que guardam, são retráteis, abrem para cima e, depois, escorregam para dentro do móvel.
Depois de deixarmos as duas de castigo no quarto por quase um mês, devido ao fedor de querosene (ou algo que o valha), que empesteou a casa e nos deixou, a todos, com uma reação alérgica terrível, vejam como realmente é importante essa última envernizada, finalmente era chegada a hora de arrumar a estante.
Desde 1991, mais ou menos, quando tinha uns quinze anos e meu pai comprou o primeiro CD player que tivemos, um Sony Carroussel, comecei a colecioná-los e não parei mais. Depois de casar e com as mudanças constantes de mídia, a coisa se reduziu bem, mas já tinha um bocado...
Minha esposa é professora de educação física e, para auxiliá-la nas aulas de ginástica e spinning, também possui um grande acervo. No seu caso, são discos montados, pois é necessário juntar músicas que tem o mesmo BPM, para poder ter sequências de mais de uma hora com o mesmo andamento para as aulas.
Abrindo o armário vimos as fitas cassete, CDs de dados e programas, MDs, DVDs, mini Dvs, fitas de vídeo, walkman, discman, fones de ouvido e de repente fiquei atônito. Carol olhou para mim e perguntou se estava com preguiça, mas eu respondi a ela que tinha encontrado o assunto da minha próxima coluna.
Para quem vive em nosso planeta, é quase inevitável que se acabe conhecendo instrumentos, gravadoras, aparelhos e mídias, e conheça, assim, algumas empresas que nos fornecem tais serviços e produtos. E isso não se trata de assunto de músico, pois o insight que tive, tem relação com a forma através da qual nos habituamos a viver, desde a segunda metade do século passado.
Percebi que a empresa Sony era responsável por TODAS aquelas mídias e aparelhos que tínhamos no armário. Mesmo quando a marca era outra, a patente era dela, já que tinha inventado tudo aquilo. Fui para o oráculo (Google) para ter a confirmação se o que pensava estava certo ou não, e lá estava o resultado.
Não apenas os aparelhos e mídias que citei, como vídeo games, games, TV colorida, digital, DATs, computadores, e mais centenas de coisas do tipo, que não dá para enumerar aqui, são patenteadas pela empresa. Sem falar nos seus outros braços de atuação, uma gigante global, em todos os ramos do entretenimento.
Vejamos: a Sony Music é gravadora e comprou a Columbia, a RCA-Victor e a BMG; a Sony Pictures é produtora e comprou a Metro-Goldwin-Mayer e Tristar pictures; a Sony Entertainment, tem os canais Sony, Spin, AXN, entre outros. E, como editora e detentora de direitos autorais, tornou-se a número um do mundo quando comprou o acervo da falida EMI.
Criei, com o tempo, uma boa relação com a Sony, construída através da confiança nos aparelhos, percebendo a durabilidade e reconhecendo sua constante inovação, tornando-se, para mim, uma referência de qualidade e de tecnologia.
Levando em consideração tudo o que me proporcionaram, poderia até dizer que essa relação é sentimental. Já que fluiu através da música, nesse primeiro aparelho de som, das fitas que gravei; mais tarde, com as fotos que tirei nas viagens, dos vídeos que fiz do nascimento das minhas filhas, etc... Afinal, toda a nossa vida pessoal, atualmente, passa pelas mídias, reprodutores, editores e se tornou, inegavelmente, digital, e isso tem grande influência dessa empresa.
Mas, tentando ultrapassar esta perspectiva da alta tecnologia que reconhecidamente é fruto de muito trabalho e pesquisa, é sempre necessário que busquemos uma reflexão, toda vez que a vida nos conscientiza sobre algo.
A primeira e mais importante é saber se as empresas de tecnologia têm, realmente, buscado a certeza de que a mão-de-obra terceirizada que contratam, não é escrava, que a matéria-prima utilizada é retirada de lugares permitidos e vem, de preferência, de fontes renováveis. Ou seja, se preocupam-se com alguma coisa além do lucro, ou estão numa corrida desenfreada pelo 1º lugar.
Também é necessário falar sobre o lixo, já que o crescimento exponencial da tecnologia, torna a mais antiga obsoleta, num curto espaço de tempo, gerando um lixo digital gigante. Quando minha irmã esteve no Japão, em 1995, disse que viu milhares de aparelhos novos no lixo, que dava vontade de trazer. Depois, ficou sabendo que as empresas que os vendiam, eram obrigadas a recolhe-los, reutilizar material, etc. Igual aqui...
Uma coisa é certa: ela não sai perdendo nunca. Além de ser a fornecedora dos objetos da obsessão dos aficcionados por tecnologia, música, jogos, cinema, etc e possuir suas patentes; essa empresa lança um artista pela sua gravadora; o promove através de seus canais; se os possuir, ganha os direitos autorais de sua obra, mesmo sendo de outra gravadora e ainda não tendo nenhum desses tentáculos sobre ele, ganha sobre a patente dos CDS e DVDs vendidos legal e ilegalmente, lucrando até quando há pirataria.
Aproveitando o clima de Copa do Mundo, eu pergunto a arbitragem: Pode isso, Arnaldo? Pois é... Seria fácil dizer que, apesar de sedutora, a tecnologia não sofre pressão da indústria que dita as regras e o ritmo do jogo. Da mesma forma, dizer que toda essa tecnologia e inovação é apenas fantasia sem propósito.
Como sempre, estamos entre a maravilha e a maldição, a grande questão humana do equilíbrio, da harmonia entre pesquisa, recursos, utilização, direitos e reciclagem de forma mais distribuída e benéfica às pessoas e ao planeta.
Até a próxima! Agora vou voltar para minha arrumação...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Coluna de Junho de 2018 para o Jornal Portal

Quando alguém pergunta quem foi o maior compositor, instrumentista, cantor, regente ou arranjador de todos os tempos, costumo responder perguntando de volta, a opinião dessa pessoa e o motivo. Normalmente, essa resposta varia de acordo com o gosto. Não somos isentos, principalmente no que tange a música.
Independente da capacidade técnica do músico que avaliamos, existem vários outros parâmetros subjetivos que envolvem essas opiniões, muitas vezes motivadas pelo pioneirismo ou por grandes feitos, às vezes reais e, muitas vezes, inventado por fãs ou, na falta deles, pelo próprio músico.
Ser um instrumentista super técnico, um “virtuose”, não dá a esse músico garantia de que as pessoas gostarão de ouvi-lo. Pode se tocar muito e ser hermético, tornando difícil digeri-lo; tocar pouco e ter uma capacidade imensa de se comunicar; não tocar nada e não agradar (normalmente, esses são os polêmicos a quem nada e ninguém agrada) e, finalmente, tocar muito e agradar.
A dificuldade de julgar é natural, pois também diz respeito a várias camadas sobrepostas acumuladas pelo mesmo artista, que muitas vezes não é só músico, mas também, cantor, compositor, letrista e instrumentista de mais de um instrumento. Tornando impossível fazer tudo o que se propõe num mesmo nível.
Dizendo buscar maior coerência nessas avaliações, surgiram revistas especializadas que separavam melhor os nichos, seus representantes mais importantes e conhecidos. Porém, apesar de permitir que o grande público percebesse que dois artistas pudessem ser melhores em estilos diferentes, mantiveram as enquetes de “melhor do mundo” que geram polêmica e discussão sem levar a lugar nenhum.
É importante lembrar que a técnica, tão considerada pelos fãs, é apenas a maneira de se conseguir atingir as ideias, ou seja, se você não tem ideias, a técnica não te adianta de nada. A música tratada através de recordes e números é vazia. A magia do circo é muito mais importante que o recorde olímpico.
Não pense que faço alguma crítica ao esporte. Não. Faço à busca do recorde, do Guiness, do título. Pois todas essas glórias são transitórias (sic transit gloria mundi) enquanto a arte, quando arte, é perene. Feita para se assemelhar a grandeza da natureza e não para enaltecer um homem ou um nome. 
Lembro quando Jô Soares, entrevistou B.B. King, dando muita ênfase a velocidade de Joe Satriani, Yngwie Malmsteen e Steve Vai, que deve ter sido proposital, forçando a resposta do velho:
“ - Os meninos estão procurando as notas que eu já encontrei.”
O Blues é um belo exemplo, onde a pura técnica, não vale nada. Se você não nasceu ouvindo o estilo, é preciso entender seu sistema e, depois, usar seu feeling para tocar longas notas que fazem o instrumento chorar. Já que Blues significa saudade, melancolia, tristeza...
No sistema blues a quantidade de compassos, acordes e notas usadas são sabidas previamente. Na tonalidade de Dó, cuja escala é Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si; as notas usadas no solo vão além dessas, usando as “outsides” Mib (a terceira menor), Sib (a sétima menor) e a “blue note” Fá# (quarta aumentada). 
Um conhecido Blues Boy (B.B.) Robert Johnson também ficou conhecido por fazer, além de sua música, um pacto com o diabo, para se tornar o melhor guitarrista do mundo, a história citada no filme “A encruzilhada” que teve como protagonista o ator Ralph Macchio (de Karatê kid) e Steve Vai como o guitarrista do diabo.
Aqui no Brasil os violeiros costumam colocar o guizo de uma cascavel no instrumento, para tocar mais que o violeiro a quem desafia etc... Estas histórias fazem parte do folclore, das lendas e mitos que habitam o imaginário dos fãs e trabalhadores do meio, pasmem, não apenas da música popular...
Depois de perceber que tais histórias causam mais interesse dos fãs, muitos artistas do mercado criaram lendas a sua volta e algumas vezes, para sair do status de lenda, passaram a ter atitudes escrotas para serem presos, pagar fiança e criar a imagem de bad boy, que vende...
Falando de vendas, a segmentação do mercado permitiu que existam, além de vários melhores do mundo, muitas categorias de prêmio como no Grammy. Pode se fazer música segundo um parâmetro específico, que agrada apenas a um nicho e ser o melhor do mundo naquilo.
Tais títulos são muito mais restritos do que seus nomes pretendem dizer. Muito mais contextuais à época, à cultura, ao estilo, ao mercado, ao país etc... Na década de 70, Jaco Pastorius era considerado o melhor baixista do mundo, hoje talvez seja Victor Wooten ou o Flea (do Red Hot Chilli Peppers).
Eu, particularmente, gosto dos que jogam para o time, fazendo o melhor pra música e, provavelmente, devem estar fora de qualquer pesquisa: Maurício Maestro do Boca Livre e Sir Paul McCartney dos Beatles.
O melhor é quem nós mais gostamos. Deixem os outros com suas opiniões, há espaço para todos!
Boa Copa e até a próxima!

Coluna de Maio de 2018 para o Jornal Portal

Tenho levantado constantemente, aqui na coluna, questões sobre o mercado musical, tendo sempre como intuito, provocar o pensamento crítico e questionar as “verdades”, através da compreensão dos fatos, com esperança numa profunda transformação. Para isso, trago várias perguntas e, nunca, respostas prontas.
Creio que qualquer pessoa deva, ao menos tentar, desenvolver questionamentos sobre seu lugar, suas atitudes, relações e contextos nos quais se encontra inserido socialmente. Jamais se contentando com o “porque sim” estabelecido, mas, sempre de forma crítica e, principalmente, construtiva.
O que vivemos, hoje, na música, não é exclusivo, apenas, dessa atividade, mas universal. As dificuldades, desencontros, dilemas e problemas são comuns a diversas profissões, porque não se originam das especificidades técnicas, mas, da forma como o ser humano lida com as relações profissionais e interpessoais.
Apesar de semelhantes, não somos iguais e, por isso, temos necessidades, gostos e opiniões diferentes. O que agrada a um, incomoda a outro e, de uma forma geral, a falta de flexibilidade necessária para aceitar, respeitar e conviver com opniões diferentes das que consideramos “certas” é a base dos nossos conflitos.
Há mais de dois milênios, na Grécia antiga, pensadores já discutiam os limites das liberdades, direitos e deveres, tentando chegar a um entendimento sobre a conduta de cada cidadão, pessoal e coletivamente. Tentando compreender a melhor forma de agir em suas relações pessoais e, por consequência, profissionais.
A isso, deram o nome de Ética. Obviamente, como as culturas são muito complexas e diferentes, é possível se observar variações em suas aplicações, mas nunca em seu conceito básico. Apesar de sua interpretação poder mudar, ela visa sempre a melhor forma, para todos, de se proceder em qualquer situação.
Diante disso, podemos traçar um paralelo interessante entre os problemas que vivemos nos meios profissionais, compreendendo que estes advém dos econômicos, sociais e pessoais. A música não vive, isoladamente, uma fase ruim, mas, o ser humano, praticamente de todo o globo, vive uma crise moral e ética.
Nem sempre, na história, o mercado foi nocivo. Já houve um tempo em que se trocava mercadorias que eram de interesse mútuo e, quando não eram, havia a moeda, que servia como “vale”, permitindo ao portador, trocá-la por algo de seu interesse. Obviamente, já haviam as pessoas que em vez de produzir, usavam seu tempo buscando formas de enganar outros mercadores ou driblar as regras para benefício próprio. Assim, se estabelecia o antiético e a generalização.
Hoje, em pleno 2018, vejo, crianças e adultos, inflacionando figurinhas da copa do mundo, vendendo mais caro ou trocando uma por dez. O ser humano consegue perceber o interesse alheio e tirar vantagem disso, não sei se por obra da FIFA, da própria editora ou por má índole, aplicando-lhes as “maravilhas” do mercado.
A escassez de algo, gera grande procura e, consequentemente, faz com que pessoas mais abastadas paguem mais caro, na intenção de garantir sua obtenção. Isso faz parte do antigo mercado. Porém, o novo mercado, que já estudou o antigo, cria a escassez para aumentar o preço e a procura por seu produto.
Quem acaba de entrar no mercado de trabalho, considera “regra natural” a obsolescência programada e a atualização seletiva, aplicam-nas sem dó, tornando o mundo globalizado cada vez mais predatório e distante do utópico planeta, onde haveria serviço de qualidade, feito com prazer e igualdade de oportunidades.
Na música, esta lavagem cerebral nos leva a ouvir apenas o que está na moda, afinal se não fosse bom, não estaria. Mas é bom questionar se é considerada ruim por estar na moda, ser comercial, tocar na rádio ou na TV. E é claro que a resposta será não. É preciso cuidado para que a crítica não se assemelhe a uma inveja barata.
Desde que exista um artista que, genuinamente, se propõe a fazer sua arte e um público que o prestigie, todo juízo de valor sobre ela é um ônus, exclusivo, de quem julga. O problema, não é sua existência, mas o espaço ocupado por ela, que não permite à outra, sequer, ter a oportunidade de ser mostrada.
Existem distorções nos três níveis: em relação ao mercado, essa exclusividade, cria uma imagem distorcida de que todos no planeta amam apenas uma determinada coisa. O que é desproporcional a quantidade e variedade de coisas que existem no mundo, somos 8 bilhões de pessoas e é saudável que não tenhamos o mesmo gosto, certo?
Em relação ao público, a distorção acontece quando ele, apesar de achar tudo ruim, consome o que não gosta e não se identifica, tal como acontece com as drogas, que são horríveis na mão dos bandidos, geram dinheiro sujo, corrupção e guerra, no entanto, chegam às mão de quase todos os nossos amigos.
Em relação ao artista, quando ele deixa de mostrar sua verdade, com o objetivo, exclusivo, de agradar e lucrar, existe outra distorção. Fazer para agradar é estar um passo atrás de quem agrada espontaneamente.
A verdade da arte é, em meio a tantas verdades, um ponto de vista, através do qual o artista prende e toca o público, que, por sua vez, traz sua verdade e ganha a oportunidade de enxergar, sob novo prisma, permitindo-lhe questionar suas certezas e evoluir, amadurecendo.
Para o infinito e além! Até a próxima!

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Coluna de Abril de 2018 para o Jornal Portal

Numa noite de domingo, chegando com a família de uma roda de samba em que toquei, ouvimos, ao saltar do carro, um miado, fininho, vindo de dentro da garagem. Procuramos um pouco, até chegarmos a uma caminhonete, que trazia em suas entranhas um filhotinho cinzento de gato.
Ele chamava pela mãe e não vinha, até nós, de jeito nenhum. Estava entre a caçamba e o chassis, quando tentávamos pegá-lo, ele fugia. Se equilibrava muito bem. Andando rápido entre as peças da suspensão e outras que ficam por baixo do carro. Montamos um verdadeiro esquema de salvamento, e nada.
No dia seguinte, minha filha voltou ao local, junto com outras crianças do prédio e conseguiram resgatar o bichano. Como prêmio, pela bravura ou pela sujeira da roupa e dos joelhos, ela foi agraciada, pelo dono do carro, com o pequeno felino. Que havia viajado, naquelas condições, de seu sítio em Araruama até o Grajaú.
Como o bichinho não parava de miar, o apelidamos de Tagarela. Quando criança, eu havia tido um siamês, chamado Príncipe. Agora, há cinco meses, voltei a conviver com esse animal fantástico. Quando chegou era tão pequeno que ainda andava desengonçado, mas, hoje, é um ninja disfarçado de vira-latas.
Essa sagacidade e curiosidade que o levam a, literalmente, subir pelas paredes ou entrar num sofá que não tem entrada, entre outras peripécias, me levaram a traçar mais um paralelo, agora entre gatos e gênios. Vivo procurando a melhor analogia, para quando começa aquela discussão sobre o “dom” - the gift.
Todo gato é ninja. Uns mais, outros menos, alguns perderam o condicionamento por causa das condições em que vivem. São produtos do meio, como Vygotsky gostaria que eu afirmasse. Porém, há um aparato genético que lhes dá a condição de ser ninja - a todos - como nos diria Piaget. As exceções existem, claro: Problemas genéticos, congênitos ou de enfermidades, durante a vida.
O gênio, quando nasce, é uma criança normal, um livro em branco. Cheio de potencialidades, como todos nós. A diferença, é que ele, em especial, entra em contato, muito precocemente, com algo que tem muita afinidade, gerando um circulo virtuoso de interesse, crescimento e saciedade, que chamamos de dom.
O dom, essa facilidade perceptiva e/ou motora, fruto daquela afinidade que se desenvolve e amadurece, faz com que este indivíduo esteja em franco contato com seu instinto, numa espiral constante de ascensão, enquanto viver ou lhe for permitido, assim como a fauna na natureza. Se incentivada, esta criança pode, até, sobrepujar tudo o que estamos habituados a ver.
À soma das condições biológicas e contextuais de sua época, cultura e família, dá-se o nome de vocação. É ela que permite ao gênio, apesar de toda facilidade e inclinação para o assunto, sentir-se profundamente feliz e, também, ansioso para frequentar a esperada aula, às sete da manhã de um domingo chuvoso.
A menina prodígio, Alma Deutscher, desde pequena se interessa pela música, pede ao pai que a ensine, estuda sem que ninguém peça, movida, apenas, pela sua própria vontade, algo que vem de dentro. É a sua brincadeira preferida, onde transborda realização, afeto e felicidade.
A linda inglesinha que, em Fevereiro, acabou de fazer 13 anos, toca piano desde os três e violino desde os quatro, compõe sinfonias, óperas e se apresenta em concertos profissionais. Apesar de ser considerada a reencarnação de Mozart, diz: “Eu não quero ser um segundo Mozart, quero ser a primeira Alma.”
Ela tem razão! Seria uma injustiça com o quanto ela estuda e trabalha, dizer que ela é boa porque nasceu com um dom ou porque é reencarnação de alguém. Essa visão que nos rodeia, é reducionista demais e tira o mérito de quem, apesar de ter vocação, não optou por gozar, sem antes trabalhar para merecer.
Apesar de conseguir fazer qualquer coisa, pois, o ser humano é capaz e, também, programado para aprender, não ter a sensação de realização, tem sido uma das grandes frustrações da atualidade. Uns tendem à música, outros à natação ou história e, assim, cada um deveria se perceber parte de uma função.
Nossa busca deve ser por esta sintonia. E, para isso, precisamos ouvir nossos verdadeiros desejos e respeitá-los, independente do que, socialmente, é encorajado. Antes, teríamos que ter um desempenho acima da média, para sobreviver à natureza, hoje, vivendo em sociedade, permanecemos na angústia de sobreviver, mas, a outros de nós e a nós mesmos.
Como disse o sábio Cherokee: “Todos temos, no peito, dois lobos, o que alimentamos com mais frequência, é o que se torna mais forte.”
Espero que todos tenham tido uma boa Páscoa!
Até a próxima!

Coluna de Março de 2018 para o Jornal Portal

A letra é uma extensão da própria música e faz um elo importante entre as subjetivas linguagens do som e das palavras. Apesar de concordar que muitas músicas são melhores sem letra, percebo que outras prendem mais pela mensagem de sua letra, do que, propriamente, pela música.
Bob Marley, era um artista que usava a música como veículo de suas mensagens. Mesmo tendo criado o Reggae, usava-o apenas como uma forma de fazer aquelas ideias invadirem de maneira subliminar o cotidiano das pessoas, pílulas diárias de cidadania: “Emancipe-se da escravidão mental, ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes” é o que diz na linda “Redemption Song”.
Não existe uma verdade absoluta sobre a qualidade de uma letra, mas uma necessidade dela possuir identidade, ser autêntica no que diz e na maneira de dizer. Os rótulos são formas de facilitar determinadas explicações, desde que se entenda que eles não definem, realmente, nada.
Não é porque um gênero tem mais adeptos em camadas populares que sua letra é ruim, nem o contrário. Podemos refletir mais ouvindo letras de Rap dos Racionais e de sambas do Paulinho da Viola, do que de muitos pseudo-artistas da “elite”, que dominam a língua e não têm nada de relevante ou de novo a dizer.
Um fato notório é a superioridade que os letristas brasileiros têm sobre os estrangeiros: quantas vezes, ao traduzir músicas como “Tutifrutti” ou “Ticket to ride”, percebi o quanto eram bobas e infantis. Mas que, por serem Rock, tinham uma espécie de permissão para isso. Aqui no Brasil, apesar da dedicação de alguns “artistas”, para tentar tornar nossas letras de Rock bobas, sempre teremos Renato Russo e Cazuza, metendo o dedo nas feridas... 
Letra pobre, nada tem a ver com o fato de ser simples. Temos que aprender a separar esses dois adjetivos. O simples contém verdade, mesmo que seja apenas um novo jeito de se dizer algo já conhecido. Um exemplo de simplicidade e genialidade, para não ser injusto com os estrangeiros, Lennon e McCartney, é “Hello, Goodbye”.   
Existe, ainda, um terceiro adjetivo, que advém dessa relação entre simples e pobre, que é: PODRE. Uma letra de alguém que tenta se fazer de simples usando linguagem pobre, com o objetivo de atingir o povão... Não por falta de conhecimento, mas de escrúpulo. Errando por querer, usando termos chulos, trocadilhos, humor de baixo nível, com o único propósito de ser palatável e vender.
Marchinhas de Carnaval, podem errar na dose, mas também podem ter letras muito boas. Isso depende da perspicácia do letrista em sacar o assunto a ser dito, sua capacidade de síntese, o enfoque (ponto de vista) que vai dar a ela e a musicalidade das palavras. Tudo isso é importante. Por isso, letra é diferente de poesia.
Na poesia, as palavras, frases e entrelinhas tem que se somar para trazer à luz o clima que o poeta quer. Na letra, a música já traz clima e entrelinhas, fazendo com que ela possa ser bem menos presa, embora a preocupação com sonoridade, tamanho e acentuação sejam maiores, já que as sílabas são restritas à quantidade de notas da frase e a prosódia tenha que ser a mesma da melodia.
Vinícius de Moraes era um craque nos dois campos. Conseguia, com brilhantismo, ser, nitidamente distinto, com muito mais rigor na poesia do que nas letras. E, ainda assim, era muito criticado pelos acadêmicos e intelectuais, de sua época. Não por ser gênio e fazer divinamente os dois, mas por se permitir “descer” ao popular.
O que é uma boa letra? Não existe unanimidade sobre isso. Os critérios do gosto são subjetivos. Tem a ver com as lembranças, as vivências, experiências e memórias que são evocadas por ela, pelo ritmo, melodia ou harmonia.
Assim como uma mesma música pode ser ouvida, dançada, coreografada, servir de trilha para teatro ou cinema, uma letra pode ter diversas interpretações e casar com várias situações diferentes. Não importa a verdadeira intenção do músico ou do letrista, o que importa é o que cada uma faz com o cutucão que recebe.
A arte nos faz questionar, pensar, refletir, sorrir, chorar, sentir muitas coisas, que nos provocam, nos incomodam, nos confortam e nos ajudam a entrar em contato com o mais profundo de nós. Pode nos ajudar a voltar aos trilhos, a respirar, recomeçar, ficar em sintonia. Mas sempre através do questionamento.
Quando ela passa a ser um espelho que apenas reflete o que já somos ou já fizemos e não nos dá perspectiva de nos colocarmos em novas situações ou circunstâncias inusitadas, será que ainda poderia ser chamada de arte? Ou seria apenas entretenimento?
A arte que você consome é condescendente ou te faz pensar?
Agora que o ano “começou”, vamos com tudo!!!
Até a próxima!

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Coluna de Fevereiro de 2018 para o Jornal Portal

Noutro dia, numa conversa com a Flavinha, nossa colunista de saúde e bem-viver, ela me disse que apesar de ser algo subjetivo, sentia que as pessoas que vivem com a música, têm uma forma diferente de ver e levar a vida, com percepção, consciência e atitudes melhoradas.
Além de ser uma médica super dedicada, ela tem uma relação muito intensa com a música, iniciada bem cedo e aprofundada através do estudo, a sério, do piano clássico que, por conta da faculdade, residência e do trabalho, se viu forçada a abdicar. Mas, nunca, da música.
Convém dizer que não falamos de ter a música como profissão, mas de deixá-la entrar e influenciar a vida, o convívio, a compreensão, a aceitação, a forma de se posicionar e reagir às coisas. E que, o profundo interesse, em tudo que a envolve, pode nos encantar e arrebatar.
Mais do que: apenas escutar. Se relacionar, interpretar, deixar envolver, absorver e ser absorvido. Compreender que embora tenha sido uma manifestação individual, com características do autor em sua forma, ela encerra em si, representações do coletivo, sendo capaz de provocar e expressar sentimentos de muitos. Independente do lugar e de sua época.
Ousaria dizer que música é uma questão de saúde. Do corpo e da mente. Talvez, a palavra “harmonia” consiga quase resumi-la, mas não na acepção do senso comum. Pois, na verdade, ela transcende a ideia romântica de equilíbrio, englobando, inclusive, o desequilíbrio, o medo e todos os seus rompimentos, quebras de paradigma e de ciclos, necessários a um macro equilíbrio.
Quem vive com a música, aguça, cada vez mais, sua percepção. É quase um super poder: ouvir coisas que ninguém ouve, dizer o que ninguém consegue, atingir o outro e, em última análise, se comunicar. Ainda que hajam interpretações diferentes e que a (velha) idiossincrasia seja uma condição humana, alguma ideia é multiplicada.  O que seria de nós, sem ela?
Ela está presente na nossa cultura há milênios e, nem sempre foi uma arte a ser contemplada, mas desempenhava suas funções, mais humildes, nas sociedades. Presente na marcha dos soldados, na guerra, no ritmo das remadas dos barcos, em grandes comemorações, em momentos de grande dor. Nas plantações e colheitas, no acalanto para acalmar as “criOnças” e, até, nos palcos.
Essa música trabalhadora, não exatamente artística, foi tendo sua execução substituída pelo rádio, televisão, computador, celular, tablets, etc. E, hoje, muitas pessoas vivem afastadas dessa “música viva” e do bem que ela pode proporcionar, não só a quem ouve, mas também, a quem toca, canta e dança, pois, naquele momento, estamos somados e misturados à fonte, através da qual ela jorra.
Quando a música se tornou um produto industrializado em nossa casa, “complexo” como um iogurte em nossa mesa, paramos de nos envolver com o processo e de fazer parte dele, ficando afastados e impotentes. Achando que a música é dos músicos, ou pior, da indústria - e não é! Ela é um patrimônio da humanidade.
Por isso, participar, dançar, tocar, ou cantar num coral, saber sua voz, o nome das notas, etc, nos dá intimidade com a música e traz a consciência da responsabilidade que temos com ela e de sua importância e potencial de agregar, integrar e transformar as pessoas. Não é assim que outras culturas nos são impostas, sem uso de força bruta? 
A compreensão do papel da música na sociedade é muito importante para entendermos diversos fenômenos sociais de abrangência mundial, mas conhecer suas estruturas, também me permitiu, por analogia, perceber pequenos ciclos e repetições do cotidiano, como acontece com acordes, frases e ritmos, já que a música que fazemos, reflete quem somos, mesmo inconscientemente...
Permite enxergar, sem me envolver, por exemplo, a cena corriqueira da bebida nos bares, a gritaria, as discussões sem fim, onde ninguém ouve, nem permite que o outro fale, afinal, só quer repetir e ouvir suas próprias “verdades”.
Os envolvidos, sentem que vão resolver os problemas do mundo, mas tudo não passa de um transe, que anestesia e retarda o cair da ficha, até o dia do despertar, mais velho, mais cansado e oprimido e com os mesmos problemas em aberto...
Por isso, minha dica para aproveitar o Carnaval com menos problemas: menos álcool, menos expectativas, mais música e tranquilidade, preservando nossa harmonia entre corpo e mente (e espírito, aos que crêem).
Me atrevi a juntar música e saúde, nesse texto, em homenagem a minha amiga Flavia Ramirez. Para nossa colunista, agora internacional, tudo de melhor! Muita paz, saúde e música (que são quase a mesma coisa)!
Até a próxima!

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Coluna de Janeiro de 2018 para o Jornal Portal

Uma das coisas mais impressionantes e, também, triviais do universo é o equilíbrio. As galáxias, sistemas solares, a natureza, os ecossistemas, as partículas e toda a vida encontram-se em equilíbrio.
Quando experimentamos um desequilíbrio, experimentamos, também, enormes movimentos, num esforço para desfazê-lo. Até mesmo, socialmente, percebemos que um sistema mais igualitário é mais harmônico.
Na música não é diferente, já que ela é uma expressão do ser humano e, até, do planeta, se pensarmos nos sons da natureza. Pelo fato da música humana ter menos elementos, seu desequilíbrio ainda é mais notório.
Antes de falar da música em si, podemos lembrar de uma experiência sonora que, provavelmente, todos já tivemos - com o equalizador, presente em quase todos os equipamentos de som, domésticos ou automotivos - um aparelho feito para igualar as freqüências geradas num ambiente.
A ideia não era de aumentar os graves das caixas de som de um carro e passear tocando funk no volume máximo ou fazer as janelas do vizinho trepidarem, quando alguém fosse ouvir música no quarto. Mas, a princípio, cortar as freqüências (notas) que sobram e apitam, mantendo todas em igualdade, pois uma é tão importante quanto as outras.
Outra ideia de equilíbrio vem da repetição. Sabe aquele ar condicionado barulhento, aquele som chato do ventilador ou da panela de pressão? Nossa percepção foi programada para “desligar” para tudo que é constante. Pois tudo isso desviaria, desnecessariamente, a atenção.
Mas o compositor ou intérprete, quer fisgá-la e prendê-la. Por isso, cria variações, oscilações, momentos inusitados e paradoxais. Nada melhor do que os opostos, tão distantes, para nos chamar a atenção e manter a percepção em vigília.
Porém, é preciso equilíbrio. Às vezes, buscando atingir o espectador, o artista “erra na mão” e carrega no tempero. O termo temperar, antes de ser usado para a comida, era usado para a água, já que alterando gradualmente sua temperatura, podemos suportar extremos. Mas as coisas precisam funcionar harmoniosamente, para que não haja repulsa ou desinteresse. A busca por essa medida é busca pela proporção.   
A palavra contraponto é desgastada no meio musical, por ter se tornado uma técnica específica de se responder a melodia com outra melodia. Mas a ideia de contrapor é a maneira mais comum de se equilibrar uma composição ou arranjo, buscando sempre, a cada momento, um peso igual no outro lado da balança.
Raul Seixas dizia na sua música “Números”: “E no dois o homem luta entre coisas diferentes; bem e mal; amor e guerra; preto e branco; bicho e gente; rico e pobre; claro e escuro; noite e dia; corpo e mente”.
Pergunta e resposta, muito e pouco, tudo e nada... Essa dualidade é antiga, mas não precisa ser um duelo, já que a ideia da média, serve para quase tudo em nossa vida: Usar os opostos para nos equilibrarmos e saber que estão em harmonia, complementando-se e fundindo-se.
Na música, podemos pensar que silêncio e som são opostos. Que também podem advir do rítmo, como tempo e contratempo. Da dinâmica, como fraco e forte. Da altura, como grave e agudo. Do volume, como alto e baixo. Do timbre, como doce e aspero, etc.
Até mesmo sobre um repertório, é comum usar o equilíbrio como ferramenta, contrapondo momentos mais calmos e mais agitados, reflexivos e explosivos, românticos e politizados.
Siddartha Gautama, o Buda, ouviu um professor de música explicando ao seu aluno: “Se esticar demais a corda, ela arrebenta. Se não esticar o suficiente, não toca.” E depois de abandonar a riqueza do palácio de seu pai, onde era príncipe e ficar anos isolado meditando, comendo pouco, como um eremita, criou sua filosofia sobre essa ideia: evitar os extremos - “O Caminho do meio”.
Que nesse novo ciclo, estejamos mais próximos do equilíbrio!
Feliz ano novo! Um grande abraço!
Até a próxima!