sábado, 1 de dezembro de 2018

Coluna de Outubro de 2018 para o jornal Portal

Esses dias, minha filha veio me perguntar se o Zeca cantava samba ou pagode. Diante de pergunta tão inusitada, quis saber melhor o porquê da dúvida. E ela explicou-me que, o irmão, lhe havia dito: “Assim é a vida: “Karatê Kid” é um filme sobre Kung-Fu e Zeca Pagodinho, canta samba.”

Sobre o filme, apesar do “Karatê Kid” original, de 1984, ser uma história que tem o Karatê como pano de fundo, o filme homônimo, de 2010, do qual falavam, não é um remake e, sim, uma história similar que se passa na China e tem, realmente, o Kung-fu como tema. Apesar de errado, é o nome verdadeiro do filme...

Para responder a pergunta, fiz um resumo da história que conheço, com o objetivo de mostrar diversos movimentos que culminaram no que vivemos hoje.

Cada um de nós, artista ou não, traz, dentro de si, influências de tudo que viu e ouviu. Desde as coisas que buscamos, às que assimilamos por “osmose” ou por acidente. Mesmo assim, apesar dos gostos serem únicos, nossas experiências humanas similares, geram identificação, em graus e intensidades diferentes.

A partir daí, podemos entender que cada nova geração, terá representantes que afirmarão seus pontos-de-vista, seja enaltecendo ou se opondo aos anteriores.

Na Europa, pagode é um tipo de dança. No Brasil, é uma roda de música, regada a farta bebida e comida. Um evento informal, num momento de folga e lazer dos profissionais confraternizando-se, também, com os amadores e apreciadores. Narrado por Paulinho da Viola e Elton Medeiros, no partido “Pagode do Vavá”.

O partido alto é um tipo de samba, com refrão central muito forte, que determina o tema sobre o qual os “partideiros” irão versar. Como é improvisado, o que temos acesso, nos discos e apresentações, é uma edição dos melhores momentos e versos. Outros exemplos são: “Iaiá”, “Bagaço da laranja”,”SPC”...

Quando o samba passou a ser considerado patrimônio nacional, os instrumentos de escola de samba, foram se readaptando às rodas e palcos. Para que não abafassem os de corda, era necessário que não estivessem na mesma quantidade e sua sonoridade fosse mais baixa e apurada do que na avenida.

Até então, essas adaptações eram pontuais, mas na década de 80, o Fundo de Quintal, tornou-se uma roda de samba notória - um pagode às Quartas-feiras, na quadra do Cacique de Ramos - onde se juntavam milhares de pessoas. Naquele contexto cultural, social e econômico, a palavra (pagode) ganhou fama.

A harmonia era pós Bossa Nova, as composições próprias, com letras inteligentes, trazendo crônicas atualizadas do cotidiano do samba, do subúrbio e de um Brasil que sofre, mas que, ainda assim, reage com humor e ironia. Sua melodia descendia do Choro, do Samba-Canção e de todo nosso rico cancioneiro popular.

Ali, se agregou a sonoridade do banjo, introduzido por Almir Guineto, um cavaco com corpo de banjo; o tantã, trazido por Neoci, que é um atabaque de corpo cilíndrico e o repique de mão, trazido por Ubirani, que é um repique de vara ou repinique, sem a pele de resposta, tocado com a ponta dos dedos.

Os conjuntos formados a partir de então, passaram a usar essa instrumentação e se auto intitularam grupos de pagode. Mas não tinham apenas o samba como influência, também ouviam os descendentes do “Som da Motown”: Soul, R&B, Charme, Gospel, Disco e toda a “Black music” que, naquele momento, culminava na música POP, tendo como seu principal representante, Michael Jackson.

Dessa mistura, surgiu, na década de 90, um novo jeito de se fazer samba, denominado, por alguns críticos, de PAGODE - agora como gênero musical - que seria o POP brasileiro, com muitos “hits”, grande profusão de artistas, super cachês, discos de ouro e platina, mas de duração muito efêmera.

As letras passaram a ter uma temática estritamente romântica, perdendo a veia crítica e a capacidade de formar e informar. Sua instrumentação passou a ter teclado e saxofone (muitas vezes sem cavaco e pandeiro) e sua harmonia e melodia seguiram a linha do POP, menos variada e mais repetitiva.

Essa música mais fácil, romântica, ao ritmo de samba, teve uma popularidade imensa e criou muitos adeptos e, também, muitos desafetos. Quem era beneficiado via o movimento como uma evolução, os que saiam de cena, sentiam-se roubados, apesar das tentativas de amenizar a polêmica em torno do assunto.

A postura da maioria dos sambistas foi a de se manter como resistência cultural, voltando a chamar a reunião de roda de samba. Grupos como o Revelação, mantiveram firme seu propósito de revelar novos talentos e de resgatar os antigos e, assim, artistas que viveram para o samba, puderam voltar à tona.

Quando se gosta de samba, não é raro ouvir casos sobre um sambista que se ofendeu ao ser chamado de pagodeiro e, muitas vezes, nem é possível alcançar o teor da discussão, pois, os fatos e personagens, que permitiriam compreender as diferenças, não são conhecidos. Por isso, é bom ouvir as histórias.

Dentro do samba, porém, existem muitos que não ligam para tais rótulos, importando-se, apenas, com as realizações e postura dos artistas e se sua música é boa. Zeca Pagodinho, um dos maiores partideiros de que se têm notícia, é, realmente, compositor e cantor de sambas e partido alto.

Salve a boa música!!! Até a próxima!!!

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