quinta-feira, 20 de junho de 2019

Coluna de Maio de 2019 para o Jornal Portal

As notas sempre foram representadas por letras, denominadas cifras, desde que se têm notícia das primeiras formas de escrita e notação musical. Nos países de origem anglo-saxônica é assim até hoje: as sete primeiras letras do alfabeto A, B, C, D, E, F e G, representam, respectivamente: Lá, Si, Dó, Ré, Mi, Fá e Sol.

Alguns dizem que se começa pelo Lá porque é a primeira tecla do piano, outros, porque é a única nota com frequência exata. Os mais dados aos mistérios, dizem que maçons, influenciaram na escolha para que o “G”, sétima letra, símbolo de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, coincidisse, exatamente, com o nome “Sol”, que é o símbolo do brilho de sua luz e sabedoria. Será?

Esse sistema, usado em muitos países, sofre um problema no momento de se cantar as escalas usando o nome de cada nota - o famoso solfejo. Pois, muitos nomes de letras são dissílabos, como: Alfa, Beta, Gama... E, fazia-se necessário nomes monossilábicos, para facilitar sua entonação.

Países latinos, influenciados pela igreja, adotaram outros nomes. O Monge Guido D'arezzo, no século XII, usou a primeira sílaba de cada verso do hino a São João, em latim, para batizá-las. E, durante a época em que a Itália dominou, culturalmente, o mundo, foram enormemente difundidas.

Eis o hino: “Ut queant laxis / Resonare fibris / Mira gestorum / Famuli tuorum / Solve polluti / Labii reatum / Sancte Iohannes.” Que significa: “Para que teus grandes servos, possam ressoar claramente a maravilha dos teus feitos, limpe nossos lábios impuros, ó São João.” As notas: Ut, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e San.

Mais tarde, Giuseppe Doni sugeriu que o nome Ut, fosse trocado por Dó. Seria apenas coincidência, ser a primeira sílaba de seu sobrenome? E o San foi trocado por “S.I.”, que, na verdade, é uma sigla feita com as duas primeiras letras de Sancte Iohannes. Esses nomes seriam mais sonoros.

As notas musicais são frequências que, como as horas, depois de cumprir um ciclo, voltam ao “mesmo lugar”, porém mais agudas ou graves, dependendo da direção tomada. Saindo da frequência batizada de Lá, que é 440Hz, se chega a outro Lá, tanto subindo a 880Hz (dobro), quanto descendo a 220Hz (metade).

A essa distância damos o nome de oitava, já que, no ocidente, entre estas duas notas iguais, encontrava-se outros sete sons. Posteriormente, percebeu-se que possuíam intervalos diferentes entre si e houve a necessidade de se usar mais 5 sons, para que a oitava se dividisse em 12 partes iguais.
Se estes novos sons tivessem novos nomes, haveria uma grande confusão, já que o entendimento, a maneira de se pensar, tocar e compor, baseava-se, há séculos, em um sistema de 7 sons. Por isso, foram entendidos como acidentes, variações nas notas antigas - agora naturais - adicionados de um sobrenome.

Por exemplo, a nota entre Dó e Ré, recebe os nomes de Dó sustenido (elevado) (#) ou Ré Bemol (abaixado) (b), dependendo de qual delas se substitui ou da direção do movimento que use as duas, a natural e a acidental. Os intervalos Mi/Fá e Si/Dó, são os menores e, por isso, sem acidentes entre suas notas.

A brincadeira entre os sons e seus nomes é algo comum, pode usar formas mais técnicas ou artifícios, solfejando os nomes das notas, no meio de uma canção, preenchendo um espaço sem letra com os nomes verdadeiros dos sons emitidos. Em “Dó Ré Mi”, da “Noviça rebelde”, suas notas realmente são entoadas, apesar da letra criar outra conotação para seus nomes.

Em “Samba de uma nota só”, o nome das sete notas é apenas falado com o objetivo de fazer rima, sem, na verdade, mudar de nota: “E quem quer todas as notas / Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó / fica sempre sem nenhuma / fica numa nota só.“

Enriquez Bacalov e Sérgio Bardotti, na música “Il mio canto”, dos Saltimbancos, vertida como “Minha Canção”, por Chico Buarque, fizeram uma melodia baseada na escala de Dó, onde cada verso repete a mesma nota entre quatro e seis vezes e possui como primeira sílaba, o nome da nota que está sendo cantada:

Sobe: “Dorme a cidade / Resta um coração / Misterioso / Faz uma ilusão / Soletra um verso / Lá na melodia / Singelamente / Dolorosamente.” E desce: “Doce a música / Silenciosa / Larga meu peito / Solta-se no espaço / Faz-se certeza / Minha canção / Réstia de luz, onde / Dorme o meu irmão.”

Chico não deixa de ser gênio por não ter tido essa ideia, tampouco torna-se um, apenas, por causa dos famosos proparoxítonos do final de todos os versos da música “Construção”. Essas são apenas duas pequenas observações feitas em sua vasta obra, que tanto tem a nos impressionar, emocionar e ensinar.

Alguns amigos não gostam, que eu sublinhe que esta é uma versão. Mas tenho a certeza de que ele mesmo não quer, e nem precisa, ter o crédito pelo que não fez. É muito importante falar os nomes dos compositores e não apenas dos intérpretes ou tradutores, reconhecer sua obra e seus acertos, afinal, o cachê mais caro a um artista é o aplauso, o carinho e o reconhecimento.

Até a próxima!