sábado, 19 de agosto de 2017

Coluna de Julho/ 2017 para o Jornal Portal

Se pensarmos que Mozart, aos seis anos de idade já fazia concertos e, na adolecência, já tinha uma série de sinfonias, é muito curioso observar que na música popular, existam tantos artistas que carregam a alcunha de “rei” ou “maior de todos os tempos”, sem terem feito um décimo do que ele fez.
Um músico como ele, possui uma extensa lista de atributos que o tornam completo: Técnica, Ritmo, Expressividade, Domínio do seu instrumento, Leitura à primeira vista, Domínio de Progressão e Condução Harmônica, Levadas, conhecimento de Harmonia e Contraponto, Orquestração, Arranjo, Composição e Improvisação, além de um bom Repertório.
No entanto, o que faz um músico ser tão querido, não é o fato de ser bom ou não, mas o efeito que sua música causa no público, ou ainda, o carisma que tem. Elementos subjetivos que fazem com que ultrapasse o estilo ou gênero que o alavancou. Sobrepujando a gravidade e tornando-se astro.
Tom Jobim, Paco de Lucia, Bobby Marley, Freddy Mercury, John Lennon, Jimmy Hendrix etc... São artistas que saíram do seu métier e viraram cidadãos do mundo, usando a música como meio de expressão, inquestionáveis e tidos como deuses. Passando a não importar, de verdade, se cumpriam a tabela de atributos, pois atingiram um status de lenda.
Não havia necessidade de Jackson do pandeiro - o rei do ritmo, ter todos os atributos da lista, sua musicalidade e carisma eram indiscutíveis. Luiz Gonzaga - o rei do baião, teve suas músicas aclamadas antes do título, os feitos antes da fama, num misto de mito e verdade inerente a nós.
Essa atmosfera surreal, mexe com sonhos e fantasias, com a inocência circence, infantil e guardada em nosso íntimo, protegida das mazelas da vida adulta, mas que projeta e deseja o fantástico e fica vulnerável, podendo ser alvo de manipulações e truques.
É intrigante que existam músicos que possuem toda a lista de atributos e que, no entanto, não são conhecidos, seja por sua falta de interesse, de carisma ou de propaganda, mas que alguns artistas que não possuem nada, nem mesmo carisma, estejam bombando. Um farsante pode ficar famoso, rico e bem conceituado hoje em dia, pois é permitido e estimulado que um título, um rosto ou uma bunda, seja um motivo relevante para a venda de shows, discos e para estar nas rádios, TVs e na mídia em geral.
Certa vez, Ariano Suassuna contou numa palestra, que havia lido numa matéria de um Jornal de SP, que Ximbinha, guitarrista da banda Calipso, era genial. Então disse, sem fazer juízo de valor, que ele era um escritor e que a língua portuguesa era sua matéria prima, por isso, tomava cuidado com a proporção das palavras. Se ele usasse um adjetivo como genial para Ximbinha, o que poderia dizer sobre Beethoven?
Nesta lista de atributos de um músico completo, acrescentaria mais um. Este, até mesmo alguns gênios não têm - a didática. Capacidade de compreender o que cada assunto representa, sua extensão, como se relacionam, como relacioná-los numa linha lógica, como aplicá-los em cada demanda, qual a melhor forma de ensiná-los para cada aluno, etc.
Pois, para duas pessoas, as “fichas” caem em épocas diferentes e o mesmo fato desencadeia reações distintas. Assim é a natureza humana, se fossemos iguais, seria patológico ou robótico. É a magia do ensino.
A didática é, acima de tudo, um ato de boa vontade. Plantar uma boa semente e esperar seus frutos. Fazer compreender que o conhecimento é uma espiral onde os antigos assuntos estão sempre retornando, com mais informações, mais camadas e mais profundidade, permitindo que vejamos sempre novidades em fatos já conhecidos.
A experiência de estudar e de ensinar nos mostra que, muitas vezes, desistimos do estudo rápido demais. Justamente nos momentos de hiato do aprendizado, momentos de latência, onde nos encontramos sem atingir o objetivo almejado e sem nos reconhecer mais, tal como éramos.
Na química, é um ponto de reestruturação das moléculas. Na psicologia, o Gestaltismo chama de teoria fisiológica da Psique, onde a antiga forma se quebra e, ao amadurecer, se reestrutura de maneira melhor que antes. 
Existe um ditado otimista que diz, mais ou menos, assim: quando estamos vendo mais desumanidade, não estamos nos tornando piores ou perdendo nossa humanidade e, sim, melhorando. Nos conscientizando e compreendendo que o que vemos e vivemos não pode mais ser ignorado, ou varrido para baixo do tapete.
Que possamos sempre crescer!!! Boas Férias!!! Até a próxima!!!

Coluna de Agosto/ 2017 para o Jornal Portal

No ano passado, comemoramos o centenário do primeiro samba gravado, chamado “Pelo telefone” de Donga. Seu parceiro, Pixinguinha é considerado o pai da música popular, entretanto, classificações de gênero separam Choro, Samba e MPB. Como o samba não é MPB, se é o mais P da MB? - pergunta Nei Lopes
Samba e Bossa Nova, são separados da mesma forma. E sempre que há uma entrevista de algum artista deste gênero, desdenham os da geração anterior, cuja música seria chata, melancólica e “dor de cotovelo”. Percebam que através dessa desqualificação, afirmam a leveza e alegria do que traziam de novo.
O fato de vivermos em nosso tempo, nos impede de perceber as transformações em vigor. Hoje, pelo afastamento histórico àquele período, fica claro que a Bossa Nova é uma forma de samba, com letras mais leves e dissonância. Isso traduzia os valores da geração que entrava e, é claro, negava os da que saía de cena. 
Depois, a própria Bossa Nova passou a ser taxada de ultrapassada, tornando óbvio, que a geração seguinte romperia com aquela estética. Ainda assim, estes artistas não perceberam a continuidade entre os movimentos, o rompimento natural de cada nova época e mantém a tônica de superioriedade em seu discurso.
No Ocidente, enxergamos o mundo sob o ponto de vista do dualismo, onde só há dois lados, que são opostos e, cabe a nós, estar do lado “certo”. Assim, discutimos, inflamadamente, com o “lado errado”, como bêbados de torcidas rivais, esquecendo que, na dialética, a ideia de oposição é fundamental, pois sugere que a tese, deve ser rebatida por uma antítese, para que evoluam à síntese.
A dinâmica da cultura é constante, por isso, a sensação de estar em posição favorável e querer manter o “status quo” é tão falsa, quanto a inércia que pensa se encontrar, alguém mal sucedido. Vinícius de Moraes, afirmou que os Afro-Sambas feitos com Baden Powell, eram a evolução da Bossa Nova. Um retorno ao samba mais percussivo (afro), com as sofisticações harmônicas incorporadas.
O Oriente possui outra compreensão da vida: de que a impermanência é a única certeza. As forças não possuem, apenas, cargas opostas, mas, estão em constante movimento, equilíbrio e, acima de tudo, comunhão. Uma ótica de unidade e harmonia. Onde o modernismo e a tradição, são pontas de uma mesma corda.
A tradição e a preservação, são fontes de referência, pesquisa e estudo. Embora seja uma ilusão pensar que se pode manter uma cultura descontaminada ou hermeticamente fechada, é possível investigar e tentar se aproximar ao máximo da atmosfera vivida numa época, como um ator que entra na personagem.
Hoje, também contamos com a tecnologia de gravação, que há pouco mais de um século não existia. Assim, é possível ser mais acertivo. Apesar do nosso olhar ser influenciado pelos valores da sociedade em que vivemos e da nossa compreensão “atualizar” conceitos e adaptar aos que podemos compreender.
Apesar dos esforços, temos que aceitar que não é possível estar na pele de um artista do passado e ter real ideia de seus medos, paixões e frustrações. Pois, este é um impedimento natural, como o de perpetuar uma obra tal qual foi concebida ou de interpretá-la, perfeitamente, segundo seu estilo de época.
Talvez, perceber que isso é inevitável, faça os satisfeitos tentarem parar o tempo e os incomodados, apressá-lo e desprezá-lo. E, daí, surjam posicionamentos tão radicais e utópicos, já que não é possível abandonar completamente o passado que foi vivido, nem desistir do futuro que temos pela frente.
Assim, a arte se transforma. Espelhando cada geração e assumindo suas características. Mesmo que tenha sido concebida noutra época e que mantenha suas questões seculares, sua forma, interpretação e estilo se contextualizam e evoluem. Essa evolução não significa melhora e, sim, adaptação.
Todas as formas antropológicas de defesa de uma cultura são válidas, quando não permitem que outra lhe seja imposta, por ser considerada melhor. Não existe comparação entre elas. E esse posicionamento patriota, ufanista e xenófobo, pode se tornar bilateral e isso não é construtivo. Lembram dos Nazistas?
Apesar do extremismo ser resultado de momentos da história onde se queria abrir mão do passado ou do futuro, o confronto comum se dá, mormente, por diferença de gôsto, o que não é bom. Salve as diferenças! Isso deveria ser motivo de mais arte, cultura, entretenimento e mercado. Por isso, a visão separatista é imatura e vai contra a diversidade cultural e a natureza das relações sociais.
O novo é resultado das influências sofridas, fruto das sementes que conseguiram vingar. O mercado sempre tenta influenciar, mas, também, sem ele conheceríamos os Beatles? Portanto, é importante revelar o que é novo e que, naturalmente, não poderia ser alçado a grandes públicos, mas que possua significado para geração que entende aquelas dores.
Resgatar o que é antigo, mesmo sabendo que será influenciado pelo que experimentamos no presente, é essencial. Da mesma forma, saber que ir contra a evolução das ideias, é ir contra a vida, que, natural e inexoravelmente, segue.
Até a próxima!