terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Coluna de Dezembro de 2019 para o Jornal Portal:

Certa vez, comentando com uma conhecida do bairro que o tempo passava rápido e nossas filhas haviam crescido, disse que recordava dela passeando grávida. Ela, bem humorada, sem pestanejar, brincou: “Você lembra? Mas ela é adotada...”

Fiquei super sem graça. Ela riu bastante. Desculpei-me pela confusão e disse, cismado, que a cena estava na minha mente. Pra me acalmar, ela falou que, muitas vezes, conversamos enquanto ela passeava de carrinho com a bebê. E que eu, como o povo, que aumento, mas não invento, apenas criei uma versão.

Lembrei que várias vezes, pessoas me colocaram em histórias das suas vidas que nunca estive. Já pensei, até, estar ficando com problema de memória, tamanha a certeza com a qual afirmavam tais situações que, para meu alento, muitas vezes se passavam, até mesmo, em cidades onde nunca estive.

Aprendi a não confiar na mente, pois ela completa, inventa, edita e cria um playback que passa com tamanha perfeição na tela de nossa cabeça, que poderíamos jurar, diante da Bíblia ou do polígrafo, fatos irreais. Por isso, além da opinião pessoal, que é subjetiva, ainda existe esse complicador no cotidiano.

A percepção influencia diretamente nosso senso do que é real. Por isso, é importante compreender como ela se dá. Na psicologia, a aferição feita pelos sentidos é denominada cognição e, só depois de interpretada passa a ser chamada de percepção. Portanto, é influenciada pela maneira como nossa espécie trata tais dados e pela nossa imersão no que é socialmente esperado.

A escola que estuda nossa percepção como algo estruturado, chama-se estruturalismo ou Gestaltismo e nos conscientiza, mesmo não esgotando o assunto, que existem fatos relevantes a se levar em conta e a discutir. Exemplos nos cinco sentidos, mostram o quanto podemos ser enganados por ela.

As brincadeiras com a visão, talvez sejam as mais exploradas, basta ver as gravuras de M. C. Echer e tantos outros artistas que estudam e exploram em seu trabalho, maravilhosas distorções desse sentido.

O olfato nos prega uma peça, que é o costume. Mendigos, lixeiros, donos de cachorro e moradores de manguezais, são exemplos de pessoas que não sentem mais o mau cheiro de si, do lixo, do bicho e do lugar onde moram.
  
Ja contei aqui que, devido ao receptores de tato que temos nos pés, nas mãos e no peito, surdos podem dançar. E da sacada da Igreja, na idade média, para provar a presença de Deus, fazendo com que os organistas tocassem notas inaudíveis, tão graves, que faziam tremer as paredes, janelas e vitrais.

Com o paladar, posso citar o exemplo que vivi no aniversário de uma amiga, que fez propaganda, durante toda a semana, sobre o bolo de morango delicioso que ela levaria. Na hora que provei, cuspi, achando que estava estragado, pois o bolo era de pêssego e minha mente não conseguiu entender o outro sabor...

Com a audição, ainda sem falar de música, podemos lembrar do fato de que ventiladores, ar-condicionados, latidos, miados, gritos, etc. podem incomodar bastante alguns na hora de dormir e outros, já habituados, nem percebem, já que o cérebro tende a não “gastar” a atenção da percepção com algo óbvio.

A percepção rítmica, faz com que se perceba, sempre, a sílaba tônica como primeira, isso influencia na forma como escrevemos a partitura. Mas tal regra não foi criada por músicos. Experimente: repita a palavra café e veja que num momento sua mente vai inverte-la. Isso já não acontece com a palavra faca.

Na música, percepção é uma matéria. Uma cadeira da faculdade. Obviamente, destina-se a treinar os alunos a perceber, ensinando técnicas que vão dando a ele, gradualmente a capacidade de aferir, ritmo, notas e acordes.

Num experimento com o aumento da velocidade de lâmpadas que piscavam alternadamente, concluiu-se que os observadores percebiam, primeiro, elas acendendo e apagando, depois, trocando de lugar e, por último, constantemente acesas. O cérebro interpreta, à sua maneira, o que está além de sua capacidade.

Como disse no início, a mente edita. E é de muita serventia, ter noção de que somos influenciados pela maneira como isso se dá e o tipo de distorção que pode acontecer, quando não tem a capacidade de aferir. Afinal, ficamos a sua mercê.

Além disso, pessoas que detém essa informação, nem sempre estão dispostas a nos alertar e, sim, usá-las contra nós. Portanto, se estivermos alertas e dispostos a conhecer as coisas de forma mais profunda, podemos procurar evitar os enganos. Não só nas artes, mas em vários aspectos de nossa vida.
 
De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Vdaerde!

Feliz Natal! Muita consciência para todos nós! Um açbaro e até a pxmiróa!

Coluna de Novembro de 2019 para o Jornal Portal:

Noutro dia, num dos muitos apagões que ocorrem aqui no Grajaú, meu enteado queria saber como esquentaríamos o almoço sem o microondas, descartado pela falta de energia. E eu lhe disse que, em outra época, só usaríamos o fogão e os fósforos. E que, ainda assim, o mundo era bem parecido.

Conforme falava, ia me dando conta de que, apesar de se perder mais tempo em tarefas periféricas, a vida era, realmente, a mesma vida. E o constante incômodo com essa perda de tempo, nos levava a sonhar em ser livres destas tarefas “menores”, permitindo nos dedicar a coisas mais nobres.

Enfim, chegadas tais tecnologias, o que fizemos? Usamos nosso tempo pra salvar o planeta e a humanidade? Nos dedicamos às artes e a cultura? Não. Nos tornamos obcecados pela gratificação material instantânea e passamos a acreditar cegamente no nosso merecimento por vencer as “batalhas” diárias.

A internet traz toda essa recompensa, consumista e “analgésica” em um click, nos livrando de viver a vida real. No entanto, não podemos viver uma vida teórica. Não se come comida teórica, é preciso plantar, esperar, colher, cortar, cozinhar, temperar e só então comer. A vida real, acontece em outra velocidade.

Hoje, nos sobra mais tempo para jogar fora. Nem todos conseguem enxergar. Os artistas sim, a maioria. Mas, além de vítimas, também dependem das tecnologias para se divulgar, criar seu espaço, sua rede... E se passa longe do bom uso, que é equilibrado e imprescindível. O que está acontecendo?

Nestes dias, recebemos no grupo dos colunistas uma charge mandada pela Renata Couto, que brincava com os pecados, chamando-os de “os sete pecados atuais”: Gula (Ifood); Preguiça (Netflix); Ira (Twitter); Luxúria (Tinder); Soberba (Linkedin); Inveja (Facebook) e Vaidade (Instagram). É para parar e pensar...  

Só quando a luz acaba, lembramos o valor das coisas ditas “obsoletas”. E toda nossa modernidade se transforma em trevas rapidamente. Perdidos, percebemos que nossa superioridade é muito frágil. E, apesar de crer que tudo se ajustará, desempenho meu papel de artista, dizendo o que vejo de errado.

Aluísio Machado, disse em “Minha filosofia”: “Água demais mata a planta” e, pensando de maneira inversa, como o rei Mitríades vislumbrou, um veneno tomado em pequenas doses nos torna imunes a ele. De forma semelhante, se chegou às vacinas, dos vírus e bactérias enfraquecidos. O bom ou mau uso pode transformar algo em nocivo ou benéfico.

A faísca para a iluminação do Buda, se deu quando meditava, às margens de um rio e ouviu a lição de música, vinda de um barco que passava. O mestre dizia: “Se apertar demais, a corda arrebenta. Se afrouxar demais, não toca”. É no equilíbrio que se encontra a doutrina do Budismo - O caminho do meio.

O excesso de informação e a grande profusão de artistas descartáveis, têm criado uma enorme distorção na geração atual, que não tem referências, nem base para discutir. Tornaram-se autômatos, repetindo discursos prontos que, de fato, não representam o que acreditam ou gostariam de dizer ou defender.

Neste mundo onde não se pode apenas correr, é preciso ser maratonista. Não se pode beber uma cerveja, é preciso ser especialista. Não se pode beber um vinho sem ser enólogo. E existe cagador de regra para tudo, os jovens acabam buscando em outras épocas, pessoas reais, que falavam menos e agiam mais.
Sem deterem o saber de que era impossível, faziam...

Ter informação não nos leva, necessariamente, ao caminho certo. É preciso intuir qual informação é relevante... Farejar e usar a razão para compreender o caminho, fazendo as devidas correções e compensações. Não há um ditado que diz que agir com fé é, primeiro, botar o pé para, depois, Deus botar o chão?

É preciso desconstruir o herói. Não se ganha todas as batalhas, apenas, se entende que é preciso ganhar mais que perder e que, para isso, todas as vitórias são importantes, mesmo as pequenas. Saber o que não se quer e saber negar é importantíssimo. Como garantem os amigos do A.A. e N.A. - Just for today.

Fernando Pessoa, disse: “A renúncia é a libertação. Não querer é poder”. E é verdade! Nunca foi tão necessário nos libertarmos da ilusão que nos cerca e nos aflige. Que nos acelera e nos dilacera por querermos ser, apenas, nós mesmos e, não, mais uma cópia feita na Ásia.

A internet é fruto do homem, terra fértil para o bem e para o mal. Devemos saber o que vamos estimular e o que devemos deixar atrofiado. O provérbio indígena diz que o lobo que alimentamos é o lobo que vai ficar mais forte e se tornar o dominante. “Por isso, cuidado, meu bem! Há perigo na esquina”.

Na esquina e dentro de nós... Até a próxima!