Noutro dia, numa conversa com a Flavinha, nossa colunista de saúde e bem-viver, ela me disse que apesar de ser algo subjetivo, sentia que as pessoas que vivem com a música, têm uma forma diferente de ver e levar a vida, com percepção, consciência e atitudes melhoradas.
Além de ser uma médica super dedicada, ela tem uma relação muito intensa com a música, iniciada bem cedo e aprofundada através do estudo, a sério, do piano clássico que, por conta da faculdade, residência e do trabalho, se viu forçada a abdicar. Mas, nunca, da música.
Convém dizer que não falamos de ter a música como profissão, mas de deixá-la entrar e influenciar a vida, o convívio, a compreensão, a aceitação, a forma de se posicionar e reagir às coisas. E que, o profundo interesse, em tudo que a envolve, pode nos encantar e arrebatar.
Mais do que: apenas escutar. Se relacionar, interpretar, deixar envolver, absorver e ser absorvido. Compreender que embora tenha sido uma manifestação individual, com características do autor em sua forma, ela encerra em si, representações do coletivo, sendo capaz de provocar e expressar sentimentos de muitos. Independente do lugar e de sua época.
Ousaria dizer que música é uma questão de saúde. Do corpo e da mente. Talvez, a palavra “harmonia” consiga quase resumi-la, mas não na acepção do senso comum. Pois, na verdade, ela transcende a ideia romântica de equilíbrio, englobando, inclusive, o desequilíbrio, o medo e todos os seus rompimentos, quebras de paradigma e de ciclos, necessários a um macro equilíbrio.
Quem vive com a música, aguça, cada vez mais, sua percepção. É quase um super poder: ouvir coisas que ninguém ouve, dizer o que ninguém consegue, atingir o outro e, em última análise, se comunicar. Ainda que hajam interpretações diferentes e que a (velha) idiossincrasia seja uma condição humana, alguma ideia é multiplicada. O que seria de nós, sem ela?
Ela está presente na nossa cultura há milênios e, nem sempre foi uma arte a ser contemplada, mas desempenhava suas funções, mais humildes, nas sociedades. Presente na marcha dos soldados, na guerra, no ritmo das remadas dos barcos, em grandes comemorações, em momentos de grande dor. Nas plantações e colheitas, no acalanto para acalmar as “criOnças” e, até, nos palcos.
Essa música trabalhadora, não exatamente artística, foi tendo sua execução substituída pelo rádio, televisão, computador, celular, tablets, etc. E, hoje, muitas pessoas vivem afastadas dessa “música viva” e do bem que ela pode proporcionar, não só a quem ouve, mas também, a quem toca, canta e dança, pois, naquele momento, estamos somados e misturados à fonte, através da qual ela jorra.
Quando a música se tornou um produto industrializado em nossa casa, “complexo” como um iogurte em nossa mesa, paramos de nos envolver com o processo e de fazer parte dele, ficando afastados e impotentes. Achando que a música é dos músicos, ou pior, da indústria - e não é! Ela é um patrimônio da humanidade.
Por isso, participar, dançar, tocar, ou cantar num coral, saber sua voz, o nome das notas, etc, nos dá intimidade com a música e traz a consciência da responsabilidade que temos com ela e de sua importância e potencial de agregar, integrar e transformar as pessoas. Não é assim que outras culturas nos são impostas, sem uso de força bruta?
A compreensão do papel da música na sociedade é muito importante para entendermos diversos fenômenos sociais de abrangência mundial, mas conhecer suas estruturas, também me permitiu, por analogia, perceber pequenos ciclos e repetições do cotidiano, como acontece com acordes, frases e ritmos, já que a música que fazemos, reflete quem somos, mesmo inconscientemente...
Permite enxergar, sem me envolver, por exemplo, a cena corriqueira da bebida nos bares, a gritaria, as discussões sem fim, onde ninguém ouve, nem permite que o outro fale, afinal, só quer repetir e ouvir suas próprias “verdades”.
Os envolvidos, sentem que vão resolver os problemas do mundo, mas tudo não passa de um transe, que anestesia e retarda o cair da ficha, até o dia do despertar, mais velho, mais cansado e oprimido e com os mesmos problemas em aberto...
Por isso, minha dica para aproveitar o Carnaval com menos problemas: menos álcool, menos expectativas, mais música e tranquilidade, preservando nossa harmonia entre corpo e mente (e espírito, aos que crêem).
Me atrevi a juntar música e saúde, nesse texto, em homenagem a minha amiga Flavia Ramirez. Para nossa colunista, agora internacional, tudo de melhor! Muita paz, saúde e música (que são quase a mesma coisa)!
Até a próxima!
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
Coluna de Janeiro de 2018 para o Jornal Portal
Uma das coisas mais impressionantes e, também, triviais do universo é o equilíbrio. As galáxias, sistemas solares, a natureza, os ecossistemas, as partículas e toda a vida encontram-se em equilíbrio.
Quando experimentamos um desequilíbrio, experimentamos, também, enormes movimentos, num esforço para desfazê-lo. Até mesmo, socialmente, percebemos que um sistema mais igualitário é mais harmônico.
Na música não é diferente, já que ela é uma expressão do ser humano e, até, do planeta, se pensarmos nos sons da natureza. Pelo fato da música humana ter menos elementos, seu desequilíbrio ainda é mais notório.
Antes de falar da música em si, podemos lembrar de uma experiência sonora que, provavelmente, todos já tivemos - com o equalizador, presente em quase todos os equipamentos de som, domésticos ou automotivos - um aparelho feito para igualar as freqüências geradas num ambiente.
A ideia não era de aumentar os graves das caixas de som de um carro e passear tocando funk no volume máximo ou fazer as janelas do vizinho trepidarem, quando alguém fosse ouvir música no quarto. Mas, a princípio, cortar as freqüências (notas) que sobram e apitam, mantendo todas em igualdade, pois uma é tão importante quanto as outras.
Outra ideia de equilíbrio vem da repetição. Sabe aquele ar condicionado barulhento, aquele som chato do ventilador ou da panela de pressão? Nossa percepção foi programada para “desligar” para tudo que é constante. Pois tudo isso desviaria, desnecessariamente, a atenção.
Mas o compositor ou intérprete, quer fisgá-la e prendê-la. Por isso, cria variações, oscilações, momentos inusitados e paradoxais. Nada melhor do que os opostos, tão distantes, para nos chamar a atenção e manter a percepção em vigília.
Porém, é preciso equilíbrio. Às vezes, buscando atingir o espectador, o artista “erra na mão” e carrega no tempero. O termo temperar, antes de ser usado para a comida, era usado para a água, já que alterando gradualmente sua temperatura, podemos suportar extremos. Mas as coisas precisam funcionar harmoniosamente, para que não haja repulsa ou desinteresse. A busca por essa medida é busca pela proporção.
A palavra contraponto é desgastada no meio musical, por ter se tornado uma técnica específica de se responder a melodia com outra melodia. Mas a ideia de contrapor é a maneira mais comum de se equilibrar uma composição ou arranjo, buscando sempre, a cada momento, um peso igual no outro lado da balança.
Raul Seixas dizia na sua música “Números”: “E no dois o homem luta entre coisas diferentes; bem e mal; amor e guerra; preto e branco; bicho e gente; rico e pobre; claro e escuro; noite e dia; corpo e mente”.
Pergunta e resposta, muito e pouco, tudo e nada... Essa dualidade é antiga, mas não precisa ser um duelo, já que a ideia da média, serve para quase tudo em nossa vida: Usar os opostos para nos equilibrarmos e saber que estão em harmonia, complementando-se e fundindo-se.
Na música, podemos pensar que silêncio e som são opostos. Que também podem advir do rítmo, como tempo e contratempo. Da dinâmica, como fraco e forte. Da altura, como grave e agudo. Do volume, como alto e baixo. Do timbre, como doce e aspero, etc.
Até mesmo sobre um repertório, é comum usar o equilíbrio como ferramenta, contrapondo momentos mais calmos e mais agitados, reflexivos e explosivos, românticos e politizados.
Siddartha Gautama, o Buda, ouviu um professor de música explicando ao seu aluno: “Se esticar demais a corda, ela arrebenta. Se não esticar o suficiente, não toca.” E depois de abandonar a riqueza do palácio de seu pai, onde era príncipe e ficar anos isolado meditando, comendo pouco, como um eremita, criou sua filosofia sobre essa ideia: evitar os extremos - “O Caminho do meio”.
Que nesse novo ciclo, estejamos mais próximos do equilíbrio!
Feliz ano novo! Um grande abraço!
Até a próxima!
Quando experimentamos um desequilíbrio, experimentamos, também, enormes movimentos, num esforço para desfazê-lo. Até mesmo, socialmente, percebemos que um sistema mais igualitário é mais harmônico.
Na música não é diferente, já que ela é uma expressão do ser humano e, até, do planeta, se pensarmos nos sons da natureza. Pelo fato da música humana ter menos elementos, seu desequilíbrio ainda é mais notório.
Antes de falar da música em si, podemos lembrar de uma experiência sonora que, provavelmente, todos já tivemos - com o equalizador, presente em quase todos os equipamentos de som, domésticos ou automotivos - um aparelho feito para igualar as freqüências geradas num ambiente.
A ideia não era de aumentar os graves das caixas de som de um carro e passear tocando funk no volume máximo ou fazer as janelas do vizinho trepidarem, quando alguém fosse ouvir música no quarto. Mas, a princípio, cortar as freqüências (notas) que sobram e apitam, mantendo todas em igualdade, pois uma é tão importante quanto as outras.
Outra ideia de equilíbrio vem da repetição. Sabe aquele ar condicionado barulhento, aquele som chato do ventilador ou da panela de pressão? Nossa percepção foi programada para “desligar” para tudo que é constante. Pois tudo isso desviaria, desnecessariamente, a atenção.
Mas o compositor ou intérprete, quer fisgá-la e prendê-la. Por isso, cria variações, oscilações, momentos inusitados e paradoxais. Nada melhor do que os opostos, tão distantes, para nos chamar a atenção e manter a percepção em vigília.
Porém, é preciso equilíbrio. Às vezes, buscando atingir o espectador, o artista “erra na mão” e carrega no tempero. O termo temperar, antes de ser usado para a comida, era usado para a água, já que alterando gradualmente sua temperatura, podemos suportar extremos. Mas as coisas precisam funcionar harmoniosamente, para que não haja repulsa ou desinteresse. A busca por essa medida é busca pela proporção.
A palavra contraponto é desgastada no meio musical, por ter se tornado uma técnica específica de se responder a melodia com outra melodia. Mas a ideia de contrapor é a maneira mais comum de se equilibrar uma composição ou arranjo, buscando sempre, a cada momento, um peso igual no outro lado da balança.
Raul Seixas dizia na sua música “Números”: “E no dois o homem luta entre coisas diferentes; bem e mal; amor e guerra; preto e branco; bicho e gente; rico e pobre; claro e escuro; noite e dia; corpo e mente”.
Pergunta e resposta, muito e pouco, tudo e nada... Essa dualidade é antiga, mas não precisa ser um duelo, já que a ideia da média, serve para quase tudo em nossa vida: Usar os opostos para nos equilibrarmos e saber que estão em harmonia, complementando-se e fundindo-se.
Na música, podemos pensar que silêncio e som são opostos. Que também podem advir do rítmo, como tempo e contratempo. Da dinâmica, como fraco e forte. Da altura, como grave e agudo. Do volume, como alto e baixo. Do timbre, como doce e aspero, etc.
Até mesmo sobre um repertório, é comum usar o equilíbrio como ferramenta, contrapondo momentos mais calmos e mais agitados, reflexivos e explosivos, românticos e politizados.
Siddartha Gautama, o Buda, ouviu um professor de música explicando ao seu aluno: “Se esticar demais a corda, ela arrebenta. Se não esticar o suficiente, não toca.” E depois de abandonar a riqueza do palácio de seu pai, onde era príncipe e ficar anos isolado meditando, comendo pouco, como um eremita, criou sua filosofia sobre essa ideia: evitar os extremos - “O Caminho do meio”.
Que nesse novo ciclo, estejamos mais próximos do equilíbrio!
Feliz ano novo! Um grande abraço!
Até a próxima!
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