sábado, 2 de março de 2019

Coluna de Fevereiro de 2019 para o Jornal Portal

Marcos Paiva, meu amigo, compositor de mão cheia, letrou a melodia de um partido alto, do saudoso Wilson Moreira, gravada por Zeca Pagodinho, no disco Boêmio Feliz, de 1989, que no refrão, diz assim: “Vou te contar rapaz, tem malandro enganando demais, no shopping samba o barato está no cartaz...”

Em trinta anos, essa crítica ao samba, pôde ser generalizada à todos os segmentos da vida humana. Entenda: não há nenhum problema com um shopping que tem de tudo, a todo preço. Mas com o que só tem os mesmos “abacaxis”, com preços baseados em seus embrulhos - tenha dó!

Como sempre afirmo aqui na coluna, a humanidade sofre de uma mazela seríssima: tudo virou mercado, desde o pão à medicina. E esta maldição é contaminante. A urgência de um lucro, que justifica qualquer meio, de fato, é responsável por um grande declínio na nossa saúde física e mental, ou qualidade de vida.

Com a arte não é diferente, afinal, ela é parte do mundo que vivemos, feita por pessoas e para pessoas, que sofrem do mesmo mal. Por isso, entrou na dança, tornou-se palatável, se adequou, encaixou e enlatou.

Tornou-se um “café da manhã continental”, sem muitos condimentos ou temperos de costume local, apenas: pão, ovo, salsicha, café, iogurte e mamão. Algo que não representa nada específico de ninguém e de lugar nenhum...

Esta crítica não é feita, apenas, aos que vivem de arte, mas, também, ao gosto, da maioria das pessoas, por ela. Procuram, sempre, algo mais simplório possível, com a desculpa de que precisam se desligar do estresse e, por isso, não querem nada “pesado”, que as obrigue a pensar ou refletir.

O problema já começa aí. Pois, é justamente o que é capaz de nos envolver que pode nos fazer concentrar em outra coisa e mudar o foco. Nos dando a oportunidade de voltar à vida cotidiana, com outras perspectivas e percepções sobre nossos problemas e a forma mais producente de solucioná-los ou lidar com eles.

O status “VIP”, também é uma armadilha: serviços sem valor e custo alto; porcarias de grife, xing ling, de embrulho lindo e logotipo bem grande; combo do cinema, com pipoca de milho transgênico, glutamato monossódico, refrigerante de glicose e preço de iguaria... Tudo, exclusivamente, para todos que pagarem.

Para difundir esses conceitos, aproveitando que os jovens de hoje, praticamente, fazem tudo pela internet, foi criada a publicidade direcionada, que se utiliza dos próprios interesses e histórico de pesquisas do usuário como base, para de forma “espontânea”, impulsionar a engrenagem. É o tal do algoritmo.

É preciso que se entenda, que não basta alguém dizer que alguma coisa “É”, é preciso que ela, de fato, “SEJA”. E, assim, voltarmos a ter a certeza de que não basta que as coisas nos sejam agradáveis, é mais importante e necessário que nos façam bem. O mal que, hoje, nos assola é comparável ao “paladar infantil”.

Nesse caso, devemos saber que nem sempre é possível unir saudável e agradável, mas que o paladar também é formado, ou seja, o que oferecemos às crianças, influencia na formação de seu gosto, fazendo com que se acostumem e gostem de sabores que, a princípio, não agradariam tão facilmente.

O gosto se transforma e isso é comum. Porém, seguindo constatações estatísticas, se investe pesado na produção de “alimentos” e de “arte” com a filosofia do palatável, que facilita sua entrada, propagação e permanência no mercado.

A indústria do entretenimento se farta. Oferecendo, sempre, mais do mesmo, de olho nas “tendências”, criadas ou incentivadas por ela mesma. Ganhando com o ciclo de oferta e demanda, que faz girar com muita propaganda e ideias vazias, difundidas por seus “formadores de opinião”.

Outra coisa que percebo, claramente, é a frequência que, supostamente, deveríamos consumir esta arte “leve e sem contra-indicações”: doses diárias ingeridas com álcool, para matar a tristeza... - Minha gente! Qual o efeito de um cafezinho, em alguém que toma muitos, todos os dias?

Para sentir efeito, é preciso uma pausa. É preciso tempo. De nos permitirmos dar um tempo. Não fazer nada. Não escutar nada. Ouvir o silêncio e, dele, nossos pensamentos. Observando a natureza... Como disse Caetano Veloso, sobre o que sua mãe, Dona Canô, mais gostava de fazer - contemplar a existência!

Daí, com certeza podem vir as soluções. E não do ritmo frenético ao qual nos habituamos a viver. Se há o lado bom, na velocidade em que poderíamos resolver problemas, há o lado ruim, da quantidade em que se multiplicam. Não se trata de uma crítica vazia à indústria, mas à maneira vazia de usá-la.

Apesar disso tudo, na primeira oportunidade que têm, as vítimas se utilizam dos mesmos pensamentos, argumentos e truques, para, também, poder dar uma mordida e aproveitar enquanto é tempo, afinal, carpe diem!

Se não prestarmos atenção e descermos do salto de evoluídos e sofisticados, cairemos por terra, pois, em declínio já estamos há tempos. Viver como se não houvesse amanhã é não fazer nada de que possamos nos arrepender e, não, comer, beber e consumir insaciavelmente...

É aproveitar o que a vida nos oferece, saber aceitar as coisas boas e ruins, não perder tempo com mesquinharias, usar o livre arbítrio para escolher ficar em paz, sintonizado em boas frequências. Afinal, se cada um dá o que tem, só poderemos emanar boas vibrações, se vibrarmos da mesma forma.

Até a próxima! Muita luz e paz!

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