quarta-feira, 3 de abril de 2019

Coluna de Março de 2019 para o Jornal Portal

Temos acesso a muita informação. E, nos dias de hoje, é difícil saber o que, realmente, é importante e relevante. Mas, neste mar de baboseiras, podemos encontrar pequenas ilhas paradisíacas e tomar conhecimento de fatos maravilhosos, que, podem ser experiências, absolutamente, desconhecidas para nós.
 
Para quem nasceu sem nenhuma limitação física ou mental, é difícil perceber que coisas simples, do dia-a-dia, possam emocionar tanto. Mas ao assistir a reação de daltônicos ao ver algumas cores pela primeira vez ou de pessoas com problemas de audição, ouvindo os primeiros sons, é possível ter noção...

Imagine a vida sem som... Uma festa sem música... Um filme sem trilha sonora... Não seria impossível, mas para quem já teve a experiência completa, perder parcial ou totalmente a audição seria muito perturbador, principalmente para um músico ou compositor, como retrata o filme “O segredo de Beethoven”.

Não confunda as informações: Uma pessoa surda não percebe os sons que seriam captados pelos seus ouvidos, mas, através do tato, percebe as notas graves e, através delas - o ritmo - que, por ser independente, está presente no esporte, na física, na engenharia... E a música se desdobra sobre os BPM.

Por isso, os surdos podem dançar. Usando o sentido do tato para perceber o ritmo e, através dele, se conectar à música. A vibração da caixa de som, normalmente, voltada para o chão, pode dar a eles a referência que necessitam. Isso é relatado por professores do INES, em Laranjeiras.

Recentemente, uma propaganda do Boticário, apresentou um menino surdo participando do coro da sua escola, traduzindo a música “Stand by me” para a linguagem de libras. O comercial teve um viés mais inclusivo, mas cumpriu o papel de divulgar um pouco deste processo para muitas pessoas.

Os órgãos de tubo, construídos nas igrejas do período Medieval, possuem notas tão graves, que a audição humana não pode alcançar, mas quando tocadas, fazem vibrar os vidros, as estruturas da construção e do peito, que ressoa e através do tato, faz com que os fiéis tenham a sensação da “presença de Deus”.

Apesar das similaridades de audição e tato, que nos aproxima dos outros mamíferos. A elaboração do ritmo e das frequências, formando frases, melodias e harmonia, nos levou a transcender o som e chegar à música. Que através destes sentidos, nos leva às sensações de êxtase, tristeza, alegria, melancolia...

É a forma mais antiga de arte, com linguagem subjetiva, metafórica, passível de interpretações múltiplas e que tem um DNA universal. Diferente das artes visuais, a música, a poesia e os contos, precisam apenas de imaginação, ritmo e som para acontecer. Temos a música presente em nossas vidas, diariamente.

Através da arte, exorcizamos nossos fantasmas, não apenas vendo, ouvindo e sentindo, mas, também, gritando, cantando, pulando e dançando. E o artista é o bicho que faz a arte, como a aranha faz a teia e vive do que tece. 

Disse noutra feita, que o ser humano precisa da arte, quase como uma necessidade fisiológica. E é verdade! Da mesma forma que a vontade, pode se tornar necessidade, principalmente para quem não pode matá-la. Saber que podemos realizar algo, na hora que quisermos, já nos sacia um bocado.

Igual ao menino na porta da lanchonete, que pede um lanche. Muitas vezes, não está passando fome, mas tem vontade e não pode comer um joelho e um refrigerante. E o desejo o impele a correr atrás. Ele não quer quentinha, que mata a fome, nem água que mata a sede... Quer matar a vontade.

É claro que onde há fome e miséria, fica difícil pensar em vontade ou arte. Aldir Blanc e João Bosco, já diziam na música “O ronco da cuíca”: “A cuíca roncou de raiva, roncou de fome. A fome tem que ter raiva pra interromper, a raiva é a fome de interromper. A fome e a raiva é coisa dos home.”

Depois de matar quem estava te matando, você passa a ter vontade de quê? A música “Comida” dos Titãs Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto, complementa essa fome, que é de comida, de diversão e de arte. E que a fome é de comer, mas, também de fazer amor. Somos plurais...  

“A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comer, a gente quer comer e quer fazer amor, a gente não quer só comer a gente quer prazer para aliviar a dor.”

E essa dor, citada em todas as línguas e religiões, que nos acompanha há milênios, o que será? De onde vem? Por que habita em nós? É difícil responder, mas é fácil perceber, que a arte é um belo tratamento. Sem contra-indicações.

Com a esperança de que o principal objetivo de todos, neste Carnaval, será a música, musa única e, posteriormente, com o mesmo afinco, se dedicarão à Quaresma, me despeço desejando muita paz, harmonia e pergunto: você tem fome de quê?

Até a próxima!