sábado, 6 de junho de 2020

Coluna de Junho de 2020 para o Jornal Portal

Em meio a tanto fogo cruzado, ficamos na dúvida sobre o que pensar, que opinião ter a respeito de alguém ou de algo que acontece a nossa volta. E essa insegurança pode tirar o sono, a calma e a razão. No entanto, é preciso lembrar, sempre, que a resposta para todas as perguntas, está dentro de nós.

Não se trata de filosofia barata, mas da maneira que podemos enxergar as coisas. Vou explicar: os genuínos gênios, muitas vezes, têm pouco conteúdo intelectual. Não são letrados, graduados, com mestrados, doutorados, dezenas de livros lidos ou escritos. Mas, pessoas comuns. Em quase tudo.

Entretanto, simplesmente, sabem muito de alguma coisa. Se destacam. Não adianta perguntar porquê, como, quando... E todos os cinco dáblios... Pois não saberiam dizer. Eles simplesmente sabem. E, realmente, sabem.


Houve época em que o saber se bastava. Durante a idade média, tais revelações passaram a exigir cuidadosas explicações. Mas parece que, de algum tempo pra cá, começou a se perceber que este fenômeno é natural.


Fala-se sobre deuses, karma, reencarnações, inconsciente individual ou coletivo, arquivos akáshicos... Existem diversas explicações. Todas sem a chancela científica, de poder ser repetida de forma controlada e comprovada.
 
O matemático Ramanujan, indiano, pobre e sem formação, é um dos casos mais conhecidos desses gênios. Apesar de, hoje, seus trabalhos nortearem muitas pesquisas de ponta, em vida, viu muito pouco, deles, ser reconhecido.

Infelizmente, o processo que garante a “verdade científica”, também engessa a conduta em muitos aspectos. Fazendo-se despender muita energia demonstrando como se obteve um resultado, restando pouco tempo para sua aplicação. Muitas vezes, esse conhecimento só será usado décadas depois.

O custo de não errar é o tempo, que para nós, se esgota rapidamente. Apesar disso, pensando em pessoas mais próximas à “curva normal”, é importante nos darmos conta de que trazemos em nosso íntimo, em maior ou menor grau, este saber, que mistura instinto e intuição, influenciando nosso livre arbítrio.


Sempre pensei que até mesmo um cientista precisa ter fé... Só isso explicaria porque seguiu o caminho que deu certo e não o outro, que colegas de renome seguiam e dava errado. Eduardo Marinho, a quem muito admiro, diz que nossa razão trabalha sobre o que nosso sentimento escolhe.

Podemos nos sentir não-representados por ambos os lados e, ainda assim, concordar, em parte, com ideias. Não é um erro. É a própria condição humana.

Sabendo disso e somando-se o fato de que ninguém erra porque quer, mas, sim, porque acredita que está no caminho certo ou, então, porque julga levar alguma vantagem; devemos ter a certeza de que, somente, a empatia e o diálogo, podem nos fazer perceber atitudes e pensamentos equivocados.

Gandhi, disse que só quando se vê os próprios erros através de uma lente de aumento, e se faz exatamente o contrário com os outros, é que se pode chegar à justa avaliação de uns e de outros. Nelson Mandela, disse que a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo.

Ciente das minhas limitações e procurando não sair da trilha que considero um caminho mais coerente, busco, sempre, nesses homens admiráveis, ideias que me alicercem os pensamentos. Não me torno escravo do que pensam, apenas, faço minha mistura, meu MMC. E essa sabedoria interna, me acalenta ou incomoda, dependendo das escolhas que faço.

Diálogos construtivos pressupõe abertura, pois ideias diferentes são, tantas vezes, complementares e podem formar o principio dialético de tese, antítese e síntese. Como todos somos ouvintes e as canções trazem em si pontos de vista distintos, tornam-se a ferramenta mais adequada, universal, através da qual se pode apresentar e discutir ideias, sem disputa.

O primeiro passo é ouvir, perceber que os outros pontos de vista existem, que não estamos sozinhos, não somos donos da verdade... Depois refletir sobre o que foi dito, tentar compreender, se colocar no lugar de quem clama, reclama, grita, chora, ri, tentando dizer algo... Então, já se pode dialogar com o outro.

A música é tão humana, que invade mentes facistas, comunistas, centristas, anarquistas... E faz pensar, quem quer pensar. É a maneira mais eficiente de ensinar sobre a vida. Seja ouvindo, falando sobre, compondo ou, até, tocando.

Numa resposta à romântica “Eu preciso aprender a ser só” de Marcos e Paulo Sérgio Valle, Gilberto Gil fez “Eu preciso aprender a só ser”. Creio que nesse mundo de tantas certezas, verdades, brigas, rachas e desentendimentos; está nos faltando a oriental busca de, apenas, “sermos” e “deixarmos ser”.

É preciso entender que ainda não entendemos o que significa liberdade, democracia, responsabilidade e igualdade. Mas que, apesar de tudo, temos a música e, como disse Nietzsche, sem ela, a vida seria um erro.

Até a próxima!

Coluna de Maio de 2020 para o Jornal Portal

Conta-se que um conhecido de Olavo Bilac, teria tido necessidade de vender um sítio, que só lhe gerava gastos, e teria pedido ajuda ao poeta, para redigir o anúncio. Ele, que conhecia a propriedade, a descreveu como um lugar tão agradável, sossegado, aconchegante e bonito, que o dono desistiu da venda.

Não obtive informação suficiente para saber se este fato, realmente, aconteceu. Mas, como todo mito, o mais importante é a mensagem que passa, a famosa “moral da história”, sem necessidade de provas, já que não se relaciona a nada material e, sim, aos abstratos: valores, prioridades, planos e sonhos. 

A ideia é perceber que, quando outras pessoas emprestam seu olhar, podemos ver as coisas e, até mesmo nossa própria vida, sob outro prisma. Para o outro, ainda existe o encanto, o frescor e a novidade, que pode já não existir para nós. Através dele, podemos ver novamente, um brilho que havia nos escapado.

É lamentável não conseguirmos sustentar nossa impressão sobre as coisas, principalmente, no que tange a valorização do que temos e vivemos. Mas é importante entender que essa constante inquietação é, também, o que nos impele a amadurecer e aprimorar. Uma característica da condição humana.

Os gregos diziam que a humanidade foi a última criação de Zeus, mas depois de criar o mundo, faltou barro para finalizar sua obra. E ela não teve memória suficiente para ser plenamente consciente. Assim, criou as musas, para que pudessem ativar sua lembrança e lucidez, sempre que estivessem em contato.

Inacabados, precisamos do outro para nos ajudar quando nascemos e quando morremos, mas temos a ilusão de que, nesse hiato, fazemos tudo sozinhos. Ledo engano... O PHD em astrofísica, sabe tudo de buraco negro, mas precisa de ajuda para exterminar cupins, comprar um celular ou um presente pra filha.

Ninguém sabe tudo sobre tudo. Embora, a analogia nos permita usar nosso conhecimento prévio para compreender e resolver situações que, muitas vezes, não tínhamos, sequer, ideia da existência. Entender como lidar com elas, nem sempre, é saber, de fato, como e porquê se dão.

Quem nos ajuda a ver o que não vemos, a perceber que a vida está muito pesada, que não estamos dando valor ao que importa, que nos empresta seu olhar, sua sensibilidade e empatia, se colocando no lugar do outro, interpretando outras vidas, nos oferecendo outros pontos de vista é - o artista.

Ele é o porta-voz da musa. Alguém que tinha vocação, recebeu o chamado, seguiu o instinto, se encontrou e foi reconhecido como tal. Não escolheu viver da arte, mas aceitou viver pra ela. O resto aconteceu em decorrência disso. A relação verdadeira entre arte e artista independe de profissão, carreira e público.

Um grande astro, muito famoso, pode ser, meramente, alguém com muita técnica e vazio de arte. Arte é expressão, e pouco importa se é vendável ou não. Alguns astros são artistas, mas, para se vislumbrar o que é arte, é necessário ter certeza de que nem todo artista é um astro ou gostaria de ser um.

Muitos artistas se desenvolvem e elevam seu trabalho a níveis sublimes. Mas essa não é a realidade da maioria. Nem precisa ser. A arte é uma necessidade de todos, não carece de uma elite que a represente, nem de intelectos para ser compreendida. Ela, simplesmente, acontece e se adapta a cada contexto. 

O artista é alguém que precisa compartilhar o que sente, por isso pinta, compõe, escreve, canta, toca, interpreta, dança... Se não o fizer, passa mal, precisa descarregar. Sua percepção é sensível aos dilemas que o cercam e, também, à questões levantadas por outros artistas e sua leitura pode se influenciar por ela.

A sensibilidade às diversas influências, faz com que exista uma variação enorme entre os prismas de artistas diferentes sobre um mesmo assunto. Longe de ser  uma incoerência, isso apenas reforça o fato de que a verdade é, sempre, maior ou, ao menos, diferente, do que a soma de todos os pontos de vista.

Cada um traz consigo a afirmação ou a negação de suas experiências. Isso não determina, mas influencia cada construção. Existe um outro conto, que diz que quando esbarram na gente, derramamos o que trazemos dentro de nós. Como diria um bordão popular: “Cada um dá o que tem”.

A quarentena pelo COVID-19, tem sido um momento singular. Onde percebemos com muita clareza o quanto a ciência e a arte são importantes. Quando iríamos imaginar? Nós, seres racionais e superiores, que subjugamos todo o planeta, que ficaríamos presos, com medo, quase em estado de guerra, contra um vírus?

Que essa situação, tal qual a arte, possa nos fazer pensar nas mudanças que têm que acontecer, principalmente, dentro de nós. Rever conceitos, paradigmas, revisitar valores e perceber que o mais simples e importante, sempre esteve ao alcance dos olhos, sejam nossos amores, nossa casa ou as paisagens de nosso dia-a-dia. Mas isso, nem precisava ser dito... Afinal, até uma criancinha sabe.

Um abraço e até a próxima! Usem máscara!