quinta-feira, 19 de abril de 2018

Coluna de Março de 2018 para o Jornal Portal

A letra é uma extensão da própria música e faz um elo importante entre as subjetivas linguagens do som e das palavras. Apesar de concordar que muitas músicas são melhores sem letra, percebo que outras prendem mais pela mensagem de sua letra, do que, propriamente, pela música.
Bob Marley, era um artista que usava a música como veículo de suas mensagens. Mesmo tendo criado o Reggae, usava-o apenas como uma forma de fazer aquelas ideias invadirem de maneira subliminar o cotidiano das pessoas, pílulas diárias de cidadania: “Emancipe-se da escravidão mental, ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes” é o que diz na linda “Redemption Song”.
Não existe uma verdade absoluta sobre a qualidade de uma letra, mas uma necessidade dela possuir identidade, ser autêntica no que diz e na maneira de dizer. Os rótulos são formas de facilitar determinadas explicações, desde que se entenda que eles não definem, realmente, nada.
Não é porque um gênero tem mais adeptos em camadas populares que sua letra é ruim, nem o contrário. Podemos refletir mais ouvindo letras de Rap dos Racionais e de sambas do Paulinho da Viola, do que de muitos pseudo-artistas da “elite”, que dominam a língua e não têm nada de relevante ou de novo a dizer.
Um fato notório é a superioridade que os letristas brasileiros têm sobre os estrangeiros: quantas vezes, ao traduzir músicas como “Tutifrutti” ou “Ticket to ride”, percebi o quanto eram bobas e infantis. Mas que, por serem Rock, tinham uma espécie de permissão para isso. Aqui no Brasil, apesar da dedicação de alguns “artistas”, para tentar tornar nossas letras de Rock bobas, sempre teremos Renato Russo e Cazuza, metendo o dedo nas feridas... 
Letra pobre, nada tem a ver com o fato de ser simples. Temos que aprender a separar esses dois adjetivos. O simples contém verdade, mesmo que seja apenas um novo jeito de se dizer algo já conhecido. Um exemplo de simplicidade e genialidade, para não ser injusto com os estrangeiros, Lennon e McCartney, é “Hello, Goodbye”.   
Existe, ainda, um terceiro adjetivo, que advém dessa relação entre simples e pobre, que é: PODRE. Uma letra de alguém que tenta se fazer de simples usando linguagem pobre, com o objetivo de atingir o povão... Não por falta de conhecimento, mas de escrúpulo. Errando por querer, usando termos chulos, trocadilhos, humor de baixo nível, com o único propósito de ser palatável e vender.
Marchinhas de Carnaval, podem errar na dose, mas também podem ter letras muito boas. Isso depende da perspicácia do letrista em sacar o assunto a ser dito, sua capacidade de síntese, o enfoque (ponto de vista) que vai dar a ela e a musicalidade das palavras. Tudo isso é importante. Por isso, letra é diferente de poesia.
Na poesia, as palavras, frases e entrelinhas tem que se somar para trazer à luz o clima que o poeta quer. Na letra, a música já traz clima e entrelinhas, fazendo com que ela possa ser bem menos presa, embora a preocupação com sonoridade, tamanho e acentuação sejam maiores, já que as sílabas são restritas à quantidade de notas da frase e a prosódia tenha que ser a mesma da melodia.
Vinícius de Moraes era um craque nos dois campos. Conseguia, com brilhantismo, ser, nitidamente distinto, com muito mais rigor na poesia do que nas letras. E, ainda assim, era muito criticado pelos acadêmicos e intelectuais, de sua época. Não por ser gênio e fazer divinamente os dois, mas por se permitir “descer” ao popular.
O que é uma boa letra? Não existe unanimidade sobre isso. Os critérios do gosto são subjetivos. Tem a ver com as lembranças, as vivências, experiências e memórias que são evocadas por ela, pelo ritmo, melodia ou harmonia.
Assim como uma mesma música pode ser ouvida, dançada, coreografada, servir de trilha para teatro ou cinema, uma letra pode ter diversas interpretações e casar com várias situações diferentes. Não importa a verdadeira intenção do músico ou do letrista, o que importa é o que cada uma faz com o cutucão que recebe.
A arte nos faz questionar, pensar, refletir, sorrir, chorar, sentir muitas coisas, que nos provocam, nos incomodam, nos confortam e nos ajudam a entrar em contato com o mais profundo de nós. Pode nos ajudar a voltar aos trilhos, a respirar, recomeçar, ficar em sintonia. Mas sempre através do questionamento.
Quando ela passa a ser um espelho que apenas reflete o que já somos ou já fizemos e não nos dá perspectiva de nos colocarmos em novas situações ou circunstâncias inusitadas, será que ainda poderia ser chamada de arte? Ou seria apenas entretenimento?
A arte que você consome é condescendente ou te faz pensar?
Agora que o ano “começou”, vamos com tudo!!!
Até a próxima!

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