terça-feira, 27 de junho de 2017

Coluna de Junho/ 2017 para o jornal Portal

1º Ato: O colunista faz uma maratona de Woody Allen, assistindo vários de seus filmes que estão disponíveis no Netflix. E, devido à variedade de tramas, conduções e desfechos, fica com vontade de falar sobre algo que está presente em quase toda forma de arte, que é o discurso.
O discurso, que está presente na retórica, poesia, literatura, cinema, teatro, dança e música, contém um tema, que é o quê se quer dizer sobre; um mote, que é o modo de dizer e um contexto, que sustentará todos os argumentos. Mesmo o mais simples discurso, carrega a noção de início, meio e fim e, para organizar as ideias, a ferramenta mais usada é o roteiro.
Syd Field, dizia que, para um roteiro de filme ser atraente, deveria ter 120 páginas, com filmagem de um minuto cada, dividido em 3 atos, e isto se tornou um paradigma. Mas a narrativa não deve seguir fórmulas, que transformariam a criação em mera repetição, por isso, o roteiro é um esboço de ideias que deve ser sempre questionado, melhorado e transcendido.
Em “Memórias póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, o livro se inicia com o próprio escritor-narrador defunto contando seu fim. Músicas podem começar pela introdução ou pelo refrão, filmes pela cena final e, como numa recordação, nos levar a conhecer toda a história. Podem possuir uma linha cronológica fragmentada, de forma que, apenas no final, seja possível compreender a trama. São muitas as possibilidades...
2º Ato: Quanto mais o colunista pensa em arte, mais vê a semelhança entre seus discursos, mesmo se tratando de formas distintas de expressão... Assim como a humanidade do autor o leva a criar, colocando para fora seus sonhos, frustrações, alegrias e tristezas, esta mesma humanidade, presente em quem o aprecia, permite a identificação, mesmo que seja por enxergar em tal obra, algo que nem o criador enxergou.
Joseph Campbell estudou as semelhanças entre mitos e religiões de todo o mundo, buscando o DNA humano que as aproxima e escreveu vários livros sobre o assunto, entre eles “O herói de mil faces”, onde identificou um roteiro comum a todos os mitos, que chamou de “A jornada do herói”. Ela se divide em doze passos: Mundo comum; Chamado à aventura; Recusa ao chamado; Encontro com o mentor; Travessia do primeiro limiar; Testes, aliados e inimigos; Aproximação da caverna oculta; Provação suprema; Recompensa; Caminho de volta; Ressureição e Retorno com o elixir.
Como na música, o herói quer resolver os problemas que o tiraram da rotina e, então, voltar ao seu mundo comum ou acorde final (repouso). Os arquétipos de Herói, Sombra, entre outros, usados no livro, são de Carl Jung, ex-discípulo de Freud. Eles divergiram sobre o inconsciente, que para Freud, era individual e para Jung, coletivo. Só um inconsciente coletivo, torna a jornada do herói, passível de identificação e sentido para qualquer pessoa.
Christopher Vogler, escreveu um livro chamado “A jornada do escritor”, baseado no trabalho de Campbell e considerado uma leitura obrigatória para os roteiristas. Nele, o autor mostra várias semelhanças entre roteiros de filmes consagrados como “Star Wars, Rei Leão e Mágico de Oz”, quando comparados aos 12 passos da jornada do herói e ao paradigma de Syd Field. As duas ideias somadas, criam um útil croqui ou crivo para um bom roteiro.  
3º Ato: Por mais que o colunista não pense em roteiro ao ler, ouvir música ou ver um filme, afinal quer apenas se deixar levar, envolver e entrar em contato com a fonte, na maioria das vezes, se vê entre 8 ou 80, preso à teia de acontecimentos dos famosos enlatados, que levam ao melado “final feliz” ou ao amargo, trágico fim, apesar de haver tantos sabores entre eles.
Woody Allen, também roteirista e músico, explora muito bem outras sensações, finais não óbvios, sentimentos opostos pela mesma personagem, que nos cativa e depois desaponta. Inverte estereótipos, cria tensões que, depois, percebemos não serem bilaterais. Tudo, para fazer o espectador sair da zona de conforto.
Para o colunista ele lembra um regente conduzindo seu quarteto.
Inclusive, seu filme de quatro histórias, soa como tal: A melodia é a trama principal, que se movimenta mais; a segunda voz, contracena com ela; o baixo dá o chão (ou tira, com suas inversões) e a terceira voz (“tortinha” como diria Magro Waghabi), se movimenta menos, usando notas comuns e atalhos, jogando pro time e ficando menos aparente. Pode-se comparar o lapso temporal em algumas histórias, a uma rearmonização ou cânone.

Outro maestro, Schoenberg, em seu livro de harmonia, fala sobre a necessidade de buscar sempre novos cenários, aventurando o tema. Ele foi o criador do dodecafonismo, um dos sistemas que rompeu o roteiro de tensão e repouso do Tonalismo.
Mesmo depois de tudo que foi pensado e escrito pelo colunista, percebemos que, às vezes, o que não é clichê lhe causa grande estranheza e ele deseja, apenas, mais do mesmo. Então digita: “Até a próxima!” e enviar.
Fim

Coluna da Maio/ 2017 para o Jornal Portal

Esses dias, revendo o “Programa Ensaio” do Djavan, concebido e dirigido pelo Fernando Faro, onde o artista em foco, responde às perguntas que não ouvimos e que vão montando um mosaico da sua vida, me atentei a uma resposta que não tinha percebido antes, na qual dizia que seu álbum “Meu lado” tinha sido o de menor expressão e senti um tom de “ faz parte, temos altos e baixos.”
Fiquei impressionado, pois, em minha opinião, além de ser um dos melhores discos de sua carreira, é um dos melhores que já ouvi, em termos de repertório, levadas, arranjos, timbres e expressão de swing e brasilidade. Sempre foi, para mim, junto com seu outro álbum “Novena” uma referência de concepção de disco, um Norte para tudo que faço. Como explicar isso? Se eu pudesse me tornar o Djavan que gosto, seria um Djavan que, para ele mesmo, não deu muito certo.
Será que é verdade que é preciso vender milhões de cópias e tocar na rádio para dar certo? Todos os meus amigos músicos amam esse álbum. Só por isso, já não teria dado certo? Será que ele tem consciência disso? Talvez isso mudasse sua concepção sobre o disco. Isso me fez pensar sobre idiossincrasia.
Ter a consciência de que somos portadores de uma pequena fração da verdade é muito importante. A nossa verdade é fruto do que conseguimos enxergar, relacionar e, consequentemente, interpretar para reagir. Porém, nunca teremos consciência de sua plenitude, de toda influência que recebemos, nem que exercemos a nossa volta. Por isso, somos o parâmetro e os outros, o termômetro.
Estar atento a opiniões diferentes pode nos fazer crescer e expandir nossos horizontes e limites. Ao exercitar a empatia, nos colocando no lugar do outro e entendendo seus pontos de vista e motivações, podemos nos repensar e reestruturar. Assim, fortalecemos nossa visão anterior, se nada do que foi dito nos valer. Aprumamos nossa direção, se os equívocos do outro, forem usados como dicas de como não proceder. Tornamo-nos mais acertivos e confiantes em nossa caminhada, se percebemos que dividimos muitas ideias semelhantes com alguém que já atingiu um objetivo que buscamos. Ou, até, percebemos que estamos totalmente equivocados e que, a partir dali, será preciso reavaliar e recomeçar.
No entanto, devemos nos atentar, pois todos somos influenciados e influenciamos naturalmente, por isso, ouvir uma opinião - que muitas vezes vem sob a forma de crítica - não nos obriga a mudar ou aceitá-la. Trata-se apenas de conhecer fronteiras, de situar-se. Não devemos permitir que isso nos faça mal e, se esta opinião não for construtiva, nem dada de forma amigável, não devemos nem ouvi-la. Pois, na verdade, não deveria ter sido emitida, já que não visa agregar e, sim, ofender ou demonstrar uma superioridade irreal e mentirosa.
Muitas vezes, não existe no outro, o hábito de fazer o exercício da empatia. Apenas, foi concedido pela sociedade, ou por si mesmo, um título de portador da verdade que o permite ser babaca. Fernando Pessoa dizia: “ A renúncia é a libertação. Não querer é poder.”
Quando aprendemos a dizer não, para os outros e para nós, crescemos bastante. Dizer não a uma crítica e seguir adiante, é usá-la como alavanca. Dizer não a uma opinião contrária, pode ser uma forma de equilibrar o jogo e reposicionar as forças. Dizer não a um desejo fútil, nos torna mais fortes. Dizer não a quem não nos dá valor, nos valoriza - Não querer é poder! “Quando um não quer, dois não brigam”, mas, do seu mal uso, vem o fazer “doce” ou “cera”... A forma infantil de lidar com ele. Quando um não quer, dois não fazem nada!
Assim, como saber dizer “não” é importante, saber ouvi-lo também é. Podemos ouvi-lo como fim de tudo ou como um recomeço. Mas devemos sempre ter em mente que um “sim” ou um “não”, são frutos de uma opinião, de um contexto e de uma conjuntura, por isso, não expressam toda a pluralidade de uma situação, apenas, como disse antes, uma fração dela. Se já não é possível termos plena consciência da influência que recebemos e que podemos exercer em apenas um instante, imagine, com o decorrer do tempo. Hoje, quando usamos a expressão “viralizar”, temos uma breve noção do que chamam de sucesso e influência, mas, ao contrário, temos muita dificuldade para entender o que é “sororidade”. 
O “mercado” é algo que tem que ser medido aqui e agora, mas a influência de um trabalho faz curvas. Álbuns são redescobertos e viram referência em determinados assuntos que, na sua época, não se tinha interesse. Isso faz parte da vida, em diversas áreas, é uma questão de afinidade, identificação e momento.
Dave Brubeck, pianista e compositor que se interessou por compassos não usuais, no final da década de 1950, causou impacto com seus álbuns “Time out” e “Time further out”, mas sua influência vem aumentando, gradativamente, e chegou até o Choro carioca, cinco décadas depois em: “Choro ímpar” de Maurício Carrilho, de 2007. Ele era um visionário? Pode ser... Mas existe também um hiato de tempo para que as coisas sejam absorvidas e seu uso se torne comum.   
O disco “Meu lado” é primoroso. Influenciou e ainda influencia a muitos músicos. Talvez, isso não seja o que a indústria chame de sucesso, mas tenho o maior carinho em divulgá-lo aos alunos, amigos e, agora, para vocês. Para mim, foi bem sucedido e encontra-se entre os meus 10 prediletos. Então, eu pergunto: para um artista, o que é mais importante, estar entre os top 10 da Billboard ou nos top 10 de vários lares? Até a próxima!