sábado, 3 de agosto de 2019

Coluna de Julho de 2019 para o Jornal Portal

Se vierem me perguntar se vivo de música, obviamente, direi que sim. É um fato. Através dela, seja tocando, ensinando ou compondo, consigo tirar o meu suado sustento. Mas, ainda assim, sinto que a resposta está incompleta.

Pois ainda que trabalhe todos os dias, inclusive aos finais de semana; escreva sobre ela aqui no jornal, no meu blog ou na página do meu grupo, é ela que me faz relaxar no repouso e, nas horas de lazer, é o meu assunto predileto.

Não há overdose, apenas, prazer. Pura manifestação do que habita em mim e se torna maior a cada dia. Não se trata de dom, não me torna um bom músico, apenas, um ser que sente, pensa e expressa música.

Hoje, entendo a música como um estado de espírito, assim como, um dia, ouvi Jô Soares falar sobre o humor. É uma maneira de entender o mundo. Um ponto de vista. Quem sabe, usando a língua da informática, a música seja minha linguagem de máquina e meu sistema compreenda tudo sob esse prisma.

O Português acaba ficando secundário pois, apesar de ser a interface de comunicação com meus conterrâneos e lusófonos do mundo inteiro e, através dele, falar sobre música, é a sua análise e não a do Português, que traz tantas comparações e analogias, fazendo tudo parecer ter algum sentido.

Por isso, peço perdão aos leitores se falo sobre política, saúde, antropologia, psicologia, etc. misturando tudo no mesmo texto, afinal, através dela, tudo me parece compreensível e relacionado. E, ainda que não haja palavras, há um som, um grito ou um acorde. É a mais antiga das linguagens e das artes.

Não é apenas uma filosofia de vida, mas a própria vida, que se apresenta em pequenas doses, já que nela e no seu exercício, se encerram as questões da nossa existência, seja através da prática ou da teoria, seja de forma literal ou metafórica. Falar de música é falar da vida, aprender a tocar é aprender a viver.

Sergio Chiavazzoli, multi-instrumentista da pesada, que, entre outros trabalhos, toca na banda de Gilberto Gil, diz que não se estuda um instrumento para se tocar bem, mas para, através dele, entender a vida. E que os músicos são fios condutores da música que habita o etéreo. Quanto mais se doa e mais conectado se está, mais ela flui e acontece.

Não se trata de religião, apesar de uma acepção desta palavra ser religar, o que nos permite interpretar que a música ou qualquer outro trabalho, realizado com satisfação, pode restabelecer conexões perdidas e nos conectar, novamente, ao universo ou ao criador, que se encontra acima de nomes e religiões.

Ao estudar música, aprendemos de tudo! Que o som não se propaga no vácuo e que por isso, a explosão dos Vingadores não poderia ser ouvida. Que o índio botava o ouvido no chão para ouvir a cavalaria, pois o som é mais rápido no sólido e, assim, daria para ouvir o trote, mesmo a uma distância impensável.

Que se coloca uma caixa de som embaixo d’água, para ajudar atletas de nado sincronizado a manterem-se no ritmo, embora a música fique distorcida pelo meio ser a água e não o ar. E que o sonar do submarino imita o do golfinho, emitindo sons e calculando as distâncias, conforme recebe a resposta do eco.

Que os surdos dançam através do tato, pois percebem as batidas do ritmo na sola dos pés e no peito. Assim como, na época medieval, a presença de Deus era imposta aos fiéis, nas notas graves e silentes dos órgãos de tubo, inaudíveis ao ser humano, sentidas no vibrar do peito, das paredes e vitrais das igrejas.

Conhecer os processos humanos de percepção do som é muito importante para poder criar. Da mesma forma, é preciso saber nossas reações a música, esta que é a elaboração do som, criada e consumida por nós. Além de suas bases: ritmo, melodia e harmonia... Cujo conhecimento permite seu pleno domínio.

Os criadores, sabem brincar com as sensações de repouso, movimento, tensão, surpresa, relaxamento etc... Criando verdadeiros discursos, que provocam, intencionalmente, diversas sensações nos espectadores. Gerando também, nos próprios músicos, paralelos entre a realidade da vida e da música.

Qual a vantagem em ser destaque, se uma nota depende de outras para virar acorde e, sendo a nota principal de um, será secundária em todos os outros? Por que dar tanta atenção a um pequeno erro se o que vale é a intenção? Afinal, o acento rítmico pode transformar um “desafino” numa nota de passagem.

Não há sentido nos extremos, tudo acontece em ciclos e devemos, em prol do equilíbrio, contrabalançar. Colaborar ao invés de competir. Deixar cada nota brilhar em seu momento oportuno, pois todas são fundamentais e irão aparecer. Há espaço... E tempo... Quem não entendeu isso, ainda não entendeu nada.

A música permeia todos os saberes como uma gravidade que une tudo. É a manifestação do divino, a forma de senti-lo e tocá-lo, seja no mundo material ou dentro de nós. E nos tornando seus embaixadores, botamos em prática a prece que diz: “...Reveste-nos de Tua beleza! E que todos quanto se chegarem a nós, sintam Tua presença e no decurso deste dia, possamos Te revelar a todos...”

Fiquem em paz!!! Até a próxima!