sábado, 1 de dezembro de 2018

Coluna de Dezembro de 2018 para o Jornal Portal

Cursando psicologia, tive a oportunidade de estudar um pouco sobre dinâmica de grupo. Que busca ser uma ferramenta para que os profissionais, possam visualizar como se dão as relações entre pessoas de um grupo e possam buscar meios de revitalizá-las, conscientizando os envolvidos, através de atividades.

Essas atividades, que podem ser trabalhos, jogos colaborativos, entre outras, buscam identificar conflitos e fazer o próprio grupo compreender seus motivos, analisando, criando consciência e discutindo formas de solucioná-los.

Acredito que esta forma analógica de aprendizado funciona muito bem, porque enxergo na natureza inúmeras metáforas. Quanto mais aprofundamos, mais podemos observar tais analogias, que vem desde os números Fi e Pi, passando pelo modelo atômico, a gravidade, os astros, sistemas solares e galáxias.

A educação finlandesa, tão em voga, que prefere preparar os alunos para vida e não para as provas, baseia-se nas analogias da natureza e na forma como nós, que somos parte dela, precisamos estruturar nossos pensamentos para poder compreendê-la, da forma que nos é possível, já cientes de nossa falibilidade.

John Rutter, maestro e compositor de música sacra para coral, defende a importância da existência dos corais em escolas, igrejas e entidades de todo o tipo, justamente, devido à força simbólica que a música, vivida através do canto têm, como reforço positivo, ou círculo virtuoso.
Ele vê a música como uma grande árvore, no centro da humanidade, com galhos estendidos em todas às direções, capaz de nos alimentar de valores cada vez mais sublimes, que vão além dela própria, e só nos engrandecem.
Saímos renovados depois de passar algumas horas cantando em grupo, vivenciando a harmonia e esquecendo nossos problemas. Cantar pode transformar dias ruins, fases ruins e, até mesmo, vidas ruins, através do simples fato de realizar algo em grupo, revelando que se envolver, é a verdadeira vocação humana.
Os políticos e educadores deveriam estar atentos aos fenômenos da música que nos faz transcender e ensina a viver através de sua prática e, na visão do maestro, o canto coral seria a ferramenta mais poderosa e, porque não, a melhor dinâmica de grupo. Por isso, deveria gerar interesse e receber investimento.
Um álbum é o resultado de horas de criação, gravação e ensaio, trabalho que une música, músicos, técnicos e tecnologia e, assim como um filme, pode nos levar a resultados incríveis, desde que se consiga vislumbrá-los para, depois, tentar transformá-lo em realidade.

Uma apresentação ou show, também é fruto de criação e ensaio, precisa de músicos, técnicos e de tecnologia, porém, depende do que seja passível de se executar ao vivo. Muitas vezes não é possível repetir o que foi feito no estúdio, em sucessivas camadas de gravações.

Uma orquestra, depende dos músicos e de seus instrumentos, das horas de criação e ensaio, mas não precisa de tecnologia, nem de técnicos para que possa se apresentar.

Um coral, depende das horas de criação e ensaio e, nele podemos ouvir ritmo, melodia e harmonia, em arranjos complexos, provando que os instrumentos, são, apenas ferramentas, através das quais, nos expressamos.

Este exercício de desconstruir a noção contemporânea do que chamamos de música, é necessário para que possamos refletir e entender que não é preciso nada, além de seres humanos (em grupo), para que ela exista e possa ser executada. É o formato mais natural da música que vem de dentro de nós.

Mas o coral não é apenas isso. Ele representa, tudo o que deveríamos ser como sociedade: atentos a harmonia, conscientes de que nossa parte, por mais simples que pareça, tem efeito no resultado final. Mantendo-nos motivados, sempre, a focar no objetivo comum a alcançar.

Perceber que é fundamental ajudar quem tem mais dificuldade, com a humildade de quem já errou e com a certeza, trazida pela experiência, de que, só em grupo, será possível ganhar, pois, ao contrário do esporte, não há pódio. Ou todos vencem ou todos perdem e se não pulsarmos juntos, o arranjo não funciona.

Então, compreendemos que um coral realiza seu trabalho, quando esse propósito maior, coletivo e universal nos guia. Depois do acorde final, temos a certeza da beleza da canção, do arranjo, do trabalho, do companheirismo, da unidade, do resultado apresentado e experimentado por cada indivíduo e pelo grupo.
  
“Be thou my vision” de John Rutter and Cambrige Singers, pode ser facilmente encontrado na rede e é um disco lindíssimo. Tem tudo a ver com as festas de fim de ano, ouçam sem moderação! E manerem nos excessos!

Com a esperança de que seremos, cada vez mais, um verdadeiro coral:
Feliz Natal e até próxima!

Coluna de Novembro de 2018 para o Jornal Portal

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Essa questão filosófica e retórica, não precisa de resposta, muito menos, de acerto. Afinal, apenas os debates que suscita, por si só, já podem ser muito esclarecedores e edificantes. Servindo, até, de fagulha para grandes obras. Como em Hamlet: ser ou não ser?
A arte, num sentido mais simples, é o fruto de vivências. Que geram sentimentos, expressos por quem passa por alguma situação, seja vivendo, convivendo, observando ou interpretando, a seu modo, com base, também, nas suas próprias vivências, o que se passa com o próximo.
Obviamente, por ser subjetiva, não explica nada, apenas, oferece gratuitamente, material para que possamos amassar e dar a forma que quisermos. Matéria abstrata, que transformamos à nossa moda, que ruminamos até tirar dela alguma, ou nenhuma conclusão. Sorvendo ou cuspindo.
Pode nos ajudar a suportar determinados momentos; ser o apoio numa situação difícil; o incentivo para realizar algo; pode impelir à dança; nos chacoalhar em uma comemoração; ser companhia em momentos de profunda meditação; nos emocionar, imaginando e sentindo algo que nunca vivemos ou iremos viver...
Serve para tirar o peso dos meus ombros e me fazer voar, voltar à nascente, ser criatura que também pode criar, e, sentir que estou, exatamente, no lugar em que deveria estar. E, então, rever objetivos, replanejar o vôo, reafirmar compromissos e recomeçar a jornada.
Pensavam os Gregos: é em contato com as musas da arte, que nos sentimos completos, podendo recordar, do barro que viemos e para onde voltaremos e, também, da nossa imperfeição. Somos conectados por ela, e, por alguns instantes, fugidios, nos sentimos plenos. Cumprindo nosso papel na grande colmeia.
Imitando a vida, a arte nos ensina, através de parábolas e metáforas. Permitindo-nos visitar lugares onde nunca iremos; viver e ver, coisas que jamais, viveríamos, veríamos ou nos seriam permitidas. Por isso, ela é, para nós, um prévio ensaio, onde só o bom aluno, consegue vivenciar a realidade.
Na música, a sensação de todo, vem da harmonia. Nos aspectos de acordes, movimentos, quantidades e famílias. Um acorde pode ser comparado à empatia: notas diferentes, trabalhando num esforço conjunto, por um mesmo objetivo.
Uma tríade de Dó, chamada assim por possuir três notas (ou vozes), é formada pelas notas Dó, Mi e Sol. Seus movimentos, criam melodias paralelas, que complementam a principal, e, geram o chamado acompanhamento.
Numa orquestra ou coral, é impressionante e emocionante ouvir uma música tocada ou cantada em uníssono (todos na mesma nota), materializar a força e o poder de um grupo, com um só ímpeto, de vento, trovão, relâmpago ou fogo...
Quando em vozes distintas, normalmente separadas por características e altura, é possível reparar a beleza entre suas relações de semelhança e diferença, justa e contraposição, criando momentos de tensão e relaxamento, gerando uma sequência contínua e duradoura de emoções.
A música, ensina a beleza e a importância das diferenças, a força poderosa da união e do propósito. Libertando nossa alma, nos levando como folha ao vento, como barco à deriva, sem temores e medos, apenas com a certeza da aventura.
Compositor e maestro, são responsáveis pela criação, planejamento e condução, mas se torna clara, a necessidade da cooperação e participação de todos, pois cada pequeno instrumento ou voz, que pode parecer insignificante, é fundamental, no momento certo e oportuno.
Encontrei, no YouTube, o registro em vídeo, de um trabalho muito bonito, da escola de música dinamarquesa, Ollerup Eftenskole, que em vários anos, fez um arranjo para coral, com alunos, para a música Bohemian Rapsody, do Queen. Recomendo que vejam. É, de verdade, muito emocionante!
Assistir a isso é bom, nesta época, de extremo egocentrismo e polarização, para recordar o quanto esse comportamento é prejudicial, seja na área que for. Desprezar a opinião alheia, tratando-a como falta de inteligência ou como maldade é, no mínimo, uma grande demonstração de soberba e de falta de empatia.
Não vivemos a mesma realidade de ninguém, por isso, é necessário tratar as diferenças com muito respeito. Ver, além das aparências, o que as pessoas, realmente, almejam e querem dizer, sem frases prontas. E, assim, enxergar que há muito mais coisas para nos unir, do que para nos separar.
Aos que julgam inteligente a capacidade de discutir sobre tudo, lembro que, a humildade é, sempre, a maior sabedoria. É saber calar, evitando ecoar o ódio que se propaga e, em silêncio, perceber que os “cabeças”, não têm bandeiras, beneficiando-se em qualquer cenário, e, mais ainda, nesta condição de apartados a que chegamos. Como diria Paulo Leminski: “O poder é o sexo dos velhos.”
Faço um convite aos que ainda amam: Vamos imitar a arte e viver em harmonia?
Até a próxima!

Coluna de Outubro de 2018 para o jornal Portal

Esses dias, minha filha veio me perguntar se o Zeca cantava samba ou pagode. Diante de pergunta tão inusitada, quis saber melhor o porquê da dúvida. E ela explicou-me que, o irmão, lhe havia dito: “Assim é a vida: “Karatê Kid” é um filme sobre Kung-Fu e Zeca Pagodinho, canta samba.”

Sobre o filme, apesar do “Karatê Kid” original, de 1984, ser uma história que tem o Karatê como pano de fundo, o filme homônimo, de 2010, do qual falavam, não é um remake e, sim, uma história similar que se passa na China e tem, realmente, o Kung-fu como tema. Apesar de errado, é o nome verdadeiro do filme...

Para responder a pergunta, fiz um resumo da história que conheço, com o objetivo de mostrar diversos movimentos que culminaram no que vivemos hoje.

Cada um de nós, artista ou não, traz, dentro de si, influências de tudo que viu e ouviu. Desde as coisas que buscamos, às que assimilamos por “osmose” ou por acidente. Mesmo assim, apesar dos gostos serem únicos, nossas experiências humanas similares, geram identificação, em graus e intensidades diferentes.

A partir daí, podemos entender que cada nova geração, terá representantes que afirmarão seus pontos-de-vista, seja enaltecendo ou se opondo aos anteriores.

Na Europa, pagode é um tipo de dança. No Brasil, é uma roda de música, regada a farta bebida e comida. Um evento informal, num momento de folga e lazer dos profissionais confraternizando-se, também, com os amadores e apreciadores. Narrado por Paulinho da Viola e Elton Medeiros, no partido “Pagode do Vavá”.

O partido alto é um tipo de samba, com refrão central muito forte, que determina o tema sobre o qual os “partideiros” irão versar. Como é improvisado, o que temos acesso, nos discos e apresentações, é uma edição dos melhores momentos e versos. Outros exemplos são: “Iaiá”, “Bagaço da laranja”,”SPC”...

Quando o samba passou a ser considerado patrimônio nacional, os instrumentos de escola de samba, foram se readaptando às rodas e palcos. Para que não abafassem os de corda, era necessário que não estivessem na mesma quantidade e sua sonoridade fosse mais baixa e apurada do que na avenida.

Até então, essas adaptações eram pontuais, mas na década de 80, o Fundo de Quintal, tornou-se uma roda de samba notória - um pagode às Quartas-feiras, na quadra do Cacique de Ramos - onde se juntavam milhares de pessoas. Naquele contexto cultural, social e econômico, a palavra (pagode) ganhou fama.

A harmonia era pós Bossa Nova, as composições próprias, com letras inteligentes, trazendo crônicas atualizadas do cotidiano do samba, do subúrbio e de um Brasil que sofre, mas que, ainda assim, reage com humor e ironia. Sua melodia descendia do Choro, do Samba-Canção e de todo nosso rico cancioneiro popular.

Ali, se agregou a sonoridade do banjo, introduzido por Almir Guineto, um cavaco com corpo de banjo; o tantã, trazido por Neoci, que é um atabaque de corpo cilíndrico e o repique de mão, trazido por Ubirani, que é um repique de vara ou repinique, sem a pele de resposta, tocado com a ponta dos dedos.

Os conjuntos formados a partir de então, passaram a usar essa instrumentação e se auto intitularam grupos de pagode. Mas não tinham apenas o samba como influência, também ouviam os descendentes do “Som da Motown”: Soul, R&B, Charme, Gospel, Disco e toda a “Black music” que, naquele momento, culminava na música POP, tendo como seu principal representante, Michael Jackson.

Dessa mistura, surgiu, na década de 90, um novo jeito de se fazer samba, denominado, por alguns críticos, de PAGODE - agora como gênero musical - que seria o POP brasileiro, com muitos “hits”, grande profusão de artistas, super cachês, discos de ouro e platina, mas de duração muito efêmera.

As letras passaram a ter uma temática estritamente romântica, perdendo a veia crítica e a capacidade de formar e informar. Sua instrumentação passou a ter teclado e saxofone (muitas vezes sem cavaco e pandeiro) e sua harmonia e melodia seguiram a linha do POP, menos variada e mais repetitiva.

Essa música mais fácil, romântica, ao ritmo de samba, teve uma popularidade imensa e criou muitos adeptos e, também, muitos desafetos. Quem era beneficiado via o movimento como uma evolução, os que saiam de cena, sentiam-se roubados, apesar das tentativas de amenizar a polêmica em torno do assunto.

A postura da maioria dos sambistas foi a de se manter como resistência cultural, voltando a chamar a reunião de roda de samba. Grupos como o Revelação, mantiveram firme seu propósito de revelar novos talentos e de resgatar os antigos e, assim, artistas que viveram para o samba, puderam voltar à tona.

Quando se gosta de samba, não é raro ouvir casos sobre um sambista que se ofendeu ao ser chamado de pagodeiro e, muitas vezes, nem é possível alcançar o teor da discussão, pois, os fatos e personagens, que permitiriam compreender as diferenças, não são conhecidos. Por isso, é bom ouvir as histórias.

Dentro do samba, porém, existem muitos que não ligam para tais rótulos, importando-se, apenas, com as realizações e postura dos artistas e se sua música é boa. Zeca Pagodinho, um dos maiores partideiros de que se têm notícia, é, realmente, compositor e cantor de sambas e partido alto.

Salve a boa música!!! Até a próxima!!!