segunda-feira, 23 de março de 2020

Coluna de Março de 2020 para o Jornal Portal

A música nos acompanha e está presente em todos os momentos de nossa vida, como um anjo da guarda. Do acalanto, quando bebês, ao “parabéns pra você” e ao temido “com quem será” ou pela trilha sonora do nosso dia-a-dia, seja em casa, indo ou voltando do trabalho, nos estudos, no lazer, nas festas, eventos...

Alguns momentos ficam tão relacionados a músicas, que é difícil não lembrar de tais situações quando voltamos a ouvi-la. É como uma cápsula do tempo, que, como mágica, nos remete às férias, comemorações, namoros, romances, histórias marcantes da política e dos esportes, sejam de alegria ou tristeza.

Com o tempo, surge um vínculo aparentemente tão natural, que é comum, em algumas datas, se tocar tal canção de propósito, para funcionar como uma “pílula” ativadora de lembranças e sensações de outrora, fazendo todo um grupo, se emocionar, por exemplo, numa comemoração de formatura.

Quando têm essa função, são separadas e rotuladas em tantos tipos que quase deixam de ser arte: música para tocar, cantar, escutar, dançar, malhar, torcer, protestar, meditar... Até mesmo para reprogramar o cérebro, como mantras ou jingles. E não nos damos conta do quanto ela é presente em nossa vida.

Às vezes, até mesmo na morte... Alguns velórios são rodas de música, que comemoram a vida que foi vivida por quem se foi, exaltando seus feitos, rindo de seus defeitos, perdoando seus maus feitos mas, nunca, chorando pelo fim. Afinal, sempre esperamos que a tristeza seja, apenas, a saudade de quem fica.

Lembro que em Março de 2019, o “Bip Bip”, um conhecido botequim, núcleo de resistência cultural e de boa música, em Copacabana, foi o endereço do velório de seu dono, o Alfredinho, onde muitos amigos e músicos estiveram tocando, para homenageá-lo. Não poderia ser diferente e, além de tudo, era sábado de carnaval.

Impregnada em nossa cultura, a música pode soar “natural” em qualquer habitat criado pelo homem, como igrejas, mercados, rodoviárias e aeroportos. Qualquer que seja nosso humor, da tristeza à euforia. Como parte integrante de outras artes, como o cinema e a dança, paralelamente, permeia nosso cotidiano, em elevadores, carros, restaurantes, lojas, eventos, comícios. Presente e despercebida...

Até mesmo, na língua. Usamos, corriqueiramente, expressões que fazem analogia à música e que podem traduzir de forma mais direta, como uma gíria, situações difíceis de explicar sem uma comparação, metáfora ou prosopopeia. Este uso, vai além dos termos técnicos, mencionados num outro texto.
 
Quando queremos dizer que alguém está repetitivo, usamos a palavra “monótono”, que quer dizer que se está num mesmo tom ou mesma nota, ou seja, voltando ao mesmo assunto. Mas também usamos a expressão “batendo na mesma tecla” que é muito bem compreendida e nem notamos o uso.

A expressão “É música para os meus ouvidos” é mais explícita, já que usa a palavra “música” e sugere que alguma notícia foi muito bem vinda. “Fazer a toque de caixa”, quer dizer fazer com rapidez. Eu diria que, para respeitar o toque da caixa, ainda é preciso atenção e regularidade.

Quando se diz que algo “soa familiar”, não necessariamente, se fala de música, mas de som. E de nossa capacidade de reconhecer timbres. Desde a voz de parentes ao telefone, sem precisar do identificador de chamadas, até o som do carro ou das chaves de nossos pais, quando ainda estão fora de casa.

“Ditar o ritmo” nada mais é do que dar as ordens. Na orquestra, quem faz a contagem para o “ataque” de entrada das músicas é o maestro. No trabalho, quem manda é o chefe. Em casa, a esposa. E, por aí, vai...

Falando em intimidade com o ritmo, temos o “Pé de valsa”, que é aquela pessoa que dança muito bem e, por isso, é requisitado para dançar com todos os presentes, dividindo com os humanos “normais”, um pouco de seu “dom”. Muitas vezes, uma pessoa pode “dançar” de outras maneiras.

O “vai da valsa”, é o acomodado, aquele que não tem perspectiva, que vai para onde o mar leva. Um tanto diferente de quem faz isso de forma premeditada e, na vida pública, “entra na dança” conscientemente.

Da mesma forma que podemos usar a expressão “dançar conforme a música”, para um político que se tornou produto de um meio sem ética, em que frequenta e convive, também podemos usa-la para um jovem que deve se adaptar ao seu novo turno da faculdade, se adequando e estando de acordo com as regras.

Quando estamos indignados, devemos reclamar e “botar a boca no trombone”. Afinal, está mais do que na hora de inverter o ditado: “os incomodados que se mudem” e incomodar. “Soar o gongo” para tirar de cena quem tanto nos oprime com promessas não cumpridas. Chega de “bater palma pra maluco dançar”.

Ou fazemos barulho ou vamos continuar a “dormir com um barulho desses”. Se “o show tem que continuar”, é preciso pensar global e agir local. Como disse o mestre Sivuca: Let’s vamos?

Até a próxima!

Coluna de Fevereiro de 2020 para o Jornal Portal:

Já que é pra começar, vamos da capo! Da cabeça, em italiano. Na música escrita, vemos muito este idioma. Possivelmente, porque na época em que houve sua padronização e popularização, a Itália era o centro cultural do mundo, palco de grandes espetáculos, que fomentavam a aquisição de material para se estudar e tocar. Assim, tornou-se a língua padrão, como, hoje, é o inglês.

“Maestro” nada mais é do que mestre e não precisa ser, necessariamente, um regente. Mas, depois, tornou-se o nome do cargo. Quando queremos voltar, dizemos que faremos um ritornelo. Este retorno pode ser de um pequeno trecho ou de toda a música, não importa.

O copista, que era o responsável por transcrever a “grade” de partituras do maestro para todos os músicos que iriam tocar, separando as “partes” de cada um, decidia a melhor e mais clara forma de fazer isso, levando em conta o tipo de instrumento, a facilidade para leitura, a troca de páginas, virada de folhas, facilidade para se contar os compassos em pausa etc.

A música inicia pela “introduzzione” ou “intro”. A parte intermediária, que separa partes diferentes ou o retorno ao tema, chama-se “intermezzo”. E quando se chega aos preparativos para o encerramento, estamos na cauda ou no “coda”.

Os termos que dizem respeito a andamentos: “Larghissimo, Grave, Largo, Lento, Larghetto, Adagio, Andante, Moderato, Allegro, Vivace, Presto, Prestissimo” e suas variações, já que não se trabalhava com BPM, davam apenas uma ideia do que se buscava, mas não a pulsação exata, sobre a qual se deveria tocar, como se faz hoje com o “click” em estúdio e, até, em apresentações ao vivo.

Aliás, depois que a Inglaterra e os Estados Unidos assumiram o status de referência cultural, os termos foram passando para o inglês. Hoje, se vê muita coisa nesta língua também. É uma salada... Para gravarmos, por exemplo, uma música em francês, pensamos, em português, que temos que começar “dolce” e apertar o “record”. Sem esquecer que a própria música é outra linguagem.

Também temos as indicações sobre o tempo, para seguir como um metrônomo: “a tempo”, para dar uma parada: “fermata”, ou se em algum momento, se quer fugir, dando uma roubada: “rubato”. Para se tocar livremente, sem se preocupar com o tempo, se usa o termo latino “ad libtum”. E para retomar o tempo inicial: “tempo primo”. Nas mudanças de andamento, temos o “accelerando” ou “accel” e o “ritardando” ou “rallentando” que também é grifado como ”rall”.

Curioso é que, ao usar as fermatas de ônibus na Itália, a palavra perde um pouco a magia, apesar da satisfação de se compreender o que é. Aqui no Brasil, gostamos de que cada coisa tenha um nome diferente enquanto, lá fora, preferem que o contexto explique aquela mesma palavra que serve para tudo.

Existem as marcas de expressão: “Affettuoso, Con Brio, Cantabile, Vivace, Maetoso, Dolce, Agitato, Animato, Bruscamente, Con amore, Con fuoco, Scherzando” que ainda são acompanhadas dos advérbios de intensidade: “molto”, “assai”, “poco” e “ma non troppo”.

Os termos de dinâmica, indicam a intensidade que se deve tocar aquele trecho do mais suave ao mais forte: “pianissisimo, pianissimo, piano, mezzo piano, mezzo forte, forte, fortissimo, fortissisimo” e, para variação, temos o “sforzando”, que é um aumento súbito e os graduais “crescendo” e “diminuendo”.

Quando era mais novo, não compreendia o porquê da expressão: “Fica pianinho aí”. Achava que tinha alguma coisa a ver com o Schroeder, da turma do Snoopy - cala a boca e não dá pitaco, porque você é uma criancinha! - Não relacionava a palavra à suave, plano ou devagar, para mim, era o nome do instrumento.

Mas um dia, fui apresentado a um músico italiano, que pediu para que eu o acompanhasse na compra de um cavaquinho e, depois de pegar algumas dicas, me disse que, primeiro, iria estudar minhas anotações ao “Pianoforte”. Descobria, ali, seu nome completo.

Depois, soube que este nome é dado a um antecessor do piano e pelo mesmo motivo: permitiu fazer todas as variações de dinâmica entre “piano e forte” que seus ancestrais, como o cravo não faziam. Eram Instrumentos sem dinâmica e isso os fazia perder muito da interpretação (cinética, expressão e dinâmica).

Existem duas grandes perguntas, que devem nortear, constantemente, todo estudante de música, profissional ou não: “O que tocar?” e “Como tocar“. Dizem respeito a duas partes inseparáveis da música, que fazem toda a diferença na execução. Mesmo uma música bem feita precisa de um bom arranjo e boa interpretação. Pois os fios soltos sempre aparecem.

Como sempre digo, através da música, temos acesso a infinitas conexões, conhecimentos e experiências, basta estar aberto para isso, ter coragem e força de vontade para enxergar e aproveitar o lado bom do que a vida nos oferece. A música é o que me toca. E a você? O que te faz ir além?

Um abraço e até a próxima!